quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Presente novo

Vem embrulhado com seda,
preso com fitas de ouro.
Aquele mesmo presente velho,
esse chamado presente novo.

A cada volta do relógio,
cada pirueta da lua,
giro da terra. Óbvio,
que alguma coisa muda.

Óbvio que a embalagem.
Afinal de contas,
toda criatividade custa caro.

E toda essa bobagem,
de fingir que dentro,
há um presente muito raro.

É bem mais barata,
é bem mais fácil.
Que mudar a valsa,
de passos decorados.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Carta para a Lua

Eu lembro que era noite, eu lembro da lua quase cheia sorrindo com filetes de luz, companheira de todos os momentos importantes ou singelos. Sabia que a lua, inalcançavel dama, é meu maior amor? Pode parecer estranho, mas me é cabivel amar o impossivel melhor que a realidade, amar o inalcançável e temer o que está na minha frente. Eu temo aqueles que me observam, como os poetas observam a lua.
Voltando àquela noite, lembro de ter pego folhas do limoeiro enquanto passava entre as árvores, as espremi na mão sentindo o cheiro citrico, de infância limonada, esperando que fosse um balsamo para nossas vozes roucas, nos curando as palavras que não dissemos. Também peguei rosas, melhor dizendo, pétalas, as atirando no espelho de água e vendo bailar enquanto a água arrepiava sob o vento. Rosas vermelhas, o simbolo mais antigo do amor.
E naquele vento que não esquentava nem resfriava, na completa escuridão eu fechei os olhos, por um momento esqueci seu rosto que não tinha visto, pois um rosto nada mais é que uma capa. Que me importa a capa, quando o deleite é folhear o livro? Jurei pelas pétalas sobre a água, sentindo seu perfume misturado ao citrico, que eu sempre iria lhe amar olhando para mim mesma. Ouvi dizer que quem jura mente, mas outra vez ouvi que só se você não consegue jurar mais de uma vez. Então jurei pelo vento que afagava meus cabelos estar ao seu lado, tão invisivel quanto o ar, pois a distância é de uma relatividade gentil e cruel.
A lua ainda sorria, como quem duvida e desafia, como quem compreende e ao mesmo tempo repele: seu amor é meu. Sempre será, minha dama, sempre será. Mas ousada e infiel como sou, ousei jurar uma terceira vez, pelo solo que pisava e me sustentava, pelo balsamo em minha mão, cuidaria sempre que pudesse de alguém tão próximo a mim, alguém tão frágil quando o reflexo na água, que com um mero toque se partia em ondas. Não me odeie minha dama, conhece bem essas minhas juras, pois juro também por ti.
Iluminada e velada, observando meu sono pelas frestas da janela, sorrindo as minhas lágrimas que brilham sob seus raios. Você era a única que eu desposaria, a única que eu poderia absorver na eternidade, mas ainda assim saber quão quente bate meu coração, tão lento e desafortunado, como quem não quer, mas vai viver. Não me odeie, pois eu a amo! E sempre vou amar, assim como sempre vou amar a quem eu juro. Eu lembro bem desssa sensação, não poder evitar sentir, amar, odiar, vento, água, o veludo da rosa. Repelindo aqueles que me buscam, mas sem poder escapar de seu sorriso prateado nem do reflexo pelas ondas embassado. Eu lembro daquela noite, pois foi uma daquelas inevitáveis, como a dor que vem no escuro e se mantém nos raios solares.
Adoraria me perder de novo na noite, entre árvores e sussurros do vento. Únicas caricias que não me encolho no tormento da lembraça e medo, como confiar uma vez que a própria mente trai? Me perder sentindo o veludo das rosas escapar de meus dedos, na superficie gélida encontrar o calor de um sorriso, sua luz minha dama, não pode me faltar num desses dias. Meu amor, meu amor, meu amor... Eu só posso ser sua, pois não sei ser de mais ninguém, mas não se enciume quando gosto e quando amo. Afinal, como trair, sendo tão parecida, essa presença e ausência que me faz jurar que... Eu amo, eu amo, eu amo.

Neverending Final

Se o tempo passasse não haveria espera,
se o tempo parasse não haveria nada,
se o tempo ouvisse acabaria essa fera
que devora os momentos, insaciada.

Nada começa e nada acaba,
na terra do Nunca.
Bem aqui.
Não há mais volta nem ida,
na terra do Nunca.
Bem ali.

Cartas lidas, músicas ouvidas,
canções mudas, palavras partidas.
Atos sentidos, trocos contados,
gritos, gemidos, presente passado.

O desgosto do que se vai,
o gosto que se mantém.
O eco que assim se esvai,
a mensagem que prendem.

Nada começa e nada acaba,
aqui na terra do Nunca.
Mas como eu odeio o final,
que se entrelaça e inunda,
tudo que passou...

Me deixa começar de novo,
se não agora, então Nunca.
Tudo começa, tudo acaba,
ou então a nau afunda.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Andraste

Depois da guerra milenar os reinos se separaram, isolados era esperado que a guerra, ódio e revoltada se acalmasse pelas terras e assim a paz retornasse junto com a harmonia. Infelizmente o elo entre os povos não podia ser quebrado levianamente então foi erguido no último campo de batalha Andraste, a casa dos invenciveis como era chamada pelos supersticiosos. Andraste costumava ser o lar de representantes de cada reino, com o tempo se tornou o lugar onde cresciam seus herdeiros, até que pudessem assumir o trono e então enviar outro em seu lugar para habitar a fortaleza. A Guerra desapareceu, mas o mal não partiu com ela, apenas deixou a poeira baixar e todos acharem que a nova ordem resolvia tudo.
-Dwyn! – o grito foi alto seguido de um tapa estrondoso – Guarde suas mãos para si próprio!
-Por que guardar minhas mãos se poderia abraçar o mundo? Não faz sentido!
-Não me faça repetir.
-Claro, minha bela dama. Seja feita sua vontade... – Dwyn murmurou dando as costas e se sentando na pequena mureta da torre, adorava ficar ali, encarando as alturas e a grande queda que podia destroçá-lo, mas que não o faria. – Tão belo e perigoso... – acariciou o rosto onde o tapa acertou.
-Podia ser pior, se fosse a Epona teria lhe arrancado a cabeça com um chute. – a voz era amigável, lhe forçou um sorriso.
-Tristan, só você para me animar. Provavelmente por ser o único que causa mais problemas que eu!
-Os herdeiros problema. Ainda posso ouvir nossas babás nos chamando assim enquanto colocavamos pequenos insetos em suas gavetas.
-Você colocava insetos, eu escrevia cartas a elas...
-Dizendo que se não fossem horrendas adoraria desposá-las. – Tristan observou pertinentemente.
-Elas deviam se orgulhar de um principe sequer considerar isso. De qualquer forma, esses tempos acabaram, não é? – Dwyn parecia contrariado, prendeu os cabelos loiros para trás e sorriu para o sol poente. – Você tem estado estranhamente sério, Tristan. Quando vai me contar o porquê?
-Andraste. – Tristan murmurou respirando profundamente. – Lembra dos camponeses quando passavamos à cavalo? Eles diziam que lá vinham aqueles da morada da invencibilidade.
-Histórias dos pobres e desamparados, sonhos de grandeza. – Dwyn concluiu
-Talvez, mas já pensou que talvez fosse capaz atingir a invencibilidade? Quer dizer, como acabou a guerra milenar?
-Todos perderam... – Dwyn falou, pelo menos era isso que diziam. – Não há ganhadores numa guerra, Tristan. Você sabe disso.
-Sei? Nunca vimos uma guerra, nem nossos pais, nem nossos avós... Faz tanto tempo que ninguém sabe mais dizer como era. – Tristan se escorou no muro – Eu andei por esse lugar inteiro, lendo as escrituras nas paredes e vigas.
-As na lingua morta...
-A lingua mãe, Dwyn. De antes da divisão, quando todos falavam a mesma lingua e ninguém se entendia.
-E você entendeu alguma coisa?
-Algumas... – Tristan sorriu. – Faz imaginar, não faz?
-O que?
-Se todos perderam, quem os derrotou? Não existe quem perca sem ter quem derrote. Eu vou descobrir quem ganhou e como, nem que tenha que virar esse lugar de ponta cabeça... – o que era aquele sorriso? Aquele olhar platinado para o horizonte, um brilho determinado sob os cabelos prateados levados pelo vento. Dwyn não reconhecia aquele olhar.
-Você já vira esse lugar de ponta cabeça de qualquer jeito, Tris!
Andaram por algum tempo, comparando feitos e dividindo cicatrizes, descendo as escadas em espiral do destino que só leva para baixo, para as profundezas, onde é tarde demais para tentar voltar e mesmo que tente só vai escorregar de volta para o fundo. Ao chegarem na sala de jantar, como esperado só restavam seus pratos a mesa, num canto uma chaleira e um xicara sendo usadas por uma dama de olhos de relva e cabelos em tons de madeira, tinha gestos que lembravam as flores se curvando ao vento que sopra nos jardins imperiais.
-A comida já esfriou, mas se quiserem o chá está quente... – ela ofereceu virando a xicara, os lábios automaticamente se coloriram de vermelho pelo calor.
-Bláth. Você me esperou, que gentil! – Dwyn comentou erguendo os braços para a braçá-la, ela colocou a chaleira entre eles.
-Não se aproxime ou lhe escaldo. Apenas gosto de apreciar meu chá devagar.
-Não precisava me ameaçar... – Dwyn resmungou cabisbaixo.
-Ouvi o que aconteceu no telhado, Muirgen pretende afogá-lo na fonte. – Bláth advertiu tomando mais um gole.
-Obrigado pelo aviso. – Dwyn agradeceu começando a comer, Tristan apenas se sentou e ficava olhando de um para o outro. – Você está me apavorando, Tris... O que está pensando?
-Estava pensando no reino dos campos floridos, na casa Rosen... – Tristan falou encarando Bláth. – Você não sente saudades de lá? Está aqui há mais tempo que nós...
-Você não se importa com meu saudosismo, Tristan. O que você realmente quer me perguntar?
-Sua lingua natal, ela é de simbolos, não é?
-É. O que tem?
-Andraste possui simbolos por toda parte, são parecidos?
-Não exatamente, a base é similar, mas os de Andraste são cobertos com letras sobrescritas.
-Tristan quer aprender a lingua morta. – Dwyn comentou limpando a boca com um guardanapo.
-Não é tão díficil quanto parece. – Bláth comentou.
-Não? – Tristan parecia interessado.
-A base é em minha lingua natal, e coberta com palavras escritas num alfabeto parecido com o de Muirgen. Eu já havia notado há muito tempo.
-Você chegou a ler?
-Só traduzi o portal de entrada, deduzi que o resto devia ser sobre a mesma coisa e perdi o interesse.
-O que diz o portal? – Tristan insistiu.
-A chave para a guerra é o poder sem a razão. – Bláth citou se levantando. – Curioso que mandem geração por geração para um lugar de guerra, sendo que o objetivo dessa estratégia é evitá-la, os herdeiros de cada reino. E aqui aprendemos sobre poder, a chave da guerra, enquanto tentamos alcançar a razão, temperança e compreensão de um verdadeiro lider.
-Bláth! – Tristan chamou a perseguindo pelo corredor.
Dwyn já sabia o que estava por vir, ele iria aprender o idioma dela, depois aprenderia o de Muirge, depois saíria decodificando cada frase de cada canto daquele lugar. Tristan era um arruaceiro, não conseguia ficar quieto nas aulas, nem dar paz aos instrutores, não respeitava autoridade ou regras, mas quando decidia que iria fazer algo, ele fazia. Dwyn apenas apreciava na distãncia, notando seu amigo de infância com palavras que ele desconhecia na ponta da lingua. Devia ter notado ainda na torre a obssessão, mas deixara passar até que chegou ao seu quarto ouvindo barulhos do quarto ao lado, chegou correndo a porta a tempo de ver Tristan quebrando tudo em várias partes com um machado pesado.
-Tristan!
-Eu sei todas as palavras, Dwyn... Mas não sei o significado de nenhuma, perguntei a Bláth, mas ela apenas disse que eu de todas as pessoas devia saber o que era.
-Se acalme, amanhã eu pergunto a ela de novo por você... – Dwyn falou pegando o machado e o atirando pela janela. – Tente dormir está bem?
-Se você fosse um sedento num deserto, você dormiria ao avistar um oasis?
-Dormiria se a chance de morrer em busca de uma miragem fosse maior. – Dwyn retrucou encostando a porta e murmurando – Você precisa descansar, Tris...
Na manhã seguinte Dwyn fez o que havia prometido, foi procurar Bláth, mas ela não estava como de costume nos jardins, nem tomando chá sozinha em alguma sala enquanto olhava pela janela, todos aqueles anos era o que ela fazia, mas naquele dia ela não estava lá. Foi até o quarto dela, ciente de que ela, assim como Muirgen e todas as outras mulheres daquele lugar o desprezavam, ou no mínimo o preferiam a sete palmos, de distância ou da superficie. Bateu na porta, mas não ouviu resposta, então abriu uma pequena fresta para espiar.
-Bláth? – abriu de vez a entrada para o quarto, flores e plantas para todos os lados, haviam eras até mesmo subindo pelos suportes da cama, o que se esperar da dama do reino dos campos. O que ele não esperava era vê-la deitada, amarrada, com uma flor dentro dos lábios abertos e os olhos vitreos encarando mórbidamente o teto. – Blá...th...urg...
Não conseguiu segurar suas entranhas dentro de seu corpo, a bela dama transformada num retrato triste o revirou por dentro, correu chamando quem pudesse ouvir para que viesse e tão logo chegaram ele foi expulso do lugar. Só lhe restava esperar por alguma resposta, algum motivo, algum meio daquilo poder ser real, Bláth não era apenas uma bela dama. Ela era habilidosa, conhecia como ninguém venenos e antidotos, seus usos e perigos, podia envenenar uma pessoa antes da mesma sequer pensar que estava em perigo. Para que aquilo tivesse acontecido, para ela estar morta daquele jeito, tinha que ser um assassino muito bom. Mas quem a mataria?
-Dwyn? Você está bem? – Era Tristan que perguntava com um livro pesado na mão.
-Bláth está morta...
-Eu sei, por isso eu vim. – o amigo lhe recostou a mão no ombro – O senhorio não quer nenhum herdeiro sozinho, você não devia se esconder nesse canto escuro.
-Por que você não está bravo? Ou triste?
-Você sabe que um estado alterado não ajuda nessas horas...
-Ontem você quase destruiu seu quarto só por ela não te dizer algo e agora que ela nunca vai dizer uma palavra de novo, você fala isso? Qual seu problema?
-Nenhum. – Tristan sorriu – Eu só já sei o que precisava. Me ocorreu quando você me pediu para descansar.
-O que?
-É você Dwyn! Por isso ela me disse que eu devia saber, as palavras que eu não entendo, são sua lingua natal. Não é ótimo?
-NÃO! - Dwyn gritou empurrando o outro – Qual seu problema? ELA ESTÁ MORTA, TRISTAN!
-Ficar bravo não vai trazer ela de volta, Dwyn...Mas eu entendo, você ficou chocado com o que viu, é uma cena desoladora. – Tristan se levantou e fez meia volta para a saída. – Tente descansar, Dwyn.
-Desoladora...
Dwyn socou a parede, não era como o resto, cheio de dons e habilidades incriveis. Não era como Bláth que dominava as plantas e definitivamente não era como o principe rebelde Tristan, ele podia manejar qualquer arma e aprender qualquer coisa desde que se dedicasse. Um prodigio como o chamavam, desde pequenos sempre foi o melhor em tudo, exceto comportamento. Com uma personalidade extremamente centrada e egoista, Dwyn era o único que ele chamava de amigo ou com o qual parecia se importar, talvez o irmão que ele nunca teve e secretamente desejava.
-Tristan! Tristan! – a idéia o atingiu como um raio.
-E da guerra veio a dor e da dor veio a morte... – o outro lia no alto da torre – Da morte veio a tristeza que se tornou ódio e cada qual com seus dons, os tornaram pecados distorcidos e inflamados contra os alvos de sua mágoa. Cresceram os soldados, cresceram os magos, cresceram as armas e os poderes.
-Tristan...o que...?
-Ao atingir o topo dos céus, sem possiilidade de aumentar ainda mais seu alcance e assombrosos feitos, cada homem foi forçado a olhar para baixo e para dentro. Para a doença que inflamava seus corpos e deteriorava sua alma... O poder se tornou o monstro dentro de cada um, um monstro que os devorava ao pouco até o dia de sua morte. – Tristan virou a página – Agora você sabe da onde vieram os dons dos reinos, venenos, chamas, criaturas controladas pela mente... Mas você nunca demonstrou nenhum dom Dwyn, por que?
-Eu não tenho nenhum... – Dwyn confessou se aproximando.
-Um homem sem poder e sem monstros dentro de si. – Tristan sorriu. – Interessante.
-Foi você não foi?
-Eu, o que?
-Que matou a Bláth!
-Eu não queria que ela morresse, Dwyn... – Tristan falou se levantando, ergueu o livro e continuou a ler as palavras marcadas em Andraste – Ante a morte e ao medo, forçado a confrontar seus próprios atos. Seja feita luz sobre o campo de batalha, cada soldado viu o resultado de cada golpe que lançara ao inimigo. Num campo de malditos mortos e malditos vivos, não havia vencedores, apenas derrotados. E aqui está... A versão que conhecemos da guerra... Apenas derrota, pois tudo foi considerado um erro.
-Isso não é resposta, Tristan!
-Eu não a queria morta, Dwyn... – Tristan repetiu, virou mais uma página – Mas o poder cega e dos céus alcançados através dos dons pouco se vê num campo empoeirado e sujo, pouco se vê quando o brilho da demente busca toma seus olhos. Você deve ter os olhos mais limpos de Andraste, Dwyn...
-Você está louco?
-Você viu Bláth e ficou assombrado, nenhuma outra pessoa aqui teria ficado. Só você meu amigo, porque seus olhos são limpidos e não há nenhum monstro devorando seu interior.
-Está dizendo que sou abençoado com a normalidade? Que sou puro dos males dos dons das familias reais? O que diabos isso quer dizer, Tristan? NADA!
-Quer dizer que você é um homem melhor que eu... – Tristan respondeu entregando o livro para o amigo, virou mais uma página. – Muito melhor, apesar de muito mais fraco.
Dwyn baixou os olhos, as inscrições em sua lingua natal continuavam: A guerra nunca teria acabado, se apenas aqueles com olhos sujos e corpos poderosos tivessem visto o campo de batalha, mas havia ainda fracos e vitimas, distorcidos e perseguidos pelas impiedosas investidas dos poderosos. Andraste, apenas aquele que fosse invencivel poderia derrotar todos de uma só vez, naquela guerra aonde só havia derrotados. Então poderia voltar a paz, mas onde achar a invencibilidade? Dos escombros se arrastavam gritos de vingança e das feridas nasciam vermes do ódio.
-Você procurou a invencibilidade e achou vermes... Parabéns, Tris...
-Você não leu tudo. Mas vermes. Vermes sim... – Tristan falou e só naquele momento Dwyn reparou que ele tinha rasgado a própria camisa, cicatrizes cobriam toda sua pele. – Monstros que caminham dentro de meu corpo me devorando. Eu não queria que ela morresse, Dwyn... Quando dei por mim ela já estava pálida e gélida.
-Você queria poder e ele o consumiu... – Dwyn comentou tirando o casaco e colocando nos ombros de seu amigo – Seu idiota...
-Não, Dwyn... Eu sempre fui assim... – Tristan sorriu - Continue lendo.
No campo de batalha se erguia, acumulando vitórias a própria encarnação do poder em sua face mais grotesca, o nome se perdeu no tempo, mas a visão era de uma rainha pálida e loura cuja mera presença envenenava os campos. A guerra se acabasse com um vitorioso, poderia apostar tranquilamente naquela rainha quem quisesse, pelo menos quem não conhecesse o fim da guerra milenar. Andraste foi procurado por todos, vitimas e combatentes, a invencibilidade que trária a vitória numa terra derrotada, mas não existia a invencibilidade.
-Acaba assim? Sem acabar?
-Eu não consegui escrever o resto... – Tristan deu risada – Mas estava escrito no portal do se quarto que a rainha viu uma figura no fim do campo, uma figura prateada que lembrava um espelho, mas que era gente. E outros também viram, todos se aproximaram cheios de cobiça e embriaguês da perspectiva de maior poder. Na busca de Andraste.
-E o que mais? – Dwyn perguntou largando o livro.
-O resto está na porta do meu quarto... – Tristan riu nervosamente andando na direção de Dwyn, colocou as mãos no ombro do amigo. – Eu sempre achei que nós iamos fazer história, mas nós já fizemos...
-Do que você está falando...?
-A Rainha foi a primeira a chegar, naquele que tudo podia fazer, porque tudo podia roubar. Por isso ela foi completamente consumida, o que explica sua familia não ter nenhum dom...
-A sua familia...
-Se alimenta de poder, de monstros e vermes... Por que você acha que eu aprendo tão rápido? Destruindo meu próprio corpo, para sanar o dos outros... É um destino altruista demais pra mim.
-Tristan...
-Eu não queria matar a Bláth, mas quando eu beijei ela eu senti gosto de veneno escorrendo e ela empalideceu. Eu sabia que ela ia morrer se eu não a soltasse, mas eu não conseguia soltar.
-O que você está tentando me dizer?
-A guerra não acabou... Ela só foi jogada pra debaixo do tapete enquanto a demência de todo mundo foi engolida. – Tristan comentou baixando o rosto – Encobriram a história, separaram todos para ninguém mais falar nada.
-Você realmente precisa descansar, Tris...
-Não... Eu não quero descansar. – o outro respondeu levantando o rosto – Meu amável e amigável, Dwyn. Meu único amigo, eu sempre senti que devia algo a você...
-Tristan...
-Eu só não sabia que o que eu devia era tudo que há de pior em mim.
-TRISTAN! ARRRG!
-Pode ficar com tudo, Dwyn...- Tristan falou jogando o casaco por cima do amigo caído. – Eu acho que já está na hora de vocês aprenderem a lidar com seus próprios monstros...
As cicatrizes sumiram, assim como a nausea e a visão turva. Tristan desceu as escadas sentindo seu corpo incrivelmente mais leve e livre, passou pelo corpo de Bláth sendo carregado e pela visão de Muirgen que chorava, cruzou o portal que falava sobre a chave para a guerra. Podia ver tudo de maneira diferente, imaginava se era aquele jeito que Dwyn via as coisas antes, antes dele enfiar em seus olhos, boca, nariz e pele tudo de ruim que estava preso dentro de si. Era como nascer de novo, selou seu cavalo e galopou para casa, iria recomendar aquilo para toda a familia, era tão melhor estar livre sem aqueles vermes se alimentando de suas entranhas. Chegou no castelo ao mesmo tempo que o mensageiro, o herdeiro do reino do Oeste ficara louco e se levantara contra os outros reinos quebrando as fronteiras.
-São péssimas noticias! Por que você está rindo, Tristan?
-É muito interessante.
-Interessante?
-Tem gente que simplesmente não sabe lidar com poder e os monstros que vêm com ele.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Eins-Zwei-Drei!

