quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um, Dois, Nós

Só você me importa e se é por você... Se é por você eu faço tudo.

I


Abre a porta, minha menina,
não se aprisione onde não estou.
Agora os pedaços, o que sobrou,
são tudo que não se explica.


"Por que? Se você nem quer,
nem pensa em ficar comigo!"


Não quero ficar, é assim que é,
mas sem você eu não vivo.


"Então fica comigo, cuida de mim!
Me olha, me ama, me faz feliz."


Só posso levar tudo ao fim,
do sorriso ao coração, tudo que fiz.


"Acaba tudo então, até minha vida."
Só depois de você acabar com a minha, querida.


II


"Não posso te matar, nem ter."
Olha nos meus olhos, não me negue.
"Deixa eu me fechar e aqui me esconder."
Não deixo sozinha, só a mim se entregue.


Você que me pediu, agora me engula.
Danem-se lágrimas minhas e tuas.
Danem-se os outros que vou ferir,
meu corpo é teu pra abraçar e partir.


"Engole minhas lágrimas que causou,
devora o pouco que em mim sobrou.
Essa mentira que me contas sorrindo,
sei que acabarás partindo..."


Jamais menti nos seus ouvidos,
ou olhando nos teus olhos, nem pretendo.
Entrego-te, corpo, alma e sentidos,
a felicidade em si fico te devendo.




terça-feira, 16 de setembro de 2008

Toda vez


Toda vez que eu me lembro o quanto eu te amo, dói demais. Toda vez que eu lembro que por isso mesmo a distância aumenta, eu quase não aguento. Toda vez que eu falo oi ou tchau, eu queria te lembrar do que eu sinto, mas eu não quero mexer contigo. Eu só quero... Eu só espero... Seja feliz.

Dama e o Lorde


Do outro lado dum sorriso inocente,
sob um olhar rubro incandescente.
Do outro lado dessa pose infantil,
meu lorde de máscaras mil.

Do outro lado desse olhar de serpente,
entre os lençóis e minhas correntes.
Do outro lado dessa pose doce,
minha dama, nunca a foste.

A minha frente para ereto,
e apontas meus gestos.

A minha frente ficas quieta,
me enxerga entre frestas.

Com olhos desviados,
contemplai o passado.
Me segura a mão,
e zela meu corpo.

Com olhar concentrado,
ficai assim ao meu lado.
Me rouba um sorriso,
e toca meu rosto.

Que pensas meu lorde?
Me diz que fizeste?

Minha dama, que sorte.
Quiçá antes eu soubesse.