Os móveis ainda estavam cobertor com lençóis brancos, ainda havia muito pó para ser varrido para fora, e aquela coceira no nariz de poeira já começava a aparecer. Beatrix Widerschein, apesar de sua pilha de livros e cadernos velhos, não podia ser nem de longe chamada de uma "amiga dos ambientes empoeirados". O primeiro espirro a fez correr e abrir as janelas, o vento espalhou as cortinas e também o pó, fazendo pequenos desenhos sobre as cômodas antigas, retratos mudos e cores que se desbota, curvadas pelo tempo.
-Sein gut, Beatrix?
-Sim...E...
-Was?
-Eu não sei alemão. – a garota murmurou debruçada na janela, só porque seus pais sabiam alemão, não queria dizer que ela sabia. Tudo que restava da Alemanha era seu sobrenome e pequenas lembranças de seus pais. A outra riu como quem acha que é brincadeira e começou a falar incessantemente. – Ich versteh dich nicht! Desculpe, mas...
-Eu entendi. – a mulher respondeu franzindo a testa – Bem, você é nova, pode aprender ainda.
-Eu não quero aprender.
-Bobagem! E quando voltar à Alemanha?
-Não vou voltar. Obrigada por tudo...
Toda porta que se fecha, era um lembrete do caixão sendo lacrado sobre sua cabeça, lembrava de ter espreitado para dentro da agência funerária quando criança, ainda era pequena e não entendia porque não podia dormir como seus pais. Escalou até o caixão aberto e se deitou no veludo, o perfume de rosas a fazia lembrar do jardim de sua mãe e os gritos na distãncia lembravam seus pai, as velas eram como seus olhos. Boris e Isolde só tiveram uma filha, e uma filha fora tudo que o mundo teve deles. Ainda podia lembrar do caixão fechando sobre sua cabeça, adormeceu sem medo e no dia seguinte um senhor a encontrou.
-Beatrix! – aquela voz sombria só podia ser de Melanie. – Já arrumou seu quarto?
-Quase!
A definição exata de quase queria dizer que haviam móveis sem poeira, mas de resto, caixas e roupas esparramadas, objetos empilhados e a organização tradicional passava longe daquele lugar. Um quarto com cama, armário, uma pequena mesa na janela e um enorme espelho na parede, mais nada. Passara dias apenas deitada na cama encarando o teto de maneira distraída, podia ver sombras que se moviam e borrões de sua visão dançando na tinta que descascava. Aquela casa era um lembrete triste da decadência que tudo sofria nesse mundo.
-Isso não é quase, Beatrix! – Melanie gritou abrindo a porta. – Quando você vai levantar e viver sua vida? Seus pais morreram há anos e não importa em quantos caixões você deite não chegou sua hora!
-Você é sempre tão gentil, Tante Melanie. – Beatrix murmurou com um sorriso para o teto.
-Já chega, Beatrix! – Melanie falou a puxando pelos pulsos a forçando a sentar – Você vai acabar de arrumar esse quarto hoje! E não vai comer até acabar!
Tinha algo que encantava Beatrix em Melanie, não eram os traços fortes nem os cabelos loiros presos num coque, não eram os olhos azuis frios nem a voz de abismo que ecoava pelas paredes. Não tinha nada a ver com a palidez ou frieza de seu corpo, cujo coração nada mais era que uma bomba de sangue, não, o que realmente encatava em Melanie era que apesar da aparência severa e trajeitos violentos, Beatrix nunca se sentiu menos que amada perto dela. Se não amasse não haveria motivo para tanta exaltação e gritos. Sentiu um vento subir sua espinha quando se curvou para pegar os sapatos, ergueu o rosto para encarar o espelho.
-Vento de lugar nenhum... – murmurou constatando as janelas fechadas através do espelho, seus olhos passearam da janela até a própria face, atrás de si as cortinas dançavam, mesmo sem vento, mesmo sem janela aberta para o vento passar. – Casa velha, tinha que ser mal assombrada...
Começou a esvaziar as caixas e arrumar as roupas no armário, ignorava completamente as ondas de frio e calor que passeavam pelo quarto, a lembravam de quando tinha febre. Que lembrava quando seu pai a deitava no sofá e cobria com o casaco de lobo, junto a lareira tomava chá que sua mãe fizera enquanto Boris atiçava as chamas. Mas já não havia nada para ser atiçado dentro de si, nem febre, nem chama, nem lembranças... Sentiu algo lhe puxar o pulso, mas não era Tante Melanie.
-Trugbild... – foi um sussurro.
-Fantasma... – estava de costas para o espelho, escorregando em sua superficie, sentada no chão sentia algo bater contra suas costas, uma batida ritmada que ora ou outra sentia dentro de si.
-Você é o fantasma... – a voz respondeu, recostada em algo morno. – Querendo dormir pra sempre, quer trocar?
-Trocar...?
-Venha pra esse lado e eu vou para o seu...
-Não ia dar certo.
-Não falei que era para dar certo, falei que era uma troca. – a voz riu-se, fantasma estranho sequer tentava assustar. – Me dê a mão...
-Essa mão? – tocou algo ao tatear a superficie vitrea, ainda de costas entrelaçou os dedos em algo que não sabia explicar, o quarto girou, parecia estar ao contrário, como visto através do espelho, virou o rosto para trás encarando um rosto sorridente. – Trugbild?
-Vai ser um prazer ficar com sua não vida. Divirta-se aí dentro, Beatrix...
-Aqui dentro... – socou a superficie, mas sequer uma rachadura apareceu, era tudo tão irreal e tranquilo, natural e envolvente, suas mãos pareciam as mesmas, tudo parecia o mesmo exceto o quarto.
Era tudo do avesso e do outro lado podia assistir como a uma tevê seu quarto original, sendo arrumado por uma ela mesma, mas de movimentos animados, ouviu cochichos e murmúrios e caminhou até a porta, procurando ouvir o que se passava do outro lado. Uma voz baixa resmungava maldições sobre alguém, deu passos para trás ao ouvir a maçaneta, assistiu uma Tante Melanie, de cabelos negros e olhos castanhos entrar no quarto do avesso.
-Tante Melanie?
-O que é agora? – a outra perguntou quase sem sair voz de sua garganta – Eu estou ocupada...
-Não vai mandar-me arrumar o quarto?
-Faça o que quiser, menina... O que quiser...
O encanto quebrara tão galho fino quando vem a nevasca, a voz baixa e desinteressada, a frieza transcendera seu corpo, pegou a muda de roupas que a outra trouxera e colocou sobre o colo, sentada na cama só agora notava que tudo era preto ou branco naquele lugar. Deitou na cama e voltou a olhar o teto, mas não havia nada nele, nada diferente e nada igual. Começou a contar baixinho, como criança tentando dormir e conta ovelhas para o sono alcançar, mas na verdade queria acordar, acordar de volta no quarto do lado certo.
-Eins, zwei, drei, vier, fünf, sechs, sieben, acht, neun, zehn, elf... – tampou a própria boca, não contava em alemão desde que colhia flores com sua mãe, sentiu lágrimas quentes lhe escorrerem a face e levantou um pulo ao ver algo no espelho acenar. – Trugbild!
-Você tem uma tia ótima! – o espelho comentou girando o novo vestido. – Como se diz...? Tante Melanie?
-O que você fez? – Beatrix perguntou caminhando na direção do espelho.
-Eu falei para trocarmos e você aceitou. Esse lugar é tão colorido, nem sabia que tantas cores existiam...
-Troca de volta... – Beatrix pediu tocando a superficie do espelho.
-Por que?
-Porque eu quero voltar!
-Não, não quer... – Trugbild respondeu virando as costas. – Você tinha tudo isso e só ficava deitada como um defunto! Isso você pode fazer desse lado aí...
-Trugbild!
-Eu estou mentindo? – Trugbild perguntou séria.
-Não, mas...
-Vocês pessoas são tão estranhas... – Trugbild falou se abaixando para acompanhar Beatrix que foi ao chão, a testa no espelho, o fantasma tocou de leve a superficie. – Só dão valor ao que não possuem... Não se preocupe, você vai morrer eventualmente.
-O que?
-Não é o que você quer? Morrer? É só esperar... – Trugbild sorriu – Deite e durma, deixe os anos passarem arrastando suas forças e você vai acabar morrendo mais cedo ou mais tarde.
-Eu não quero morrer!
-Então por que você deitou naquele caixão? Se não fosse o velho você teria sido enterrada viva. E mesmo depois dele a salvar, você continuou apenas deitada como morta.
-Eu era uma criança, eu não sabia! – Beatrix gritou.
-Sabia sim...
Lembrava dos caixões, lembrava da face de seus pais geladas sob a luz trêmula das velas, o perfume das rosas que colocaram ao redor, pessoas em preto passando como sombras nas paredes. Ouvia vozes, mas eram estranhas, falavam de coisas que ela ainda não entendia, mas a repetição ia tornando tudo mais compreensivel, logo entendeu que ela devia estar triste, pois seus pais não iam mais levantar. O fim parecia tão singelo e mediocre, nenhuma glória ou grande luz, nenhum grande abismo da onde saltar, apenas deitar a cabeça num travesseiro cercado de rosas e fechar os olhos para sempre.
-Mutter...Vater...
-Você sabia que eles estavam mortos e não dormindo. Você queria morrer e não dormir...
-Nie! – Beatrix gritou esmurrando o espelho. – NIE!
-BEATRIX!
-NIE! NIE! MUTTER! VATER! NIE!
-Beatrix chega!!!
Só reconheceu a voz de Tante Melanie quando berrou nos seus ouvidos, as mãos ossudas tentando lhe puxar pelos braços e lhe segurar o movimento das mãos que esmurravam o espelho mesmo depois de rachado, só depois de algum tempo sentiu a dor em suas mãos, cacos esmigalhados cortando sua pele. Lágrimas quentes aqueciam seu rosto, sua tia a abraçava para que não se machucasse mais ainda, tudo estava do lado certo e nas cores certas, seu reflexo era apenas uma imagem rachada. Lembrou de seu pai que contava até dez para acalmar-se, da onde viera tanta raiva?
-O que houve, Bea?
-Ein, zwei... Drei... – ela soluçava.
-Beatrix...
-Eu sinto muito, Tante... – a menina murmurou abraçando a tia. – Eu sinto muito...
-Tudo bem, tudo bem... Venha, vamos cuidar das suas mãos.
Dez anos atrás ela deitou no caixão, dormindo embalada no perfume das rosas como seus pais, mas mesmo depois que a tiraram continuou dormente e enterrada. Demorou muito mais que gritos e mudanças para que despertasse, faltava-lhe sangue correndo com lágrimas e cacos de vidro sinceros perfurando sua pele. Faltava olhar dentro de si mesma. Os móveis estavam novamente cobertos por lençóis brancos, tudo em caixas sendo carregadas para o caminhão, Tante Melanie levando as malas para o carro a chamou quando passou pelo corredor. O espelho rachado a encarava.
-Me desculpe... – Murmurou tocando as falhas de onde os cacos caíram, encaixou alguns de volta, mas outros simplesmente sumiram. – Besten dank! – beijou a superficie do espelho com um sorriso antes de partir.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Diferença


Todos aqueles consentimentos mudos,
Contratos firmados mentalmente.
Todos aqueles sorrisos mutuos,
Sensações compartilhadas mentem.

Tanta contradição no pensamento,
Igualdade, antitese paradoxal das almas.
Tanta discordância em nossos gestos
Explicitos no cenário controvérsio, calma.

Calma, o pior ainda chega,
Se arrastando entre as idéias.
Aqui está o presente de uma grega.

Calma que o pior ainda vem,
A colisão de nossas palavras.
O entrave de nossos versos, sem..


Perdoar nem as que foram caladas.
Esmigalhar as antigas cartas,
E soprar ao vento os nossos restos,
Restos de ontem, diferença alcançada.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Final

Nota: Eu falei que acabava no 9, Delilah, aprende a ler...


9
-Vai junto pra sua babá, demônio frito... – Eresh mandou gargalhando, havia fumaça para todos os lados, algumas árvores pegaram fogo.
-Você é mesmo muito má, moça... – aquela voz, era a mesma, mas o tom mudara, estava mais grave. – Primeiro mata a Inna, que eu amava tanto... Depois tenta matar meu cachorro, o que é realmente desleal, bichinhos de estimação são sagrados...E agora...
-Não pode ser, eu acertei em cheio... – Eresh murmurou vendo os vultos no meio da fumaça.
-Agora você tenta matar minha noiva? Tudo bem que eu nem queria casar com ela, mas a culpa é toda sua se isso aconteceu...
Eresh não entendia o que estava vendo, a própria Cherie estava atordoada, estava com os pés fora do chão, alguém a segurava, alguém com a voz de Ketiy, mas que era... Grande? Era um jovem, orelhas pontudas e asas que pareciam mãos esqueléticas com teias de aranha, como as de Gato, os olhos cinzentos reluziam na escuridão e o sorriso pontiagudo. Inno Ketiy versão mamãe eu já cresci.
-Quem é você? O que você fez com o pivete fofinho!?
-Do que você está falando? – ele perguntou deixando Cherie voltar para o chão, fez um bico com rosto choroso – Minha própria noiva não me reconhece... Por isso que eu não queria casar com você, tão insensivel!
-Mas você é só uma criança!
-Eu sou um demônio, Cherie. Eu tenho mais de cem anos, eu só fico daquele jeito porque é mais confortável, para de gritar comigo.. – ele pediu enxugando os olhos, não era a mesma coisa que levar gritos de Inna, ela sempre gritava com ele de uma maneira tão linda – Isso me lembra da Inna.
-Você é doente! – Eresh gritou levantando as espadas, mais uma vez tinha duas – Esse tempo todo, esse tempo todo...
-Moça... – ele falou encarando Eresh – Foi você que pediu, sendo uma menina tão má, agora eu tive que ficar desse jeito, pra ter certeza que você vai sofrer até seu último grito. Eu vou fazer uma sinfonia funebre pra Inna com seus berros.
-Você só fala demais, continua sendo só um pivete!
-Então porque você está tremendo? – ele sorriu e bateu palmas – EL!
-AHHHHHHH!
Eresh foi forçada a largar as espadas, vindo do chão no começo pareciam galhos, mas lhe morderam as mãos se prendendo em sua carne, seus olhos se iluminaram por um momento agudo de dor, pode perceber que aquelas coisas contorcidas e esqueléticas, não eram dedos ou galhos, eram serpentes e aquilo que pareciam teias de aranha eram marcas de vento, marcas que só podiam ser vista quando o vento está em alta velocidade. Aquele garotinho de rosto inocente e sorriso bobo, aquele garotinho era um demônio de verdade.
-Desculpe, mas minha mãe me deu educação então eu vou me apresentar devidamente antes de te matar. Me chamo Inno Kentiy, minha mãe me deu esse nome no meu aniversário de dez anos, ela disse que eu era inocente demais e demorava pra ficar bravo ou ver maldade nas coisas. – Ele falou se aproximando, chorava, parecia imensamente triste – Minha mãe se chama Tanit, a senhora das serpentes. Você deve ter ouvido falar dela, ela bebe veneno e sangra antidoto, eu aprendi com ela a fazer isso aqui... El!
-Ahhhh! – Eresh não conseguia girar as mãos para usar seus poderes, havia serpentes demais lhe mordendo por toda parte, sentia muita dor. – Você vai mesmo matar aquele cara? Não se esqueça que nós estamos ligados!
-Você não ouviu tudo... Meu pai se chama Enli, a Innanna já tinha te dito tudo isso e se você tivesse prestado atenção nada disso estaria acontecendo. – Inno falou, puxou a aliança do dedo dela e a arremessou para o alto, o anel se partiu em dois. – O chamam de senhor do vento, mas a verdade é que ele é só uma tempestade...
-Não... – Eresh gemeu se contorcendo ao começar a ser apertada pelas serpentes.
-Uma vez que você fica no caminho dele, você é feito em pedaços pela tempestade. Infelizmente eu não sou assim... – Inno falou chorando muito, sentia uma dor aguda, mesmo odiando aquela mulher não suportava ver ninguém sofrendo – Mesmo agora, mesmo perdendo Inna, eu não consigo me enfurecer e te fazer em pedaços. Você deve achar que eu sou fraco, não é? Mas a verdade é que eu odeio sofrimento, lágrimas e gritos...
-Se você não me matar eu vou...
-Voltar e me matar... – Inno Ketiy concordou virando as costas para Eresh, tinha que ser forte, Inna não ia mais cuidar dele. – Eu só estava tentando ser gentil, eu não gosto de mortes e dor, nem de pessoas gritando... E eu não posso ver uma garota chorar. Se eu pudesse viveria eternamente sem nenhuma lágrima escorrer... Mas pessoas que nem você não me deixam.
-Ahhh! – Eresh gritou quando uma serpente lhe mordeu o pescoço, lágrimas caíam de seus olhos.
-Mas você não é uma garota, não é? Anjo? Você é só uma mocréia qualquer que se alegra ao ver pessoas sofrendo...
-VAI PRO INFERNO! AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!
Ele não olhou para ela, nem para o que restou dela, continuou de costas e foi até Cherie, a garota tinha se encolhido, de olhos fechados e olhos cheios de lágrimas, tapava os ouvidos como podia. Ele se abaixou perto dela, a abraçou a deixando regar sua blusa com lágrimas, ele realmente não gostava nada como uma garota chorava, ainda mais quando a culpa era dele. Aos poucos encolheu, se sentindo pequeno e miserável, até se tornar aquela coisinha que cabia no colo, se sentia péssimo...
-Não chora, Cherie... – ele pediu, as bochechas enormes e os olhos lacrimosos, o rosto de criança com dentes pontudos.
-NÃO FAZ ESSA CARINHA FOFA! – A Cherie berrou chorando, o apertou com força.
-Me desculpa... – ele pediu chorando apertando a blusa dela – É que a Inna...
-Eu sei... – ela engoliu um soluço. – Você amava ela...
-Cherie... Me leva pra casa? Eu... Eu estou perdido...
-Tudo bem. – ela falou se levantando segurando a mão dele que se agarrou a barra do seu shorts, ele era mesmo só uma criança, não importava o que falasse. – Vem, Gato!