domingo, 14 de setembro de 2008

Noite de Lua: Sozinha

Era lua cheia de novo, se sentia melhor na lua cheia, mas até voltarem aquelas noites iluminadas decidiu ficar mais forte. Tinha que parar de embaçar os óculos com lágrimas que já deviam ter secado, tomou uma decisão que não achou que nunca seria capaz de tomar e quem lhe ajudou a tomar aquela decisão foi Hanna, guardou o álbum de fotografias no topo do armário e os óculos na caixa, não precisava dele há anos, mas ainda o usava por serem presente dela, se lembrou de quando brincavam de faz de conta. - Faz de conta, Sayen, que um dia eu não vou estar mais aqui e a mamãe vai estar muito longe. – a pequena Hanna dizia enquanto balançava.
-Longe onde?
-Lá no topo do céu! – Hanna falou – Mais alto que um avião!
-Mas você tem medo de avião, Hanna. – Sayen murmurou empurrando o balanço.
-Mas eu não vou estar lá, a professora falou que a lua fica dando voltas na terra. Eu vou estar correndo atrás da lua.
-Correndo atrás da lua?
-É, quando ela estiver aqui eu também vou estar, mas quando ela estiver correndo pelo mundo eu vou correr também! – Hanna falou dando risada – Faz de conta, Sayen.
-Posso ir com você, Hanna?
-Não. – Hanna respondeu parando de balançar e encarando a irmãzinha por cima do óculos.
-Por que? Eu quero ficar com a Hanna! – Sayen gritou começando a sentir os olhos cheios de água.
-Sasá... – Hanna falou descendo do balanço e dando lugar pra irmã – Lembra quando mamãe nos deu o balanço? Ela falou que podia empurrar a gente, mas que um dia íamos aprender a brincar sozinhas.
-Você não gosta de brincar comigo?
-Não é isso, Sasá. – Hanna respondeu empurrando o balanço para a irmãzinha – Mas eu quero que você seja forte e feliz, mesmo sozinha.
Ela era forte e feliz, Hanna sob o olhar de Sayen sempre foi forte e feliz. Mesmo quando ela caía e se machucava, ela nunca deixava de dar risada e dizer que estava tudo bem, mesmo anos mais tarde quando algo dava errado ela sorria e dizia que tudo ia ter um final feliz como dos livros que Sayen lia. Mesmo depois que a mãe das duas morreu, Sayen lembrava de ter sido a única a chorar e se desesperar, se encolher debaixo dos cobertores cercada de livros para não pensar em mais nada. Não precisava mais dos óculos que Hanna lhe dera, não precisava mais tentar ver a via do jeito dela.
-Folga? Claro, mas aonde você vai? – Julius perguntou chocado com o pedido.
-Ao cemitério. – Sayen respondeu sem muita emoção fazendo Julius quase dar um pulo, sorriu pela reação e então explicou – Faz cinco anos hoje desde o acidente de carro que matou a minha mãe.
-Entendi.
Sabia o caminho até o cemitério, mas não ia lá fazia cinco anos, da última vez ficara de cabeça baixa chorando por trás dos óculos e mordendo as mangas da camisa. Dessa vez estava de queixo erguido, sentia Hanna lhe segurar a mão enquanto olhava a lápide simples e desgastada pelo tempo, o silêncio não parecia tão frio quanto da última vez que estivera ali. Sua mãe era uma mulher bonita e forte, como Hanna, ela também queria ser mesmo que fosse pela metade já seria o bastante.
-Você está feliz, mãe? Como é o topo do céu? – Sayen perguntou sorrindo, já podia até imaginar as mil respostas que receberia, não era religiosa nem nada disso, mas ainda assim sua mãe só podia estar no topo do céu. Que nem a lua que Hanna perseguia.
-Sasá, você é forte e feliz? – Hanna perguntou, a voz dela vinha de trás de Sayen que estava com o olhar fixo no nome da mãe.
-Ainda não, Hanna. Eu não sou forte que nem você e eu não sei bem quando eu vou ser feliz, mas... – uma lagrimas escapou. – Eu vou tentar e... Eu vou conseguir sozinha, Hanna.
-Eu sei que vai. – ela sorriu, Sayen sentiu um abraço.
-Mas eu ainda queria muito ficar com você...
-Eu sei... Bo-ba!
-Sa-Há.
-Há-Sá!
Sayen deu risada, deu risada sozinha na frente de uma lápide, se havia alguém por perto devia ter achado muito estranho, a lágrima deslizou assim como seus olhos, baixando pelo nome Amanda até mais embaixo: Hanna. Mãe e Irmã amadas. Limpou a lágrima e esboçou um sorriso indo embora, não ouvia os passos de Hanna, não sentia o toque dela nem a via sorrindo em algum lugar, mas estava tudo bem. Ela devia estar em algum lugar correndo atrás da lua e ela, ela precisava encontrar sua própria noite de luar.