sábado, 13 de dezembro de 2008

Pássaro Negro

8
Innanna teria explicado, que todas aquelas lágrimas foram o que faltava para Inno conseguir finalmente transformar aquela casa num lar, uma mansão mal assombrada onde lágrimas e gritos eram consumidos, restando apenas os sorrisos de cada dia de convivência. Cherie nunca tinha se sentido tão em casa, até ela se tornar aquele espetaculo grotesco com um par de demônios bem diferente, Innanna já estava curada, mas por algum motivo a babá parecia a cada dia mais distante e quieta.
-Ainda está preocupada com Eresh? – Cherie perguntou amarrando a bandana firme em sua cabeça, fazia tempo que não saiam.
-Não, estava pensando que o tempo passou muito rápido. Não foi nem um mês e já chegamos nesse ponto... – Inna comentou fazendo carinho numa das três cabeças de Gato, Inno ficava invocando o lado monstruoso dele constantemente para brincar.
-Eu já estou quase me acostumando com essa aparência estranha da casa e do Gato.
-Foi pra isso que o mestre Ketiy veio afinal...
-Achei que você tinha dito que eram três coisas. – Cherie comentou.
-É, só falta uma e aí meu trabalho acabou. – Innanna falou se levantando – Ele cresceu demais.
-Não seja boba, Inna! Ele ainda é só um pivetinho desse tamanho... – Cherie indicou a altura de um banquinho.
-Você não vê? – Innanna perguntou, Cherie fez uma careta – Como você pode ver a casa e o Gato, eu achei que...
-O que...?
-Deve ser impressão minha. Que tal um pouco de ar fresco?
-Mas é quase meia noite!
-Perfeito, o sol machuca meus olhos. Vou chamar o mestre Ketiy.
Cherie pegou a lanterna, lembrou da primeira vez que os viu, estava procurando Gato no parque, agora o cachorro enorme apostava corrida com o garotinho. Estava tudo escuro e o vento nas árvores fazia um barulho medonho, Innanna parecia uma entidade caminhando pela trilha, os cabelos negros esvoaçavam e as orelhas pontudas lhe davam um ar místico, quando ela ergueu os olhos prateados para a lua uma rajada de vento fez seus cabelos voarem, por um momento Cherie viu asas, asas negras.
-Eu estava imaginando quando vocês iam sair daquele buraco, vermes do inferno.
-Eresh... – Cherie murmurou, viu no fim da trilha, não apenas a loira com asas luminosas, mas entre os braços dela seu amigo com o olhar vago. – O que você fez com ele?
-Shhhh. Você vai acabar tirando meu marido do transe assim... – Eresh falou dando um beijo na bochecha do homem. – Sabe, não são muitos que entendem na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... Até que a morte nos separe. AN!
-Você é uma moça muito má... – Ketiy falou abraçado Gato.
-Mestre Ketiy, fique com a Cherie. – Innanna mandou se adiantando – Você vai acabar se machucando contra um anjo com laço matrimonial.
-Como assim? Innanna! – Cherie gritava.
-Mestre Ketiy, apenas me diga como posso lhe servir melhor... – Innanna murmurou também usou seus poderes, conjurou uma enorme lança negra. – Você cresceu tanto e em breve eu vou ser no mínimo inútil... Mas, ficar com você todos esses anos foi a maior alegria da minha vida... Então, mestre...
-Cala a boca sua vaca do submundo! – Eresh gritou apontando as espadas para Innanna.
-Inna! – Ketiy gritou. – Eu amo muito você!
-Eu também te amo mestre... Em outra vida, talvez eu fosse mais útil. Mas nesta, tudo que posso é lutar por você... – Innanna falou sorrindo, esticou a mão livre da lança e fechando a mão com força estalou todos os dedos. – EL!
-É ÍNUTIL!
Cherie não conseguia acompanhar, as costas de Innanna se rasgaram dando lugar a asas negras que pareciam frágeis como fios de cabelo, suas mãos viraram garras e ela se movia como uma águia tentando capturar uma presa. Mas Eresh, Eresh tinha a graça e velocidade dos anjos, duas espadas divinas enormes e apesar dela não entender, o fato de ter casado parecia a deixar mais forte. Inno puxou a mão de Cherie que apertou a mão do garoto, ouvia o tilintar das armas, cortes recem feitos, sangue que escorria, sangue que jorrava.
-Olha pra mim, Cherie... – Inno pediu. – Eu não quero que você chore de novo, você não devia ver essas coisas ruins...
-Mas a Inna...
-Ela provavelmente vai morrer... – Inno falou baixando o rosto, uma lágrima timida escorria de seus olhos.
Ele explicou para ela, a distraindo para não olhar para a luta, um casamento era um ritual, era como um pacto. Era muito mais forte que qualquer outra ligação entre um parasita e seu hospedeiro, era um poder dificil de explicar, dependia da união, dos unidos e de o que os unia. Em resumo, mesmo depois que ele bateu palmas e Gato foi ajudar Innanna, ela não tinha a menor chance, porque ela era só uma babá. Mas a verdade é que ele não podia ajudar ela, afinal muito tempo atrás ela o fez prometer, que ia deixar ela morrer por ele, antes que se tornasse inútil.
-VOLTA PRO INFERNO!
-VEM COMIGO, GALINHA LOIRA! – Innanna gritou de volta.
-Isso não vai me matar... – Eresh falou depois de ser atravessada pela lança, um filete de sangue escorreu pelo canto de seus lábios. – Diga boa noite, babá...
-Mestre...
Foi rápido, uma lâmina em cada direção e a cabeça de Innanna pendeu para trás, mas não havia sangue e nem pedaços corporais caindo, Cherie virou o rosto ao ouvir o barulho das espadas de Eresh, Inno também assistiu, enquanto Inna se tornava uma ave negra com um canto alto que ecoava pela noite e sumia nas sombras, uma ave que se dissolvia na sombra do luar. Inno Ketiy não chorou por ela, apenas sorriu acenando para as sombras, adeus a sua babá. Adeus a única que ele realmente queria ao seu lado...
-Talvez em outra vida, Inna... – ele murmurou.
-Não se preocupe, você vai se juntar a ela em breve... – Eresh falou enquanto caminhava girando suas espadas. – Muito em breve... Aquela galinha preta, não é a toa que você teve o azar de ser meu alvo, Inno Ketiy.
-A Innanna, mesmo sendo apenas um passaro... – Inno falou com um sorriso, seu dente pontiagudo para fora dos lábios – É muito melhor do que você jamais vai ser, sua sanguessuga alada. Pra mim você não passa de um parasita e vem falar da Inna?
-O bebêzinho da mamãe ta bravo? – Eresh perguntou gargalhando.
-Cherie... – Inno se virou para a humana. – Eu sei que é uma hora ruim, mas... Você quer se casar comigo?
-O que?! Você nem pode entrar numa montanha russa! – Cherie gritou chocada, tinha esquecido completamente da situação ou do que ele explicara sobre casamentos, tudo que via era um pirralho a pedindo em casamento.
-Não precisa ser agora, só aceite ser minha noiva. Por favor... – ele pediu com rosto choroso, Eresh parecia possessa e arremessou uma das espadas que Gato desviou. – Você é feia e estranha, também meio medonha e vive tentando me asfixiar ou arrancar pedaços, não é exatamente o que eu queria. Mas eu preciso de você, pela Inna...
-Você devia me elogiar pra eu aceitar e não o contrário!
-Cherie... seja minha noiva... – ele pediu em meio a lágrimas.
-VAI PRO INFERNO MALDITO! AN!
-Está bem! – Cherie gritou ao mesmo tempo que um raio explodiu.

Se você chorar eu choro..

7
-EL!
As palmas fizeram um estrondo como o de trovões, o eco fez até mesmo com que Eresh ficasse preocupada, Innanna apenas levantou o rosto mexendo debilmente uma das mãos a tempo de ver o pequeno mestre Ketiy com o lábio cortado após mordê-lo de raiva. Cherie segurava o garoto e o estrendo fez Gato pular, mas não era mais um cachorro de pelos fofos, sua cabeça partiu-se e surgiram três, as garras enormes e suas costas começaram a rasgar.
-Da onde veio isso? – Eresh perguntou alcançando vôo. – Não interessa enquanto eu voar eu... – mas ela paralisou.
-Mata essa maldita... – Inno mandou com um sorriso lacrimoso.
Gato pulou da beira do prédio, em suas costas se abriram asas negras estranhas que lembravam dedos esqueléticos presos com teias de aranha, começou a caçar o anjo como um cão caça uma raposa. Eresh parecia pela primeira vez apavorada, aquilo não era só mais um bicho veio vindo pra cima dela, era uma verdadeira besta guardião. Inno foi até Innanna, ela parecia estar muito machucada.
-Inna, vamos pra casa...
-Vão na frente, eu os alcanço... – ela falou com uma careta enquanto se sentava.
-Não! Nós vamos juntos! – Inno falou abraçando ela.
-Mestre Ketiy... – uma lágrima escorreu do rosto de Innanna. – Eu é que devia te proteger, pivete estúpido...
-O Gato está voltando... – Cherie apontou para o cão, ou o que quer que ele fosse agora, pousando desajeitadamente no telhado. –Eresh deve ter fugido.
-Ele me leva, vá com a Cherie, mestre Ketiy. – Innanna mandou.
-Está bem...
Cherie ficou insegura, mas só até lembrar que pessoas normais não viam nada daquilo, ela mesmo não via até conhecer Eresh que mexeu com seus olhos, Inno só aguentou andar metade do caminho, na outra ela o levou no colo. Apesar de tudo, ele era só uma criança, não devia ter que passar por aquele tipo de coisa, Innanna também não estava nada bem, mas parecia se recuperar aos poucos, mais tarde Cherie ia saber que foram os gritos de Inno que não a deixaram morrer.
-Ele está exausto... – Cherie murmurou deitando Inno no sofá, o Gato lambeu o rosto dele depois de voltar ao normal.
-Ele cresceu tão rápido... – Innanna comentou. – Eu nunca pensei que ele fosse ter uma besta guardiã tão rápido. Muito obrigada, Cherie.
-Pelo que?
-Todo aquele choro no hospital, foi o que deu força pra ele fazer isso. – Innana explicou se sentando, aos poucos a pele começava a voltar ao normal, os ferimentos se fechavam.
-Mas a Eresh ainda está viva...
-É...
-Ela vai voltar não vai?
-Claro, a única razão da vida dela é caçar pessoas como nós.
Cherie deixou Innanna descansar, foi tomar um banho gelado para esfriar as idéias, não entendia o porque daquilo tudo, mas a babá fazia soar tudo tão natural e comum. Enquanto a água escorria, gelada, sua pele ia se aquecendo, lembrava do sangue que escorria, escorreu naquele mesmo lugar, naquela mesma casa. Ainda podia ouvir os gritos de sua mãe, gritos que até hoje ela podia ouvir se ficasse quieta por muito tempo. Desceu as escadas enrolada na toalha, o cabelo pingando, como naquela vez.
-A mamãe ficaria orgulhosa, né? – Inno comentava alegremente, parecia bem melhor. Mamãe ficaria orgulhosa.
-Claro, mestre Ketiy. Você está crescendo muito rápido! – Innanna comentou alegre.
-Cherie! Cherie... – o garoto foi correndo chamar ela, mas parou na visão da garota de cabelos lamacentos, encharcada e com um olhar perdido. – Cherie você se machucou?
-Não, ele não me machucou... – Cherie respondeu automaticamente, continuou andando na direção da cozinha.
-Cherie...? – Inno viu que não era só água de banho, ela estava chorando, sem olhos vermelhos e sem barulho ou caretas, lágrimas silenciosas. – Que tal comermos um sanduiche? Eu corto o pão! Você sempre fica feliz depois que come...
-Não dá, a mamãe jogou fora todas as facas. – Cherie respondeu, parecia fora de si.
-Cherie...
-Mestre Ketiy, agora não, ela não está consciente. – Innana falou segurando o garoto.
-Mas ela ainda ta mexendo, Inna.
-Um dia você vai entender, Inno... – Innana levantou a mão. – Me desculpa, Cherie, mas é melhor você acabar de vez com o que quer que a deixou assim. El! – o estalo fez a casa parecer normal de novo.
Ketiy e Innanna ficaram num canto da cozinha, assistiam enquanto uma garotinha debruçada sobre a pia tentava fechar a torneira, passos pesados vinham da sala, passos que pareciam esmagar algo. Um murmurio sobre desperdicio de água e bagunça, de fato tudo parecia fora do lugar, ela estava tentando cozinhar algo. Finalmente conseguiu fechar a torneira e foi correndo até a mesa pegar o que de longe e com a vista embaçada pareceria uma refeição.
-Olha papai! Eu fiz pra mamãe! – a criança comentou sorridente.
-Sua menina má... Olha a bagunça que você fez...
-Papai...
-Você sempre foi má...
-Não eu...
-Você não devia ter nascido... – ele pegou uma das facas sobre a mesa.
-Papai...O que...
-Você não devia viver...
-PARA PAI!
Inno baixou a cabeça e fechou os olhos, sabia que era passado e não podia fazer nada, agarrado a saia de Innanna que assistia tudo de maneira distante e melancólica. O homem que arremessava a criança contra a parede lhe apertando o pescoço com uma mão e a outra erguendo a faca, existem vários tipos e motivos para o mau, mas às vezes ele é simplesmente inexplicável. Ele ia matar ela, tinha toda a intenção e a possibilidade, toda até ela puxar a faca da pia no reflexo e cravar no pescoço dele, quando a faca saiu sangue jorrou, escorreu pelas paredes, respingou no chão e tingiu a pele.
-Ahhhhhhhhhhhh! – os gritos de sua mãe só não eram maiores que suas lágrimas, sentia o gosto férreo na boca, aquele cheiro nauseante impregnando a cozinha. – AMOR! AMOR! O QUE VOCÊ FEZ SUA FILHA DO DIABO?
-Mamãe... – a faca caiu no chão. Cherie sorriu, um sorriso meio desnorteado como quem está fora da realidade – Eu fiz o lanche pra você! Assim você pode descansar!
-ASSASSINA!!! NUNCA MAIS ME CHAME DE MÃE!
-O que eu fiz de errado? – era só uma criança, que não entendia nada, nem mesmo aquele corpo gelado no chão. Era só uma criança que chorava, Inno se soltou da saia de Innanna e caminhou por cima do corpo. – O que eu fiz de errado?!
-Cherie... – a mulher ainda gritava, a criança ainda chorava para a mãe, Inno estava ali, invisivel entre as duas. Bateu palmas – El!
-Quer um sanduiche, Inno? – Cherie perguntou com uma faca na mão, chorava silenciosamente.
-Obrigado! – Ketiy agradeceu abraçando a cintura dela. – Cherie...
-O que foi, Inno? – ela perguntou se abaixando, o garoto parecia consternado.
-Obrigado por ter nascido!
-Inno... – uma nova lágrima escorreu, ao mesmo tempo que um sorriso se abria.
-Eu faço o jantar hoje... – Innanna se ofereceu indo até o armário – Que tal uma torta?
-Innanna...
-Cherie... – Inno chamou a puxando. – Se você chorar eu também choro!
-VOCÊ JÁ CHORA DE QUALQUER JEITO, POÇO DAS MÁGOAS DO INFERNO!
-Buaaaaaaaa, ela ta brigando comigo de novo!
-Heheheheh – Cherie começou a dar risada, abraçou o garotinho – Você é mesmo muito fofo, um dia ainda vou arrancar um pedaço seu.

Mais uma pausa.

Fidelidade.


-Você está me traindo? – aquela pergunta estava nos olhos dela durante todo aquele tempo, mas era a primeira vez que ela dizia em voz alta.
-Defina trair...
-Não brinca comigo!
-Eu não estou brincando... Você só está nervosa porque vamos ver seus pais amanhã.
-Você é sempre assim! Não da pra perder a cabeça de vez em quando? Gritar? Não da pra não ter uma merda de resposta pra tudo?!
-Você já faz isso por todas as pessoas da vizinhança, seria pleonasmo.
-Para de desviar de assunto e me responde! É aquela secretária, não é?
-A Amelia? Só se ela tivesse mudado de orientação sexual, você exagerou dessa vez... – a chaleira começou a apitar, mas ninguém foi tirá-la do forno, deixaram pra explodir.
-Então é aquela moça sorridente do restaurante, a que sempre te convida pra dançar!
-A que pediu pra você ligar pra ela quando estivesse solteira? Óbviamente ela me acha irresistivel. – foi sarcastico e uma risada seguiu.
-Para de rir de mim!
-Eu não consigo evitar, você fica linda com ciúmes.
-Por que você está fazendo isso comigo?!
-Você está fazendo isso com você mesma. Eu só to dormindo com outras na sua cabeça, e só na sua cabeça você é uma vitima sofredora. Mais cedo ou mais tarde você vai ter que parar de me usar pra descontar suas inseguranças, amor...
-Você sempre chega tarde...
-Por causa do trânsito...
-E aquele perfume diferente!?
-É meu... Eu te mostro o frasco se quiser...
-Eu te amo tanto, só de pensar...
-Eu também te amo, por isso eu adoraria que você confiasse em mim.
A chaleira foi salva do forno, mas a temperatura continuou alta. Toda aquela energia tinha que virar algo, se espalhar antes que algo explodisse, móveis empurrados e utensilios jogados no chão, boa hora pra janela da cozinha dar apenas para um muro. Hora de arrumar as coisas, procurar as chaves, acabar com o atraso acelerando o carro já desgastado pelo trânsito, deixando pra trás alguém temporáriamente aliviada que mais tarde com certeza acharia outra pergunta que precisaria de outra resposta. Esperando no acostamento a morena entrou sorridente no carro.
-Você demorou...
-Eu não estava achando as chaves do carro, minha casa está uma bagunça. – sim, tinha resposta pra tudo.
-Deve ser horrivel morar sem ninguém. – ela falou retocando a maquiagem ao mesmo tempo que se ajeitava no banco. – Nós podiamos dividir um apartamento...
-Ia ser maravilhoso, mas você sabe que eu tenho muito trabalho com que me preocupar agora.
-Eu sei. E por isso mesmo eu tenho uma surpresa pra você...
-Adoro surpresas.
-Eu prometo, amor, você nem vai lembrar de trabalho ou da casa bagunçada te esperando!
-Parece ótimo...

Isso vai doer mais em mim do que em voce

6
-POR QUAIS DIABOS NÓS TEMOS QUE PASSAR POR AQUI? – Innanna perguntou, não gritando porque estivesse brava, mas para ser ouvida. – Mestre Ketiy! Não se separe!
-Porque tem muitos gritos e fica no caminho... – Cherie falou segurando Gato com toda força que tinha para que não pulasse em ninguém.
-Eu também quero brincar, Inna!!! – Inno gritava saltitando enquanto passavam pela multidão que assistia a uma partida de futebol.
-NÃO PODE!
-Mas Inna!!! – o garoto começou a chorar. – Por favor!!!
-NÃO! – ela berrou o puxando pelo pulsos.
-Inna megeraaaa! – ele exclamou enquanto era arrastado, Cherie dava risada – Cherie sádicaaaa! Suas feiosas!
-CALADO CRIA DE CRUZ-CREDO! – Innanna mandou o arremessando longe, ele saiu rolando pelo chão e algumas pessoas olharam horririzadas o garotinho se levantar ajeitando a boina.
-Innanna...
-O QUE É...?!! – a outra perguntou se virando, viu a população horrorizada e sentiu um calafrio.
-Não é normal fazer isso com uma criança, você pode ir presa. – Cherie sussurrou no ouvido da outra, Inno veio pulando.
-Do que vocês estão falando?
-Nada. – Innanna respondeu dando alguns tapinhas na cabeça de Inno, como quem afaga um cachorro.
-Eu quero saber... – ele fez bico, olhou para as pessoas que cochichavam e gritavam, sobre eles e sobre o jogo. – Vocês são feias mesmo ta todo mundo olhando pra cá.
-BOCA DO INFERNO!!!
-Calma Inna!!!
Foram preciso pelo menos trinta minutos para Cherie acalmar Innanna e eles conseguirem seguir caminho, amarrou Gato num poste na entrada e levou Innanna e Inno para visitarem um hospital, com relativamente muitas pessoar chorando, algumas gritando de dor e sendo um lugar publico eles não deviam ser atacados ao mesmo tempo que ganhavam forças. Cherie aproveitou a ocasião para visitar um velho amigo que era enfermeiro no local, Inno corria de um lado para o outro, pegava carona em cadeiras de roda alheias e teve que ser arrastando por Innanna para não invadir macas que estavam sendo usadas por vitimas de acidentes de trânsito.
-Mamãe...! – uma garotinha chorava e chamava encolhida na cadeira da sala de espera.
-Calma, o médico já vai chamar... – a mulher tentava consolar.
-Mas ta doendo!
-Seu cabelo ta bagunçado. – Inno falou parado na frente da menina que chorava, era só um pouco mais velha que ele, ou pelo menos era isso que aparentava. Ela parecia que ia gritar com ele quando ele puxou a boina e colocou na cabeça dela com um sorriso – Pronto!
-Heh... – ela deu um sorriso úmido de lágrimas.
-Obrigada. – a mulher falou abraçando a filha que se acalmou.
-Inno! – Innanna chamou ajeitando os cabelos dele para cobrir as orelhas. – Não suma assim da minha vista.
-Inna, eu quero ir pra casa... – Inno Ketiy pediu baixando o rosto. – Tanta gente sofrendo me deixa triste...
-Está bem, nós vamos pra casa então... – Innana falou fazendo cafuné nele, olhou ao redor procurando Cherie – Mas onde está...
-Ali com a moça má. – Inno apontou, na entrada do hospital estava Cherie, aparentemente discutindo com Eresh.
Innanna mandou Inno se sentar numa das cadeiras de espera, o garoto foi, com rosto choroso, mas obedeceu. Quando chegou perto Eresh deu um daqueles sorrisos que irritariam até os amigos dele, se é que ela tinha algum, Cherie parecia prestes a enforcar a loira com a bandana que usava sempre na cabeça, mas não o fez. Por algum motivo Eresh tinha um anel na mão, aquilo não podia ser um bom sinal.
-Olá, babá do demônio. – Eresh cumprimentou. – Depois da nossa ultima conversa algumas coisas mudaram, quer ir conversar lá fora?
-Não. – Innanna respondeu simplesmente. – Cherie, algum problema...?
-Ela, é a nova namorada de um amigo meu! Essa mocréia sanguessuga! – Cherie comentou rangendo os dentes.
-Eu tinha que arranjar alguém mais forte, se você não fosse tão fraca isso não teria acontecido. – Eresh comentou bocejando, um homem apareceu em roupas brancas. – Oi, amor!
-Eu já falei que não precisa me buscar sempre no trabalho. – ele falou a abraçando, olhou para o lado. – Cherie! Aconteceu alguma coisa, você está bem?
-Essa sua namorada é...
-Um anjo, não sei o que eu faria sem ela. – Ele comentou – Você já conhecia, Eresh?
-Eu o ajudei a cuidar de uma senhora na rua, foi amor a primeira vista. – Eresh comentou sorridente abraçada a um braço dele.
-Mas você é idiota mesmo, seu gosto pra mulheres sempre foi péssimo... – Cherie resmungou saindo com passos pesados do hospital.
-Cherie!
-Acho que ela está num dia ruim...
Innanna aproveitou a pequena reunião para buscar Inno e o tirar do hospital, não demorou para se encontrar com Cherie e Gato na rua, o caminho de volta fora com olhares por cima dos ombros, Innanna achava aquilo tudo muito perigoso. Com os anéis combinando mesmo longe daquele cara, Eresh podia sugar a energia dele. Puxou Inno e Cherie cada um por uma mão ao sentir uma rajada de vento.
-AN!
-O que é isso? – Cherie perguntou em vão.
-El! – Innanna gritou estalando os dedos, sua lança voltou.
A paisagem ao redor deles estava derretendo, de algum jeito foram parar no telhado de algum prédio qualquer, Inno estava pendurado pela blusa na antena, Cherie caída perto da porta que levava para o prédio, Gato latia para o garoto pendurado e Innanna no heliporto com Eresh apontavam armas uma para a outra. O anjo dava risada, as espadas em punho e o anel reluzindo.
-Uma pessoa tão bondosa, vive ajudando os outros, cuidando deles... Perfeito. – Eresh comentou fazendo as espadas girarem. – An!
-Que desleal, usando seu namorado desse jeito. – Innanna comentou desviando os golpes de Eresh com a lança. – VOCÊ ME ENOJA!
-Igualmente! – Eresh respondeu cravando as espadas no chão e num salto alçou vôo. Girou as mãos – Vai pro inferno...An!
-Ahhhhhhhhhhh!
As espadas cravadas soltaram raios direto em Inna, o vestido se chamuscou por toda parte, Cherie soltou um grito ao mesmo tempo que tirava Inno da antena, o garoto chorava e gritava chamando o nome de Innanna, Eresh gargalhava. Girou as mãos mais uma vez e os choques pararam, Innanna foi ao chão, soltava fumaça, demônio bem passado. Pousou no prédio ainda sorrindo.
-Desculpa, vocês pediram mal passado?
-Inna! – Ketiy chamava em meio as lágrimas. – Inna!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Previsivel

Você torna tudo tão fácil
Que chega a ficar chato.
Sendo que tudo que eu faço,
Eu sei antes o resultado.


Você é sempre tão fácil,
Eu conheço seus comandos.
Tudo isso que eu faço,
São calculos que eu programo.


Por que eu sei exatamente,
Como você vai chorar,
Como você vai gritar,
Como você vai dizer:
Tudo que eu não devia fazer.


Você deixa tão facil,
Pra eu te fazer chorar,
Pra eu te fazer gritar,
Pra eu te fazer dizer.
Que faço o que quero com você.

PS: Os ecos de nossos gritos, choros e dizeres, se propagam no silêncio do reflexo dos olhares.

... oh well

5
-Você já está bom como novo! – Innanna comentou depois de cuidar do garoto, teve que levar Cherie até em casa, a garota não conseguia andar. – Você também vai ficar bem logo, Cherie. Só precisa descansar...
-O que vocês fizeram comigo...? – Cherie perguntou deitada no sofá.
-Eresh usou você como uma fonte ou instrumento, era como um parasita sugando suas energias e utilizando seu corpo para lutar contra nós demônios. – Innanna explicou. – Dessa forma você recebe boa parte da dor e os poderes dela aumentam.
-Mas ela é um anjo! – Cherie gritou depois se encolheu de dor.
-E o que você esperava que anjos fizessem? – Innanna perguntou incrédula.
-A Cherie nos odeiaaaa! – Inno resmungou começando a chorar. – Ela queria nos matar!
-Eu... – Cherie começou a falar se sentando – não odeio vocês... Mas...
-Você foi enganada por Eresh, eu te desculpo. – Innanna falou ao mesmo tempo que fazia cafuné em Inno Ketiy – Mas você nos deve uma depois de quase nos matar daquele jeito!
-O que eram aquelas coisas que vocês ficavam falando? – Cherie perguntou.
-São palavras de poder, elas são chaves para o uso de nossos poderes. – Innanna explicou.
-Se Eresh suga o poder das pessoas, da onde vem...
-Nossos poderes? – Innanna completou a pergunta.
-Os meus vem do choro! – Inno Ketiy falou sorridente pulando no sofá ao lado de Cherie, enxugou as lágrimas de tanto choramingar o dia inteiro.
-Que horrivel!
-É daí que começou toda essa confusão de que nós somos maus. – Innanna falou cruzando os braços. – Mas não é horrivel não! Toda vez que o mestre Ketiy vê alguém chorando ele pode transformar aquelas lágrimas em força, muitas vezes isso faz o choro parar. Existem demônios que o fazem com dor, raiva, entre outras coisas ruins!
-Mas pra isso vocês não tem que fazer as pessoas sentirem dor, raiva ou chorarem? – Cherie perguntou analisando o garotinho sorridente, mesmo sendo um demônio, ele era muito fofinho e alegre.
-Claro que não! As pessoas já fazem isso naturalmente e nós mesmos também contamos, sabia? Toda vez que o mestre Ketiy choraminga desse jeito, ele está armazenando energia para usar. Por isso que ele é tão chorão e irritante...
-Entendi. – Cherie falou abraçando Inno – Me desculpem...
-Cherie... – o garotinho murmurou sendo abraçado. – Cherie? Cherie! – ele começou a ficar sem ar de tanto que ela o apertava.
-PARA DE SUFOCAR ELE! – Innanna gritou e Cherie o soltou.
-Hehe... Me desculpe.
-Você é muito perigosa. – Innanna murmurou com um rosto desconfiado. – Eresh não pode entrar aqui já que o mestre Ketiy transformou o lugar em seu covil, é melhor descansarmos um pouco.
Innanna falou se afastando, quando virou de costas Cherie pode ver as bandagens de onde as espadas a cortaram, sentiu um bolo de remorso se revirando dentro de sua barriga. Olhou para Gato, desde o começo o cachorro cuidara dos visitantes só ela que tinha se enganado, deitou Inno deitar no sofá e foi até a cozinha fazer algo para comer. Mas nem sabia se eles comiam, o que eles comiam? Gente? Animais crus?
-Sabe, é muito dificil ser um demônio... – Innanna murmurou pegando um copo de água.
-Eu acho que vocês foram injustiçados com o passar dos anos, por causa de um mal entendido... Eu sinto muito... – Cherie falou fritando alguns ovos – Posso perguntar algo, Innanna?
-Pergunte.
-O que vocês querem? – era uma pergunta simples.
-Os pais de Inno, são muito fortes e importantes, então... Para que ele seja reconhecido como o herdeiro ele tem que provar que também é forte e pode ser importante. Eu estou aqui para ajudá-lo a conseguir isso.
-E como vocês vão fazer isso? – Cherie perguntou procurando o sal.
-Bem, primeiro ele precisa fazer uma fortaleza. Como você pode ver escolhemos sua casa, mas por enquanto é só um covil onde ele pode se esconder de pessoas e anjos mais fracos.
-Mas esse lugar parece tão medonho... – Cherie falou sentindo calafrios quando viu que o armário parecia uma boca enorme que iria lhe engolir.
-Se ele ficar mais forte, então ele poderia fazer um lugar melhor. Mas por enquanto isso ainda é um castelo de areia, a primeira onda forte o destruiria por completo.
-Você disse, primeiro...e o que mais ele tem que fazer?
-Ele precisa de um familiar, uma besta guardiã forte o bastante para ajudá-lo em batalhas e protegê-lo! – Innanna falou e Cherie lembrou de Gato pulando encima de Eresh. – É, o Gato eventualmente vai se tornar o guardião, mas por enquanto é só um bichinho de estimação. E tem também o terceiro requisito... Quando ele completar os três, então...
-Innanna... – Cherie murmurou tirando os ovos do fogão, a babá do demônio começara a chorar. – O que foi? Seus ferimentos estão doendo...
-Quando ele completar os três, mestre Ketiy não vai mais precisar de mim...
-Mas você é a babá dele, mesmo depois que ele crescer...
-Você não entende. – Innanna falou enxugando as lágrimas. – Mas obrigada pela simpatia, Cherie. E pela casa... E pelo Gato.
-Innanna... Você apesar dos gritos, gosta muito do Inno, não é?
-Ele é a pessoa mais importante pra mim. – ela respondeu sorrindo – Eu cuido dele desde que nasceu!
-A Eresh provavelmente vai voltar para matá-lo de novo, não é? – Cherie comentou procurando pão nos armários.
-Sim e mais forte. – Innanna comentou ficando séria.
-Então, vocês também tem que ficar mais fortes, não é?
-É assim que funciona. – Innanna comentou estranhando o rosto da outra.
-Já sei aonde nós vamos, assim que vocês se recuperarem! – a outra comentou sorridente batendo uma mão na outra. – E você, Innanna, da onde tira seus poderes?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Um anjo