Noite de Lua: Memórias




-O jantar estava ótimo, obrigada! – Sayen agradeceu com o rosto corado, a esposa de Julius cozinhava muito bem.
-Que pena que Hanna não pôde vir. – Julius comentou olhando para a bolsa que Sayen carregava, uma mochila simples. – O que você tanto carrega nessa mochila? No começo eu achava que eram livros da faculdade, mas em pleno sábado você não desgrudou dela ainda.
-É... É só um álbum...
Abraçou a mochila como um mendigo abraçaria um cobertor no inverno, Julius não falou mais nada vendo que ela não queria comentar o objeto muito menos o fato de levá-lo para todo lugar. Conversaram sobre livros, sobre finais tristes e felizes, sobre como antes da última página muita coisa não faz sentido, mas que invariavelmente mais cedo ou mais tarde você descobre o por quê das coisas. Por que? Fizera essa pergunta mais de uma vez para si mesma sem obter resposta.
-Já está tarde não quer uma carona? – Julius perguntou olhando a escuridão da noite, a lua estava na fase nova, o que deixava tudo ainda mais sombrio.
-Não, eu vou ficar bem.
E realmente ficou, era muito difícil alguém mexer na rua com ela uma vez que parecia um garoto e também andava rápido para evitar assaltos e outros problemas. Quando chegou em casa ela estava vazia, deserta como se estivesse abandonada há anos, abriu a porta do quarto de Hanna, mas ele estava arrumado como que abandonado. Foi até a sala e retirando os livros que ocupavam o sofá se deitou abraçando a mochila, abriu o zíper devagar reparando como o barulho ficava alto no meio da noite e tirou de dentro um enorme álbum de fotografias preto e branco.
-Sa-Há! – exclamou virando a capa, desde pequena fazia isso quando abria o álbum, Hanna falava o contrário: Ha-Sá! – Para sempre...
Leu em voz alta a inscrição na primeira folha, logo abaixo a mesma foto que ficava na sua cabeceira, as duas abraçadas sorrindo, ao fundo a árvore do balanço. Fotografias são memórias congeladas, tão frias que a fazem tremer conforme revive cada momento sentindo a sensação morna do momento escapar entre o papel de cada página. Um vazio de saudades e solidão, mas não podia evitar sorrir enquanto virava as folhas e se reconhecia num bebê bochechudo e mais tarde via as fotos de Hanna fantasiada de princesa ainda pequena. Hanna a pegava no colo já que era maior, as duas riam andando de patins, Sayen chorando depois de cair do balanço, Hanna no uniforme de seu primeiro colégio. Ela na formatura olhando para o nada como quem procura alguém, Hanna sorrindo na formatura por ter achado, fechou o álbum com força o jogando do sofá, sem notar tinha acabado chorando e embaçando o óculos.
-Por que? Por que? Por que?
Ninguém lhe respondia e acabava encolhida no sofá falando com o silêncio da casa. Por que ela não podia sorrir que nem a Hanna? Por que aquelas memórias tinham que doer tanto? Caído no chão o álbum ficou aberto numa festa de aniversário, uma mulher morena ao centro soprando as velas, Sayen e Hanna uma de cada lado batiam palmas, no bolo as palavras: Parabéns, mamãe! Foi o último dia que ela sorriu com os olhos brilhando, batia palmas dando risada, dali em diante as páginas de memórias congeladas estavam vazias. Acabou adormecendo no sofá, já que o dia seguinte era domingo ficou se revezando entre refeições de qualquer coisa e olhar o álbum, já sabia todas as fotos e sua ordem de cor, mas ainda olhava.
-Alô? – Não queria ter atendido o telefone, atendeu por reflexo.
-Alô, meu nome é Talita da central de atendimento da Só Você, poderia falar com a Amanda? – era a típica voz feliz de assistentes que fingem que gostam do próprio trabalho ligando para as pessoas e oferecendo coisas.
-Não, não poderia. – Sayen respondeu deitando sobre o álbum, segurando as lágrimas atrás do óculos enorme embaçado.
-Ela não se encontra? Eu poderia ligar em outro horário? – pessoas que ligam oferecendo coisas não costumam ser bem vindas ou respeitadas, mas a garota sabia que não era culpa dela estar fazendo algo incrivelmente idiota. Era o trabalho.
-Não, ela já morreu.
-Ah, me desculpa... – quantas vezes aquele tipo de ligação já tinha se repetido? Perdera a conta e o passar dos anos não fazia as ligações pararem.
Desligou o telefone depois do pedido de perdão e o arremessou contra a parede, a foto do aniversário, a mulher se chamava Amanda e comemorava seus quarenta e dois anos. Hanna e Sayen batiam palmas enquanto sorriam, parabéns mamãe. Hanna puxara a mãe, o mesmo jeito e rosto, o mesmo ar, ela não puxara o pai que nunca conheceu, mas não sentia falta dele. Tivera sua mãe trabalhando por elas e sorrindo, comemoravam juntas em datas como aquela congelada no retrato. Tinha Hanna, que mesmo depois daquele dia continuou sorrindo para ela, cuidando dela. Se a visse chorando daquele jeito ou dizendo obrigado, ela ia lhe abraçar e ia dizer:
-Pra que servem irmãs mais velhas?

Noite de Lua: Cuidado


-Se você tomar esse antialérgico vai ficar tudo bem daqui em diante, então? – Julius perguntou olhando a sacola de plástico da farmácia vizinha. – Você devia tomar mais cuidado, Sayen.
-A Hanna me falou isso depois que voltei do hospital. – coçou o nariz, ainda sentia que respirar era estranho.
-Você não precisava vir trabalhar, podia ter ficado em repouso.
-Eu prefiro me ocupar. – Sayen respondeu enquanto embrulhava encomendas, livros policiais onde mais cedo ou mais tarde os personagens ia desaparecendo e só restava aqueles perfeitos. As pessoas não gostavam muito de ler sobre pessoas fracas, simples ou burras.
-Sayen, há quanto tempo você trabalha aqui? – ele perguntou empilhando as caixas para enviar.
-Dois anos...
-Faz dois anos que você não falta e relutantemente tira férias. Por que você não vai viajar com a Hanna? – Sayen mordeu os lábios e foi por entre as estantes pegar algo. – Eu disse algo errado?
-A Hanna tem medo de avião. – Sayen respondeu voltando com um livro chamado: Vítima das Saudades.
-Vocês podiam ir de carro, uma dorme a outra dirige. Quem sabe um cruzeiro, você não parece o tipo que gastou todo o salário. – Julius insistiu, realmente queria que ela descansasse, não... Que ela vivesse.
-Eu não tenho habilitação.
-Então chame Hanna para ir lá em casa, minha esposa falou que vocês podem ir jantar conosco quando quiserem. E pensando bem, eu só a conheço pelo que você me conta...
-Obrigada, mas a Hanna sempre sai de noite. – ajeitou os óculos corando, odiava admitir mas sentia muita falta de Hanna toda noite, devia ter crescido e se tornado mais independente como ela, mas isso nunca aconteceu.
-Bem, quando quiser então.
Chegou em casa mais cedo aquele dia, tomou os remédios com cuidado e colocou as roupas para lavar. Pensou em arrumar o quarto de Hanna que ficava logo ao lado, mas achou melhor deixar as coisas como ela gostava. Comeu o jantar em silêncio e ficou por muito tempo virando as páginas da vítima das saudades, o autor falava bem sobre o vazio e o silêncio, silêncio que só foi quebrado de madrugada pelos passos e depois o abraço pelo pescoço que Sayen ganhou.
-Se não tomar cuidado vai dormir na aula, Sasa!
-Hanna! – Sayen exclamou vermelha como um tomate tentando se soltar.
-Shhhh... Você está melhor? – a outra perguntou a soltando.
-Estou, me desculpe causar problemas no seu aniversário. – baixou o rosto como uma criança que se colocava de castigo depois de quebrar algo importante.
-Bo-ba! – foi tudo que Hanna respondeu abraçando Sayen junto ao seu peito, a lua se escondeu atrás das nuvens e mais tarde ambas se esconderam debaixo do cobertor para dormir. – Sayen. Você devia arranjar um namorado e parar de perder tempo comigo.-Eu não preciso de namorado, Hanna. – ela respondeu virando para o outro lado – Eu só quero ficar com você.