4
-Então ela não vai reparar? – Inno Ketiy ainda não tinha entendido direito.
-Não, ela é so uma humana, então ela ainda vai ver a casa dela como era antes, apenas nós podemos ver o que você fez. – Innanna explicou, depois de três dias já era hora de acordar Cherie, antes que ela mofasse. – Pronto? Tente você..
-Está bem... – ele ficou encarando a garota desmaiada, bateu palmas. – EL!
-Nhaaa! – Cherie gritou levantando num pulo. – O que... O que aconteceu?
-Cherie! Você bateu a cabeça tentando pegar o Inno, você está bem? – Inna perguntou mentindo descaradamente.
-Estou, me desculpa Inno, eu tenho um fraco por crianças... – Cherie falou mexendo nos cabelos, estavam sujos. – Eu... acho que vou tomar um banho... – estava meio desnorteada, andava cambalendo.
-Tem certeza que você está bem? – Innanna insistiu.
-Claro... Claro... – ela tropeçou no cachorro. – GATO!
-Eu acho que humanos não deviam dormir mais de dois dias, Inna...
-É mesmo, Inno... – Innana balançou a cabeça tentando parar de pensar aquilo – Que tal irmos explorar? Estamos aqui faz três dias...
-Ebaaaaa! – Inno falou saindo correndo pela porta.
Innanna deixou um bilhete para Cherie na mesa de centro, talvez o mestre Ketiy tivesse que respirar um pouco de ar puro, enterrou a boina na cabeça dele para o sol não machucar seus olhos e ela própria conjurou um óculos escuro. Enquanto passavam pela esquina, Inno saltitando com suas molas e ela andando calmamente atrás dele cruzaram com uma garota de caichos loiros e olhos cor de mel, Innana sentiu algo estranho então ficou mais perto de Inno dali em diante. Cherie saiu do banho como nova, parecia finalmente ter acordado, viu o bilhete de: levei Inno para dar uma volta, obrigada por tudo.
-O que você acha, Gato? – ela perguntou para o são bernardo que latiu – É, eles vão se perder de novo. Vamos..
-Au au! – o cachorro a seguiu conforme ela o prendeu na coleira.
-Aonde será que eles foram... – Cherie murmurou puxando Gato pela calçada.
-Senhorita!
-Você está perdida? – Cherie perguntou para uma garota loira que chegou correndo em sua direção, tinha caichos perfeitos e olhos reluzentes.
-Bem, não... – a garota falou arrumando a saia branca que usava.
-Então com licença... – Cherie falou se virando – Vem, Gato!
-Espere! Você está correndo perigo! – a garota falou puxando Cherie pelo braço. – Você não deve ir atrás deles!
-Quem é você?
-Eresh, Eresh Kigal. – a garota se apresentou, não soltava a mão da outra nem por decreto ou com os puxões de Cherie e Gato. – Você não deve ir procurá-los e também não pode voltar para casa... Eles, a garota Innanna e a criança Inno Ketiy, são demônios.
-Muito engraçado. – Cherie falou bocejando – Só isso moça?
-Você não acredita em mim?
-Por que eu acreditaria numa maluca que vem me agarrar no meio da rua?
-Eu vou te mostrar! – Eresh gritou. Ela apontou com um dos dedos indicadores para o céu e o girou. – An!
-Ahn?
-Olhe... – Eresh apontou para a casa de Cherie.
Era sem dúvida diferente de tudo que ela já vira, parecia saído de algum filme de terror misturado com uma daquelas pinturas abstratas, a casa se tornara uma mansão assombrada de cores escuras, janelas tortas e essas sombras estranhas se moviam pelas paredes e pelo telhado como se fossem parasitas a procura de um hospedeiro. Cherie apertou a coleira com força sentindo um estranho calafrio na espinha, todo o resto da vizinhança estava normal, só sua casa. Lembrou de acordar no sofá, o que tinha acontecido?
-Que diabos...?
-Innanna e Inno Ketiy. – Eresh respondeu jogando os cabelos loiros com um sorriso, soltou a mão de Cherie, ela não ia mais fugir – Entendeu agora?
-Aquelas pestes o que fizeram com a minha casa! – Cherie gritou e foi andando puxando Gato – Eles me pagam!
-Ei! Me escuta você não tem chance contra eles! – Eresh falou correndo atrás de Cherie, ela devia estar apavorada e não irritada. – Eu posso te ajudar...
-A é?
-Eu posso fazer sua casa voltar ao normal.
-E por que você faria isso?
-Porque eu sou um anjo. – Eresh falou sorridente, um par de asas brancas apareceram nas costas dela. – O que acha?
-Pode ser, mas primeiro eu tenho que achar eles...
-Deixa isso comigo. – Eresh falou girando as mãos – An!
Cherie sentiu nauseas, não sabia como, mas tinha ido parar de volta no parque, Innanna e Inno tomavam sorvete sentados num banco, ambos sorriam. Agora ela via, os dentes pontiagudos dos dois, as orelhas afiadas de Innanna. Agora ela podia ver tudo, até mesmo as orelhas de Inno escondidas pela boina. Gato se soltou dela e saiu correndo, foi pular em cima de Innanna e lhe roubar o sorvete a babando inteira, de novo.
-Aaaaa! Sai de mim, Gato! Seu monstro! – ela gritava sob as risadas de Inno que assistia a cena. – NÃO OUSE RIR DE MIM, MESTRE KETIY!
-O Gato gosta deles... – Cherie murmurou, quão ruins eles podiam ser?
-Animais são irracionais, deixe eles comigo... – Eresh murmurou se afastando girando as mãos. – An! Chegou o dia de sua morte, demônio.
-Inna... Uma mulher estranha está aqui... – Inno murmurou vendo a loira, as roupas brancas com detalhes dourados, uma espada em cada uma das mãos, asas de pomba.
-Fiquem quietos e eu prometo matar vocês rápido! – Eresh falou sorrindo quando saltava para frente.
-El! – Innanna gritou, uma enorme lança negra apareceu em sua mão, barrou as duas espadas de Eresh ficando entre ela e Inno. – Mestre Ketiy, você ainda não consegue lidar com ela, vá se esconder...
-Mas, Inna!
-Agora! – Innanna gritou empurrando Eresh para trás, estalou os dedos – El!
-Maldita! – Eresh saiu voando para escapar de espinhos que brotaram do chão tentando agarrá-la. Girou as espadas no ar. – Você não vai fugir de mim, pirralho diabólico! AN!
-INNA! – uma das arvores criou vida e começou a tentar bater em Inno Ketiy com seus galhos, o garotinho começou a pular de um lado para o outro tentando escapar, Gato também estava numa situação perigosa, ficava latindo para a árvore.
-Mestre Ketiy!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Pausa, para: Dormência

Anestesie seus pesares, amigo
Pois tanta preocupação não leva
Nem nunca vai levar a nada.
Relaxe seus nervos e me leva.


Me leva aonde eu queria estar,
Só para de lá eu poder fugir.
E com o gelo da despedida,
Adormeça seu coração, sim?


E que nesse estado, mea culpa,
Eu possa olhar pra trás
Sem ver você sofrer por mim.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Imóvel confiscado

3
-Ele é tão...tão...
-É só um garotinho comum! Não há nada de demôniaco ou suspeito nele! – Innanna falava tentando manter Cherie afastava, era o dia seguinte e Inno dormia deitado encima de Gato.
-TÃO FOFO! – Cherie falou pulando por cima de Inna – Deixa eu arrancar só um pedacinho pra mim!!!
-Nããããooo! – Inna falou agarrando desesperadamente a outra, tinha que defender mestre Ketiy custasse o que custasse!
-Fofo!!!
De fato Inno Ketiy não podia ser definido como outra coisa, a imagem da inocência dormindo tranquilamente do lado do cachorro, com os pequenos dentes afiados por cima do lábio inferior e os cabelos negros bagunçados com a boina quase saindo de sua cabeça. Cherie só tinha uma fraqueza nesse mundo, coisas fofas, não podia evitar! Adorava borboletas, filhotinhos, ursos de pelucia, criancinhas e tudo o mais, morria de vontade de arrancar um pedaço pra si toda vez que via algo fofo! Como estava escuro aquele tempo todo, só agora ela tinha notado.
-Inna, que horas são...? – Inno perguntou esfregando os olhos.
-NHAAAAAAAAAAAA! – Cherie num impulso se soltou de Inna e pulou encima de Inno que no sustou deu um grito. – Tão lindinho!!!
-Você vai me sufocaaar! Socorro, Innanna! – Inno gritou sendo espremido pela anfitriã.
-EL! – Innanna gritou estalando os dedos, Cherie desmaiou na hora. – Que humana mais perigosa.
-VOCÊ MATOU ELAAAAA! – Inno gritou começando a cachoalhar Cherie. – Cherie! Cherie! Acorda! Você é feia, mas é a minha primeira humanaaa!
-QUIETO! – Innanna gritou – Eu só fiz ela dormir, mestre Ketiy. Não esqueça que a sua segurança vem em primeiro lugar para mim. Nós já temos uma casa, uma humana e um animal, podemos começar seu treinamento!
-Mas a Cherie...
-Nós acordamos ela depois. Passo número Um, criar um Covil! – Innanna falou apontando para Inno – Você tem que usar sua magia mestre Ketiy, para transformar esse lugar numa fortaleza onde você vai poder se refugiar se preciso e descansar todos os dias.
-E como eu faço isso, Inna?
-Inno! VOCÊ NÃO ME ESCUTA NUNCA SEU SURDO DOS INFERNOS!?
-Não briga comigoooo! – o garotinho choramingou.
-Primeiro você tem que fazer seu simbolo na porta da casa, na parte interior e depois na frente dele chamar a palavra do poder e evocar seus poderes!
-Qual é meu simbolo?
-Você tem que inventar um, mas tem que ser algo diferente de todos os outros. – Inna explicou, lembrava quando era uma criança e passou por aquilo tudo.
Inno Ketiy pulou o corpo desmaiado no chão de Cherie que o Gato começou a lamber, foi direto para a porta e bateu palmas, ao falar El um giz branco apareceu em suas mãos, ficou encarando a porta de madeira. Um simbolo diferente de todos os outros, talvez pudesse usar tudo que gostava. Ia colocar uma espiral por causa das molas do seu sapato de pula pula, mas ia fazer dois dentes pontudos nela, assim como orelhas e por fim, no centro da espiral colocaria suas iniciais: IK. Quando acabou de desenhar tinha mais giz nele mesmo do que na porta.
-Muito bem, mestre Ketiy, agora...
-Dormir! – ele gritou se jogando no chão.
-O QUE?
-Eu estou exausto... – o garotinho falou se arrastando pelo chão.
-VOCÊ SÓ FEZ UM DESENHO!
-É muito trabalho, minhas mãos estão doendo! Meus dedos vão cair e eu vou contar pro papai que é tudo culpa da Inna! – o pivete chorou fazendo bico.
-Você está, me ameaçando...? – o tique do olho dela voltou. – TOMA ISSO CRIA PUTRIDA!
-AAAAAAAAAAHHH! SEM PALMADAS! AAAAHHH!
-Cem palmadas? Está bem, mas eu ia dar só 50! – Inna falou gargalhando.
-NÃO INNA!!!
Ele esperneou por algum tempo, mas depois ficou parado, ela não chegou a dar cem palmadas nele, apenas falou com ele apertando a barra de sua saia, lágrimas nos olhos, mas não era de dor, ela sabia disso. O deixou se aninhar no seu colo e brincar com seus cabelos, afinal era só uma criança que se sentia cansada e triste, mas ela ia estar ali como sempre esteve. Nunca ia deixar o Mestre Ketiy.
-Quando nós vamos poder voltar para casa, Inna?
-Só quando você dominar e despertar todo seu poder, mestre Ketiy. – ela respondeu o colocando de volta no chão. – Por isso que você tem que fazer dessa a sua casa.
-Mas essa não é minha é da Cherie.
-NÓS ACABAMOS DE ROUBAR DELA, NÃO DISCUTA COMIGO!
-Inna...! – ele começou a choramingar de novo, ela fez cafuné nele.
-Pronto, pronto... É dificil no começo, mas vai ficar tudo bem, Inno.
-Promete?
-Claro, afinal você tem a melhor acompanhante e segurança do mundo. – ela falou apontando pra si mesma.
-Mentirosa... – o molequinho falou voltando a se virar para a porta.
-SEU...!
-Casa... – ele murmurou e ela não teve coragem de voltar a brigar com ele. Inno fechou os olhos e bateu palmas duas vezes. – EL!
O desenho brilhou, o chão se tornou escuro, assim como as paredes mudaram para tons sombrios, os móveis se tornaram todos e tudo mais na casa lembrava algum tipo de visão através de um vidro embaçado ou quebrado. Parecia mais com o que ele estava acostumado, alguns laços prendiam as cortinas, as almofadas eram em forma de rostos de animais e havia tipos estranhos de brinquedo pra todo o lado. Inno deu risada se jogando no novissimo sofá pula-pula que aparecera no lugar do antigo, se sentia mais a vontade agora.
-Innanna!
-Muito bem, mestre Ketiy... – Innanna falou olhando a nova sala.
-Acabado! – ele gritou esticando os braços.
-Não, você só fez essa sala. E apesar de até que ficou bonitinho as paredes continuam finas e qualquer demônio de baixa classe pode invadir esse lugar. Você vai ter que repetir isso pelo menos mais umas 10 vezes até esse lugar ficar num nível mínimo de habitação!
-O queee? Mas eu gastei toda minha energia!
-NÃO OUSE CHORAMINGAR PIVETE MALDITO!