Noite de Lua: Sonhos

Sayen
Julius
Hanna

Já devia ter passado das dez horas, algo assim quando terminou de se vestir e se jogou na cama, os óculos ainda nem tinham deixado seu rosto, afinal Sayen sabia que não ia dormir tão cedo. Pilhas de livros por todo o quarto denunciavam alguém que sabe tudo sobre personagens e nada sobre pessoas, mas será que ela era assim mesmo? Ouviu os barulhos de passos, depois o abrir e fechar das caixas de jóias.
-Você não devia sair tão tarde, Hanna. É perigoso... – falou sem tirar os olhos do teto.
-E você não devia se prender em casa, é chato... – a outra pulou na cama se sentando, os mesmos olhos negros, os mesmos cabelos escuros. Mas Hanna tinha curvas, tinha óculos pequenos, batom nos lábios e jeito de mulher.
-Só é chato sem você... – Sayen falou mordendo a manga da camisa.
Hanna sorriu pra ela e Sayen fechou os olhos esquecendo o teto, esquecendo tudo, acabou por dormir sem tirar os óculos, no dia seguinte teve que tatear a cama a procura do objeto que lhe permitia ver. No criado mudo o porta retrato das duas abraçadas sorrindo, quem olhasse pela primeira vez acharia que era uma garota muito bonita e seu namorado fracote, claro que a garota bonita era Hanna. Saiu correndo atrasada para a faculdade, depois de lá correndo para o trabalho, só teve tempo de descansar deitada sobre o balcão. Julius era gentil demais para a acordar no meio da pilha de livros velhos.
-Han...nna... – acordou quando ao se mexer derrubou alguns livros no chão, coçando os olhos sob os óculos notou o que tinha feito se ajoelhando depressa para pegá-los.
-Estava sonhando com o que? – Julius perguntou com um sorriso enquanto levava uma caixa para sabe-se lá onde.
-Com a Hanna. – Sayen respondeu erguendo a pilha de livros e os colocando de volta no balcão.
-Hoje é aniversário dela, não é?
-É sim. – a garota respondeu, no topo da pilha: flores despetaladas. – Eu pensei em levar flores pra ela.
-Toda garota gosta de flores, não é? – Julius comentou dando risada.
-Eu não...
-Não?
-Eu sou alérgica. – Sayen explicou enquanto organizava os livros – Uma vez, Hanna, me deu um buquê de rosas e eu fui parar no hospital.
-Quando foi isso?
-Nós ainda éramos crianças, ela não sabia... – e se escondeu entre as estantes passeando de um lado para o outro. Julius se perguntava como ela pretendia levar flores para alguém se não podia ficar perto de uma flor sem ir parar no hospital.
Sayen não sabia o que fazer para o aniversário de Hanna, nem entendia aquela necessidade absurda de fazer algo em um aniversário. Era um dia como outro qualquer, tirando o fato que daquela vez era lua cheia, era só mais um dia de vida como tantos outros nos quais acontecem coisas mais importantes, como um trabalho ou lição de vida. Mas ainda assim, queria muito dar algo para ela, algo que a fizesse sorrir e dizer muito obrigado com os olhos brilhando por trás dos óculos pequenos de lentes coloridas. Hanna adorava flores, ainda pequena lhe contara como sonhava em sentar de noite num balanço e brincar sob a luz da lua com uma coroa de flores na cabeça. Sonhos bobos de criança, queria realiza-los.
-Feliz aniversário... – a coroa estava feita, irritava seu sistema respiratório, mas a imagem valia a pena.
Era mesmo um sonho bonito, o balanço na árvore nos fundos da casa ainda agüentava, a luz cheia no meio do céu e os cabelos voando pra frente pra trás, o sorriso seguinte era inevitável enquanto brincava como criança, as flores em coroa em sua cabeça. O perfume lhe machucava quando tentava respirar, mas era o aniversário de Hanna, era o sonho dela. Respirar ficava difícil, levou a manga cumprida ao rosto, não adiantou e começou a tossir. O balanço ia e vinha.
-Sayen! – Por que tinha que sempre estragar tudo? Se não fosse aquilo, Hanna poderia continuar sorrindo.

Noite de Lua: Receita


Muitas pessoas passam a vida inteira procurando algo, a receita para a riqueza, para a felicidade, para o amor, como se tudo tivesse uma fórmula mágica e que segui-la passo a passos funcionasse para todo e qualquer um. A única receita naquela casa era como fazer um sanduíche em poucos segundos para não se atrasar para a faculdade, saía antes do sol nascer e só voltava para casa depois que ele já tinha ido embora, entre estudos e trabalho não havia tempo para fazer planos ou receitas.
-Sayen! – sempre se assustava quando gritavam seu nome, era uma daquelas coisas que você ganha na infância.
-O... O que foi? – perguntava arrumando os óculos, parecia se esconder atrás deles, óculos enormes de aro preto.
-Nada, esquece... – o outro respondeu encolhendo os ombros – Eu tinha esquecido que você era uma garota.
Não era incomum ouvir aquilo, os cabelos curtos e mal cuidados, o óculos enorme que escondia seu rosto, as roupas largas e o corpo magro e sem curvas. Não que parecesse um homem, no máximo um garoto qualquer que nem tinha saído do colégio ainda. Continuou seu caminho com a pilha de livros, aquele tipo de comentário não a incomodava, tinha mais com o que se incomodar.
-Sayen... – virou seu rosto na direção da porta. – Você ainda não foi pra casa?
-Eu tenho que organizar esses na prateleira. – respondeu encolhida atrás da pilha, sentia que aquilo era o único escudo que tinha contra a humanidade, livros.
-Pequena desse jeito e carregando tanta coisa... – ele era o tipo de pessoa que não combinava, um nariz muito grande entre olhos muito pequenos, um corpo enorme e bruto e um jeito de falar gentil e educado. Julius era exatamente esse tipo de pessoa e era seu chefe – Eu te ajudo.
-Obrigada.
Ela precisava mesmo de ajuda, sua altura não chegava nem na casa dos 160 centimetros, sem uma escada ela sequer alcançava os exemplares mais altos que ficavam nas prateleiras de cima. O emprego perfeito pra ela, cercada de livros com a receita para a felicidade era um reino que tinha vários lugares altos onde ela jamais conseguia alcançar sem que lhe ajudassem, já Julius estava sempre nas alturas, não era a toa que tinha torcicolo se passava muito tempo conversando com ele, o chefe era alto.
-Por que você não sai mais cedo hoje, Sayen? A livraria está vazia... – ele sorria gentil.
-Eu não tenho nada melhor pra fazer. – era tudo que ela respondia e realmente ela não tinha nada melhor para fazer.
-Você precisava arranjar um namorado! – ele comentou bem humorado.
-Eu não preciso de namorado. – ela respondeu ajeitando os óculos e indo passear entre as prateleiras, ela sempre fazia isso quando queria evitar algum assunto.
O que ela precisava ninguém poderia lhe dar, o que ela precisava tinha se perdido anos atrás. Se sentou ao lado da prateleira dos romances de cavaleiros, rei Artur estava sobre sua cabeça, bem próximo a outros clássicos com princesas e dragões. Não queria um cavaleiro, nem um príncipe, muito menos um namorado. O ingrediente da sua receita para a felicidade havia se perdido para sempre, os óculos deslizaram, olhou por cima deles pela janela onde a lua começava a brilhar no céu.-Já é lua cheia... – apertou a camisa com as mãos na altura do coração, ele pulsava mais forte na lua cheia. Seu último dia feliz, também tinha sido numa noite de lua.

Rostinhos...

Falta do que fazer = Mo construindo rostos pros personagens das histórinhas. Vamos que vamos.

Korone

Ainda não é bem a imagem mental que eu tenho dele, mas até que ajuda você imaginar aquela carinha de deboche que ele sempre faz.

Mika Rinmotoki

É uma mistura de carinha fofa com cara de retardada, eu queria ter pego um sorriso diferente, mas não tinha nenhum bom com o dente pontudo.

Azure

O Azure foi muito fácil de fazer, a pose de bom menino e o sorriso de eu sou um cara legal.

Beau

A Beau realmente parece mais velha do que os outros, com esse ar de eu já sou adulta ou uma...deixa pra lá.

Ângelo

Eu quis muito fazer ele com o sorrisinho maligno, foi o mais próximo que eu consegui!

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Célia


Essa carinha de idiota/meiga é todo o ar da personagem, infelizmente o programa não tinha o loiro que eu queria.
Seth

Seth com sua famosa cara de: e daí? Ele foi um dos que eu achei mais legais e parecidos com a minha imagem mental.

Fabrica de Heróis

Num blogspot fabrica de heróis deixa você fazer em flash um super herói/vilão, o programinha é meio pesado então demora pra você selecionar uma coisa ou outra e as opções de cores são meio chatinhas, mas ainda assim pra quem não tem nada pra fazer da pra perder alguns minutos.


A Arte de Ficar Doente


Passo n°1: acorde de madrugada com muita dor, isso é essencial para o bom desenvolvimento dos passos conseguintes. Vá até o banheiro e lave o rosto, mas como você vai começar a tremer e está com muita dor é óbvio que em breve sua pressão já baixa vai cair e você vai desmaiar.
Solução? Se apoiei na pia e sente no chão de costas pra ela. Esse é o momento que você vai cair, seja esperto e coloque o braço na frente, assim quando seus pais acordarem com o estrondo e te acharem caída você não vai estar com a cabeça estatelada no azulejo. Essa é a parte onde você ganha colo e te levam pro sofá com a pergunta:
-Por que você não me chamou?
Não deixe seu subconsciente responder, provavelmente ele vai ter pensado algo do tipo: porque eu desmaiei duuuh! Se contorça de dor um pouquinho no sofá enquanto sua pressão volta ao normal, mamãe vai te dar uma panela quente pra por por cima pra amenizar a dor.
Quando ela visar que a panela está quente, não faça como eu e no reflexo da dor coloque a bendita mão esquerda na panela, ok? Depois de algum tempo se contorcendo de dor e ter que ouvir sua mãe falando: pode chorar. Seja levado ao hospital, de preferencia mantenha a mão direita do lado do encosto do banco, afinal a esquerda ta queimada e ardendo assim vc pode apertar sem se machucar mais ainda.
Ao chegar no hospital ganhe uma corrida em cadeira de rodas até a cama, fique lá deitado pensando na vida até aparecer uma médica que vai te amassar feito massa de modelar e ganhe analgésico e soro na veia. Durma, até aparecer um médico diferente e pedir isso e aquilo e falar que o exame deu isso e aquilo, bla bla bla bla...
Ganhe mais soro e analgésico na veia até a dor finalmente parar, fique mais um bom tempo deitado.Finalmente lá pelas 11 e poucas, depois de 6 horas no hospital (deitada!) vá ver o médico, diga muito obrigado, ganhe um coquetel de remédios pra tomar e vá embora feliz e saltitante...
Oks, não saltitante pq vc ainda ta meio zonzo, mas nem tudo é perfeito.