O Gato

2
-Inna... Essa coisa é... – Inno Ketiy murmurou a apertando.
-Shhh. Não faça movimentos bruscos. – Inna recomendou pedindo silêncio ao pivete.
-Ela vai atacar? – ele perguntou murmurando próximo ao ouvido dela.
-SEU IDIOTA! VOCÊ NÃO DEVIA TER MEDO DE UMA GAROTA DESSE JEITO!
-Não briga comigo, Inna! – ele começou a choramingar com lágrimas nos olhos.
-Vocês estão perdidos?
-Humn...?
Humanos emitirem sons era esperado, mas falarem a mesma lingua e de maneira tão natural como se não fosse nada ela estar estrangulando o pivete foi surpreendente! Innanna soltou Inno Ketiy que caiu no chão com um estrondo, aquela humana não era normal, ia ter que tomar cuidado com ela, mesmo naquela noite de brisa suave, no entanto fria, usava apenas um short curto e uma blusinha regada, carregava uma lanterna na mão direita e com a esquerda arrumava uma bandana em sua cabeça.
-Eu perguntei se estão perdidos... – a garota insistiu apontando a lanterna para Inno que começou a berrar e se escondeu atrás de Innanna – Mas eim...
-Por favor, senhorita, vire essa luz para lá. – Innanna pediu colocando a mão na frente dos olhos, a luz intensa machucava os olhos deles. – Nós estamos perdidos, sim. Você assustou meu irmãozinho, hehehe...
-Você não é minha irmã! – Inno gritou indignado, a irmã dele dava de mil a zero em Innanna há qualquer momento.
-AMEBA INFERNAL FICA QUIETO!
-Hehehehehe. Vocês parecem se dar muito bem... – a garota da lanterna comentou.
-Qual o problema dessa garota? – Inno perguntou ainda escondido atrás de Inna.
-Sadismo, mestre Ketiy, sadismo... – Innanna comentou sentindo calafrios, humanos eram assustadores.
-Eu estava procurando o Gato, mas se quiserem eu os ajudo a achar a casa de vocês. Meu nome é Cherie.
-Muito obrigada, mas nós não temos uma casa... – Innanna fallou acenando com as duas mãos.
-Vocês precisam de um lugar pra passar a noite?
-Você está nos oferecendo um lugar?
-Nãããããoooo! Suspeito, Inna! Suspeito! – Inno Ketiy falou puxando o vestido de Innanna desesperadamente, aquela garota era muito assustadora, provavelmente ia devorar eles enquanto dormiam.
-Que criança energética.. – Cherie comentou dando as costas para os dois – Como quiserem.
-Espera! Por favor... Adorariamos ajuda, se não for incomodar. – Innanna comentou sorrindo, tampou a boca de Inno e o carregou. – Mas você não tem medo de abrigar estranhos assim?
-Não, mesmo que vocês sejam pessoas terriveis ou algum tipo de demonio encarnado...
-Demônios! Hahahaha! Onde já se viu, demônios! – Innanna comentou quase esmagando Inno no nervosismo.
-A verdade é que... – Cherie se virou com um sorriso – Eu provavelmente sou pior!
-Hmn...huuunmnum! hunhuna!! – Inno resmungava.
O que ele realmente queria dizer era: eu tenho medo dela, Inna!!! Mas a verdade era que a própria Innanna ficou com medo, aquela garota realmente acreditava no que dizia. Mas ainda assim, isso já solucionava duas, das três coisas que eles tinham que achar antes do treino de Ketiy começar: casa, um humano e... Eles precisavam de um animal guardião. Pensando bem, ela falou de um gato, talvez pudessem usar o bichano, afinal gatos são os guardiões dos mortes e tem poderes magnificos e...
-AAAAAAAAAAAAAAAHHH!
-INNA!!!
-UM MONSTRO!!! – Innanna gritava.
-Sai Gato! Sai! – Cherie falou puxando o enorme são bernardo com muita dificuldade, bateu nele umas três vezes com a lanterna antes de conseguir tirá-lo de cima de Innanna, toda babada. – Desculpe, ele gosta de brincar.
-Isso não é um gato! – Inno apontou para o cachorro gigante.
-Mas esse é o nome que eu dei pra ele, Gato. – Cherie explicou, o cachorro podia esmagar qualquer um ali facilmente, era enorme.
-Que nojo!!! – Innanna falou tentando tirar a baba das lambidas de sua cara. – CRIATURA DAS SOMBRAS EU VOU ME VINGAR!
-Que exagero, ele só é um babão que brinca demais... – Cherie falou fazendo carinho no cachorro.
-Ele não vai nos devorar? – Inno perguntou.
-Claro que não, quer faze carinho? Ele não morde...
-Gato...
Era a primeira vez que ele via um cachorro, não era como os mascotes que ele tinha da onde ele veio, lá todos tinham chifres, ou ferrões ou escamas, esticou a mão com medo e fechou um dos olhos. Aquele bicho era estranho, era macio sob suas mãos, era... fofinho. Aquilo era muito, muito estranho! Mas de alguma forma ficou amigo do animal, podia até montar encima dele, afinal ele era enorme e Inno, bem, Inno era só um pivetinho. Acabou dormindo naquele pêlo fofo.
-Então seu nome é Inna?
-Innanna, eu sou a babá do mestre Ketiy.
-Mestre?
-Inno Ketiy, ele é de uma familia muito importante! – Innanna explicou enquanto saíam do parque. – Se não se incomoda com a pergunta, você não é religiosa, é?
-Não, nem um pouco. – Cherie falou desligando a lanterna, dali em diante havia iluminação publica.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Demo-kun *-*

1

Toin... Toin... Toin... Toin. Toin. Toin. Toin! Assim como toda criança uma vez que você começa a experimentar um brinquedo novo você o leva para todos os lados, sapatos com molas que imitam um pula pula não seriam diferentes. Os cabelos negros lisos quase nos ombros respeitavam o movimento, pra cima e pra baixo pela calçada saltitando distraidamente sem destido, os olhos cinzas brilhavam alegremente emoldurados na face bochechuda e sorridente da criança.
-Inno! – uma voz chamou correndo atrás dele – Mestre Kentiy, volta aqui!
-Vem me pegar, Inna! – o garotinho respondeu dando uma mortal e saltitando ainda mais rápido para longe, parecia uma pulga – Inna, não me alcança!
-Já falei pra me chamar de Innanna seu demônio!!!
Ela apenas apontou um dedo para ele, um dedo de seu corpo pálido de cabelos negros longos e olhos cinzentos, recebera a tarefa de cuidar dele naquele lugar caótico e iria fazê-lo nem que pra isso tivesse lhe parti-lo em dois! Inno Kentiy saiu voando e caiu de costas numa pilha de folhas que alguém tinha juntado no meio do parque, aquela criança terrivel, não parava sequer um segundo! Era culpa dela, nunca conseguira por qualquer limite ou regras no pirralho.
-Isso doeu, Inna! – o muleque resmungou esfregando as costas, depois deu um sorriso perverso. – Agora eu vou devorar seu coração como vingança!!!
-Quieto! – Innanna falou batendo com apenas um dedo na testa dele e ele saiu voando. A garota sorriu colocando os cabelos atrás da orelha pontuda. – É cem anos cedo demais pra você me ameaçar, Inno pirralho Kentiy!
-Não vale, Innanna! - ele gritou se levantando num pulo.
-Você está aqui pra aprender a usar seus poderes, pelo menos esconda suas orelhas e presas, mestre Kentiy!
-Orelhas... – ele levou as mãos até as pontas das orelhas, sempre foram assim, o que tinha demais? – O que tem elas? Elas estão normais!
-Você já esqueceu o que eu te ensinei capetinha maldito? – Inna perguntou soltando baforadas de fogo, figuradas, mas podiam ser literais. – Humanos não tem orelhas pontudas! Nem dentes afiados! E você tem que se fingir de humano.
-Certo, certo... – ele falou juntando as duas mãos, bateu palma duas vezes – EL! – e surgiu uma boina em sua mão, colocou na cabeça e deu um sorrisinho esperto.
-É...só isso que você pode fazer? – ela perguntou, um tique automatico começou em seu olho esquerdo, ficara tão empolgada achando que ele ia mudar de aparencia e ele conjurava um chapéu!
-Ué, esconde as minhas orelhas! – o menino falou dando uma voltinha com o novo acessório.
-Crianças... – ela resmungou o puxando pelo colarinho.
-Hey! Me solta, Inna! Você ta brava, mas ainda está com as orelhas pontudas!
-QUIETO PROJETO DE CAPETA! – ela falou o arremessando, estalou os dedos – El!
Inno Ketiy depois de se levantar, com os olhos lacrimosos por ser arremessado e acertar em cheio uma árvore se levantou para olhar a babá e sua segurança pessoal. Innanna sempre fora uma demônio bonita, as orelhas longas no cabelo negro sedoso, os lindos olhos cinzas num rosto afiado que podia lhe xingar com mil caretas e as roupas sempre rasgadas aqui e ali. Mas agora, ela estava com dentes comuns, no lugar dos que lhe mordiam a cabeça e falava que já que ele não usava ia devorar seu cérebro, orelhas de ponta arredondada, a pele estava menos pálida e usava um vestido de renda. Ela deu uma volta com um sorriso juntando as mãos.
-Isso sim é mágia, Inno!
-Você ficou horrivel!!! – o menino gritou ao ponto das lágrimas. – Baranga! Baranga! Baranga!
-QUEM VOCÊ ESTÁ CHAMANDO DE BARANGA LOMBRIGA DO INFERNO!? – ela quase lhe arrancou a cabeça o chacoalhando pelo pescoço.
-Inna!!!
-Está bem, eu sei que minha forma original é melhor e você está costumado com ela. – Innanna falou fazendo carinho na cabeça dele, arrumou a boina cobrindo a ponta das orelhas. – Mas enquanto nós estivermos aqui temos que parecer pessoas normais, entendeu? É parte importante do seu treinamento, mestre Ketiy.
-Mas eu gosto dos meus dentes... – ele falou enxugando as lágrimas.
-Eu acho que por enquanto tudo bem, afinal você é só uma criança. – ela falou se levantando e olhando ao redor no parque, estava completamente deserto àquela hora da noite. – Precisamos de um lugar para ficar.
-Mas, Inna... – o menino falou puxando a saia do vestido dela, parecia apavorado. – E se os humanos tentarem nos exorcisar enquanto a gente dorme?
-Isso seria um problema... – Innanna falou séria mordendo a ponta do polegar.
-Você sabe como é horrivel! – Inno falou correndo em circulos ao redor dela.
-É, eu sei mestre Ketiy. Faz cócegas horriveis ser exorcizado! – Ela falou o abraçando – Mas eu vou te proteger, Inno!
-Inna!
Foi um jeito estranho das coisas se desenrolarem, encontrar um humano era só o terceiro de sua lista de prioridades, mas acabara chegando antes do número um que era achar um lugar para descansar e se esconder quando preciso. Abraçado a Inna ele nunca ia esquecer, quando no meio da escuridão aquela figura de cabelos lamacentos, orelhas redondas e dentes que não cortariam nada, era uma humana os encarando. Apertou Inna forte, sentia que aqueles olhos eram perigosos, olhos de madeira como crucificos usados por exorcistas!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Compreensão

Você ainda pode se lembrar?
Dos discursos intermináveis,
Meus e seus, tentando explicar
O nosso próprio jeito de pensar.


Páginas inteiras, tinta seca,
Tentando expressar ao eco
Do outro lado do espelho.
Nada chegava concreto.


Inexplicavel, então a oratória
Se torna vã e dispensável.
Criam-se recursos, idéia provisória,
Se expressar o inexpressável.


Pequenas frases de brincadeira,
Citações sérias ou casuais.
E então na simplicidades,
Entendem-se os des/iguais.


As frases vão se encurtando,
Pequenas palavras as puxam.
Logo se sabe o resto, através
Da evocação de um verbo, senão...


Senão com frases nos calamos,
E dos discursos a elas, delas a palavra.
Da palavra decompõe-se os sons,
Torna-se silêncio cobrindo a sala.


E então no silêncio, sem nada pra expressar,
Encontra-se a ferramenta final da compressão
O reflexo... Seu reflexo... Meu olhar.

Descanse em paz

Na terra dos condenados, ninguém é inocente. Acima do prédio abandonado eu podia ver aqueles olhos vermelhos, de lágrimas que nunca caíam, olhos acompanhados de um sorriso para as chamas, era impossivel repelir a imagem do anjo da morte rindo dos corpos empilhados. Não há mais sangue nas minhas mãos, ninguém mais vê isso como sangue, apenas como água suja depois de tentar lavar nossa alma. Na terra dos condenados ninguém é inocente, ao mesmo tempo que eles matam tantos de nós quanto podes, nós retribuimos a gentileza.
-Irmão...
-Já está escurecendo você devia ir dormir... – ele respondeu sentado na beira do telhado, as vezes ela achava que ele ia se jogar.
-Eu não estou cansada.
-Três dias sem dormir. – ele falou levantando três dedos. – Já está bom, descanse...
-E você...?
Sentou do lado dele, os dois tinha a expressão surrada da vida. Quando foi que aquele lugar se tornou tão doloroso e sangrento? O único silêncio era quando todos estavam mortos, então eles podiam sentar no telhado e apreciar a brisa do fim do dia, trazia o cheiro de sangue, mas pelo menos consolava o calor da ira. Ele a abraçou, não podia sequer protegê-la, se pudesse já a teria mandado pra bem longe, talvez outro mundo... Desde que fosse diferente.
-Me desculpa, irmão...
-Pelo o que?
-Eu sou fraca, eu acho que... Dá próxima nós vamos morrer... – ela murmurou vendo luzes no horizonte, fários que corriam na direção deles.
-Com certeza, dessa vez não tem jeito.
-Irmão...
-O que?
-Descansa comigo?
-Está bem, mas essa é a última vez...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Perda de tempo

Vamos fazer um jogo, só pra passar o tempo. Me diga o que eu estou pensando, eu também farei o mesmo, depois a gente inventa onde tudo vai parar, o que vai acontecer e que tipo de pessoa algum dia nós vamos virar.
-Você está pensando em mim...
-Muito vago, tenta de novo.
-Você está pensando que eu devia tomar mais cuidado.
-Talvez eu é que deva me cuidar...
-O que eu estou pensando?
É uma pergunta dificil, porque eu não consigo separar o que eu acho que você pensa, do que eu queria que você pensasse. Aí o silêncio reina, enquanto eu finjo que penso numa resposta, contando os pingos de chuva na janela, sabendo que mais cedo ela vai parar e quando a chuva parar... Você vai embora, porque é essa chuva que o prende comigo.
-Está pensando em música.
-Muito vago, tenta de novo...
-Está pensando que quer fazer uma música, nova e melhor do que já conhece... Uma música que não fale de amor, nem da chuva, nem do passado...
-Que fale de que?
-Vai ver fale de brincadeiras bobas...
-Talvez fale de passa tempos...
-Talvez fale da falta....
-Falta?
-De chuva, de amor e de passado... Uma música bem seca, como um velho rabugento.
E aí vem o silêncio de novo, e as dúvidas se aquilo daria certo. Sem nem saber se aquilo era a música ou a brincadeira boba. A água arrasta o tempo, assim como pessoas se arrastam na enchente, sendo levadas, puxadas, empurradas. Os primeiros raios teimosos de sol começam a furar as nuvens, a luz machuca os olhos, é mais fácil sonhar no escuro.
-No que está pensando?
-Em você...
-O que tem eu?
-Nada não. Me passa o papel e pega seu violão....
-Vamos compor?
-Não dessa vez...
Não dessa vez, o papel é pra tingir de tinta, já que ela corre mais fácil que lágrimas. E o violão é pra quebrar o silêncio que faz mergulhar nas especulações, que faz olhar para os pingos da chuva e os raios do sol. Mais tarde irá dormir com o violão no colo e a cabeça encostada no sofá, a chuva vai ter passado e até o sol vai sumir dando lugar para o escuro, é mais fácil sonhar no escuro. Encima da mesa fica minha despedida versada, que não fala nem de amor, nem da chuva e muito menos do passado. Só um convite: se um dia tiver que perder tempo, esperando alguma coisa passar, pode vir perder tempo comigo.