Agora com classificação

Por pura falta de que fazer já que a net estava off criei selos pra classificar os posts, assim da pra saber mais ou menos o que é antes de ler. Selo whatever:
Feito especialmente pra posts que não se encaixam em nenhum dos outros. Não me pergunte o por que do passaro eu não faço idéia...O_O
O compulsion é pra textos escritos apenas pela simples vontade compulsiva obssessiva que eu tenho de escrever. Não é pra falar nada, não faz nenhum sentido, nem tem nenhum grande objetivo por trás disso... É só algo que eu escrevi sem pensar duas vezes.
O Blut Engel é o selo dos versos e poemas, não me pergunte o que um anjo de sangue tem a ver com poetas, eu só achei que era um nome bonitinho. E combinava com as penas =)
Geek! Auto-explicativo, selo dos textos sobre tcg, rpg, video game, sci-fi e etecetera que de vez em nunca aparecem por aqui. Apesar de que a imagem de geek não tem nada.
Selo Mo Vampie são os posts não ficticios e pessoais, comentários, causos, observações e comparações, esse bla bla bla todo.
O Shoujo Like são os das prosas em forma de histórinhas, não que todos sejam shoujo, mas eu gostei de chamar o selinho assim hueheuheuhe. Até a próxima!


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Final

Ta ai o final da sério meio shoujo também. Mas a ce-chan gosta e eu me diverti escrevendo então tudo bem... ^^

V - Minha sorte, meu amor, Gato Preto.