PS.: Eu te...

Miyu e Shouei

Entre as dobras do kimono,
Presa por dedos esguios,
Katana antiga e guardada.
Herança de tempos frios.

Sob os golpes da lâmina,
Sob as pancadas do bambu.
Crescem os olhos na distância,
Vê-se os cabelos de Miyu.

Contemplas o jardim, sakuras,
As carpas no riacho brincam.
O sol poente no monte, anuncia,
Os dias aos poucos minguam.

Shouei corre o campo, descalço,
Buscando sua mais bela visão.
A dama em kimono bordado
Em azul celeste e katana na mão.

O invasor é recebido na guarda,
Da lâmina antiga que o pai afiou.
O sangue que escorre, sorriso traçado,
Um corte no rosto que a contemplou.

Perdão a dama, pela invasão e susto.
Sinal de respeito e curva-se o jovem.
Tirando das mãos a lotus, oferece,
Manchada de sangue um totem.

Cristal de Fogo

Chamas congeladas que amortecem,
Chamas que não queimam, adormecem.
Chamas azuis, cristais de neve.

De cada floco uma faísca,
De cada frio o pelo eriça.
Queimar, consumir-se,
No gelo que se derrete.

Seu corpo é tão frio,
Seu toque insensivel.
Num sopro ofegante,
Respiração morna da vida.

Vai se no último fôlego,
Uma luz final da chama.
Que congela em seu corpo,
Cristais que ardem quando ama.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Inocência de Aluguel

Guitarras viram harpas,
Eres um anjo, não negue.
Coturnos viram sandálias,
Não confesse nem se entregue.


Nada de fita de seda,
Ou cordas em seus pulsos.
Chega dessa labareda,
De desejos e impulsos.


Sinto saudade da inocência,
De não entender a piada.
Sinto falta da descência,
De não pensar na coisa errada.


Sábado negro, grito rebelde.
Fantasias noturnas, pede bis.
Shows lotados, ninguém impede
Um pecador de ser feliz.


Mas eu sinto falta, do meu pedaço do céu.
Eu sinto muita falta da minha,
Inocência de aluguel.

Final...xD

5.
-Eu vou o que? – Munya perguntou não entendendo, ainda se fazia de tapada.
-Me levar até o chefe. – Will falou.
-Mas o instrutor que...
-Você é minha instrutora agora e como eu sou um aluno muito mal... - ela a puxou pela cintura, murmurava no ouvido dela – Você vai me levar até o chefe.
-Entendi. Eu já estava mesmo cansada de me fazer de idiota... – ela suspirou. – Mas tudo tem um preço!
-E qual é o seu? – ele já estava impaciente.
-Bem, você já se divertiu o bastante com a Claudia. Eu queria que você se divertisse comigo antes de caminhar tão determinado pra forca!
-O que vocês mulheres tem que não resistem a mim, eim? – ele perguntou com falso desapontamento. – Só isso?
-Idiota, eu não sou a Teivel. – Munya falou virando o rosto. – O que eu quero mesmo é que você me leve pra passear! De noite eu o levo pro chefe, feito?
-Feito.
Não era dificil deixar Munya feliz, a levou para ver mais mentirosos como ela, no teatro ela se sentia em casa, todos mentiam e ninguém se importava se aquelas pessoas não eram de verdade. Assim como no cinema, por mais impossivel que fosse aquelas pessoas existirem, todos acreditavam quando se diziam perfeitas e heróicas, ela sorria compulsivamente, com olhos espertos, dava risada dizendo que podia fazer melhor, mas o tempo passava.
-Sua vez. – ele falou olhando o sol de por ao sairem do cinema.
-Tão rápido... Mas eu não vou com você, Will. – Munya falou olhando para os lados – Finja que descobriu com Teivel, ele não pode saber que eu te ajudei.
-Acha que eu que vou morrer, idiota?
-Você é muito arrogante, não vai ser tão fácil assim lidar com o Cian. De qualquer jeito aqui está o endereço... – Munya estendeu um papel para ele, quando ele o segurou ela o puxou dando um beijo de despedida. – Foi um prazer trabalhar com você, Will!
-Aonde você vai agora?
-Esperar a próxima vitima, é claro! – ela falou acenando adeus.
Definitivamente não era Claudia, mas não era tão má assim. Caminhou com as mãos no bolso depois de jogar o papel fora, já sabia onde era na primeira olhada, o garoto era bem pomposo, devia saber que ia se esconder numa suíte presidencial. Será que estava esperando a volta da ruiva? Afinal ainda fazia pouco tempo, só um dia, deu risada imaginando o rosto dele quando soubesse. Conseguiu entrar sem problemas, era conhecido naquele hotel, foi direto para a cobertura e para abrir, bem... Já que ninguém mais seguia as regras, podia abrir uma porta sem a chave.
-Teivel, você está atrasada! – realmente pomposo, nem virou para a porta antes de falar aquilo? O pivete olhava os arredores pela varanda quando gritou aquilo.
-Desculpe, mas sua namoradinha não está disponivel no momento... – Will falou maldosamente.
-O que é isso, uma piada de mal gosto? – Cian perguntou se virando para encarar o empregado, parecia não acreditar na possibilidade de Teivel ter falhado, afinal aquilo nunca aconteceu.
-Piada de mal gosto seria eu te chamar de viado, eu notei que ela tinha umas cicatrizes cirurgias bem colocadas. – Will falou arremessando o espartilho que ela usava. – Não ligue pro cheiro, ela suou um bocado e eu não tive tempo de lavar.
-Então ela morreu... – Cian murmurou chutando o espartilho para o lado, caminhou até Will de maneira tranquila e quando chegou bem perto olhou para cima o encarando – E eu devia me importar? Ela é só uma empregada, pode ser substituida.
-Muito bom, você é muito frio mesmo. – Will falou se sentando no sofá. – Não se importa nem com quem fazia o serviço sujo pra você, eu admito que me enganei. Achei que vocês tivessem um caso, afinal ela ficou tão preocupada quando eu disse seu nome, tão descontrolada que não pode evitar gemer e se contorcer.
-Que coisa para se falar para uma criança. – Cian comentou sorrindo inocentemente.
-Mas você não é uma criança, não é mesmo chefe?
Cian caminhou até o sofá oposto e se sentou, tanto o olhar quanto os movimentos, o jeito de falar e agir, era óbvio que ele não era só uma criança. Parecia realmente não se importar com ninguém, ninguém além dele mesmo e isso ele não podia usar. Ou podia? Enquanto Will pensava o garoto começou a encará-lo, quase como um desafio para ver que desvia antes o olhar.
-Me diga, como ela morreu?
-Eu não sei, quando dei por mim ela estava morta. – Claro que ele estava mentindo. – Eu pensei que nós não pudessemos morrer, mas já que Beg e Soner morreram devia haver uma circunstância especial. Imagino que seja algo que só vocês podem fazer, não é?
-Muito lisongeiro. – Cian comentou sorrindo de maneira fria. – Claro que podemos morrer, não somos deuses nem nada assim.
-Ela disse algo antes... – Will murmurou como quem não quer nada.
-Você acha que é relevante?
-Talvez você tenha que me fazer dizer algo? Sim, talvez... Mas eu não vou dizer. – Will afirmou de maneira segura.
-Eu tenho meios para fazê-lo dizer. – Cian murmurou e puxou uma fotografia de seu bolso, era uma foto de Claudia, ou seria de Munya? Não dava pra notar a diferença por uma foto.
-Eu devia me importar com ela?
-Eu sei que você se importa, até mesmo concedeu não um, mas três desejos!
-Eu já falei, se quer matar ela, mate.
-Will, meu problema real não é ela, é você! Você que com sua péssima atitude se prova um péssimo empregado. – Cian se levantou e andou até Will – Você já está começando a me irritar.
-Eu estava errado, me desculpe...
Cian ficou chocado, Will havia baixado o rosto e pedido desculpas? O garoto começou a dar risada, como quem ridiculariza, então o garoto problema havia se arrependido? Claro que aquilo não ia salvá-lo, mas Cian calou. Calou ao ver o homem levantar a cabeça com um sorriso que só podia ter saído do circulo mais baixo do inferno, nem mesmo ele ou Teivel tinham aquele tipo de sorriso. Sentiu um frio lhe percorrer a espinha quando foi levantado pelos braços, como um boneco.
-Você é só uma criança afinal, pequeno e frágil. Eu podia deslocar seus membros, pra você ficar preso aqui, mas você ia desejar sarar, então não faz sentido... – Will falou o virando de ponta cabeça e jogando no sofá, Cian suava frio e apertava as mãos de raiva. – Então eu vou ter que fazer outra coisa. Se não você vai continuar me perturbando, não vai?
-Eu não vou deixar você escapar, você é um problema e eu vou RESOLVÊ-LO!
-Está vendo? Me irrita você estar tão determinado a ser um pé no saco. – Will falou coçando a cabeça – Aí você vai me mandar outra das suas prostitutas e eu vou ter que tirar elas do meu pé, e elas sempre deixam aquele perfume terrivel no meu corpo, é tão chato...
-Você mesmo não passa de um prostituto, quantas vezes não entregou seu corpo como um desejo final? – Cian perguntou com um sorriso maldoso.
-Acabei de lembrar, da primeira regra que nós temos, acho que explica todo esse pouco orgulho. Nunca recusar um desejo. – Will teve uma idéia – Você segue as regras?
-Claro...
-Eu desejo que você me diga então, o que Teivel disse antes de morrer. A palavra mágica...
-Eu não vou fazer isso. – Cian falou franzindo a testa.
-As regras são para todos...
Will e Cian viraram para o lado, a origem da voz eram as cortinas brancas que balançavam ao vento, atrás delas um homem loiro de roupas brancas estava parado, os olhos encaravam Cian de maneira ao mesmo tempo ameaçadora e paternal. Olhando de um para o outro até que Will notava semelhança, o garoto deu um passo para trás engolindo em seco, o homem era incorporeo, dava para enxergar através dele, era a primeira vez que Will via um chefe desde que começara naquele trabalho, lembrava vagamente de quando acordou ter visto um, mas foi a única vez, eram como fantasmas e anjos, demônios e espiritos.
-Pa...pai... – Cian parecia amedrontado pela primeira vez, não sorria mais.
-Eu soube que você julgou sozinho quem estava certo ou errado, há séculos deixou seu trabalho para isso não foi? Com a desculpa de punir quem não seguia as regras...
-O mundo se tornou muito maior e complicado e as pessoas cada vez são menos dignas e eu...
-E você abusou do seu poder, meu primogênito. – Will tinha vontade de dar risada na cara do pirralho, mas não conseguia. – Você próprio não seguiu as regras. Veitel não era para se tornar uma de vocês, pessoas não deviam ser julgadas tão levianamente, errar é humano. Agora, já que presa tanto as regras diga...
-Papai...
-Diga, Cian.
-Eu fiz tudo isso por você! E por todos os outros, eu fiz isso porque...
-Porque você é uma criança mimada e prepotente, egoista e ciumenta, uma criança que gosta de ser especial. – Will falou chutando Cian que caiu no chão, o menino chorava. – E sabe o que mais? Eu já cansei dessa sua conversa... Agora faz o que ele está mandando.
-Cuidado, Will... Você vê nos outros seus próprios defeitos... – Cian falou se levantando.
-Eu pelo menos tenho tamanho para me defender. Volta chorando pra mamãe, pirralho...
-VOCÊ É QUE ESTÁ ERRADO!
-Chega, Cian. Venha, você já trabalhou demais.... – o homem loiro chamou estendendo a mão.
-O que vai acontecer comigo agora, pai?
-Você vai descansar.
-Não obrigado. Eu acho... que depois de todo meu trabalho para que tudo funcionasse como você idealizou, vocês todos... Ser tratado desse jeito é o mesmo que... Ingratidão? Eu desejo morrer, depois disso.
-Pirralho prepotente... – Will murmurou vendo o corpo caído de Cian no chão, virou para o homem loiro atrás da cortina. – E é tudo culpa de vocês...
-Sei que você teve alguns problemas, meu filho. Como posso recompensar?
-Me deixando em paz... – Will falou caminhando na direção da porta.
-Achei que iria perguntar porque Claudia não virou uma de vocês...
-Não me interessa, eu já cansei de tudo isso.
-Entendo. Se mudar de idéia, procure por Munya.
O homem avisou desaparecendo com uma brisa do vento que agitou as cortinas. Criança mimada, tudo era do jeito dele, prepotente, ele era melhor que os outros e podia fazer o que quisesse, egoista, não ligava se os outros choravam para lhe fazer feliz, ciumenta... Will saiu do hotel com um sorriso no rosto, realmente conseguia se identificar com aquilo, viu uma mulher do outro lado da rua correndo tentando alcançar o ônibus, uma outra chorava ao telefone. Sorriu sozinho vendo a cena, não lembrava desde quando aquilo costumava ser problema seu, mas não era mais...