-Até que enfim, Ce... Você me ama pelo que eu sou. – a voz vinha de nada, de tudo, de lugar nenhum, de dentro, de fora, do avesso. Parecia a voz do Seth, mas ela era morna de um jeito que ele nunca era. – Diz que me ama...
-Onni? – ela ficou olhando pro gato, o corpo morto sobre a mesa.
-Você me ama? – insistiu.
-Por favor, não me deixa sozinha... – ela pediu se ajoelhando na frente da mesa, sua vista estava embaçada.
-Eu alguma vez te abandonei? – ela fez que não com a cabeça, devia estar ficando louca pra ouvir vozes, Seth continuou parado na entrada calado. – Eu me apaixonei por você no momento que você viajou nos meus olhos, Ce...
-Onni, eu... Eu me apaixonei por você também... – ela soluçava – Eu tentei te encontrar no Seth por causa disso, mas... É só você... – ela levantou o rosto e o corpo do gato começou a se dissolver sobre a mesa como cinzas carregadas pelo vento.
-Que bom...
-Onni! – ele sumiu, invisível no ar.
Um vazio, um vazio maior do que ela jamais sentiu dentro de Seth, agora se alastrava dentro dela. Onni não estava mais lá, não ia mais se enroscar nas suas pernas ou lamber seu queixo em busca de carinho, não ia pular no seu colo ou seguir os seus passos, tinha simplesmente sumido. Um vazio enorme, sentia que nunca mais ia falar com os olhos ou sorrir calorosamente, ia ser que nem o Seth de alguma forma. Um enorme corpo vazio, mas então sentiu um abraço, um abraço leve como os passos de um gato.
-Você me deu tanto trabalho. – A voz era a mesma de antes, mas estava mais morna.
-Seth? Não... Esse tom... Onni? – ela não queria se virar.
-Quantas mais das minhas vidas eu vou ter que te dar? – ele perguntou com um sorriso pontudo que ela sentiu no seu pescoço, a segurando perto. – Eu sou apenas um gato, mas se eu achasse alguém que me quisesse eu poderia voltar ao meu corpo humano, pelo menos de vez em quando.
-O Seth é... – ela murmurou engolindo em seco.
-É meu corpo humano... – Ele riu ainda abraçado nela – Eu não queria passar nenhum segundo longe de você, mas você só olhava esse corpo e fugia dos meus olhos... Se você não me amar, do jeito que eu sou eu não posso existir.
-Os mesmos olhos... – ela murmurou apertando os braços dele, sentindo o toque leve, aquela sensação morna. – Aquele vazio...
-Eu não posso ocupar dois corpos ao mesmo tempo. – ele explicou.
-Aquelas palavras cruéis...
-Me desculpe, mas eu não podia controlar ou evitar. Eu estava no outro corpo.
Ela se virou para olhá-lo, os olhos cheios de lágrimas que escorriam, o rosto era de Seth, mas aquele sorriso de dentes pontudos e o jeito com que falava, o toque suave. Tudo aquilo, aquilo era tudo o Onni. Não conseguiu evitar sorrir e se jogar nos braços dele que caiu de costas no chão com ela o abraçando, ficou calado roçando o rosto contra os cabelos dela que tinham um perfume bom, teria ronronado se ainda fosse um gato, mas aquele corpo foi destruído esmagado, agora estava no outro.
-O que vai acontecer agora, Onni? – Ela perguntou o segurando com força – Eu não... Eu não quero ficar sem você!
-Eu não posso ficar assim pra sempre, mesmo tendo mais vidas... Eu não posso ficar como Seth, humano, por muito tempo. – ele fez carinho na cabeça dela.
-Mas eu... Eu... – ela ergueu o rosto para encarar os olhos dele, ele sorriu.
-Você me ama?
-Amo! – ela falou a beira de outro ataque de choro, se perdeu naqueles olhos e o silencio correu junto com o tempo.
-Mesmo que eu seja só um gato? – ele perguntou e ela acenou que sim com a cabeça, ele acariciou o rosto dela, um toque tão leve. – Então eu nunca vou te deixar.
Ele a beijou pela primeira vez, por mais que visse o rosto de Seth, sentia as presas de Onni e a sensação gostosa de quando ele andava por entre suas pernas, o pelo macio e o jeito carinhoso de agir. A noite passou e ela não queria ele deixar ir pra lugar nenhum que não fosse com ela, não importava se o corpo era de Seth, ou se Seth e Onni eram o mesmo gato, o que ela amava era aquele jeito morno e sorriso afiado. A sorte dela, era aquele amor, um gato preto que cruzou seu caminho na sexta feira treze.

A casa ganhara vários porta-retratos, Seth sorria com aqueles olhos azuis em todos eles, olhos vazios, mas o sorriso morno denunciava que ele não era tão oco quanto o olhar impassível deixava a entender. Um conjunto de coleiras diferentes e uma cama de gato ao lado da cama, ela tinha acabado de acordar e ficara olhando o pequeno Onni dormindo ao seu lado, ele sempre ficava na cama dela e quando acordava seus olhares cruzavam, azul e verde sonolentos sob a luz da manhã.
-Ce, o Seth viajou de novo? – sua amiga perguntava na mesa de café da manhã enquanto virava um copo de suco.
-É. – Célia respondeu com Onni no colo e um sorriso vago, era difícil explicar então era melhor nem tentar. Não iam acreditar e aí não seria real e se não fosse real ela não ia agüentar.
-Você precisava arranjar um namorado melhor sabia? Ele sempre te deixa sozinha!
-Não. Ele nunca me deixa sozinha, não é Onni? – ela falou sorrindo para o gato que lambeu sua boca.
Tinha seus problemas, ele não podia ser sempre humano, não por muito tempo. A maior parte do tempo ele tinha que ser o que realmente era, um gato, então eles passavam muito tempo assim, mas de vez em quando, sempre que possível, ele podia ser o Seth humano e compartilhar com ela o que os outros reconheciam como um relacionamento. Homem ou gato, ela o amava do mesmo jeito, amava o gato e o namorado do mesmo jeito e ninguém notava? Notavam, mas ninguém via que sempre que um estava ao lado dela o outro estava ausente, por que ele agora só tinha um corpo para ser gato e um corpo para ser homem.
-Você trata esse gato muito estranho, Ce!
-Eu amo ele, e daí?
-Você sabe que ele é só um gato, não sabe? – a outra perguntou fazendo caretas, Onni arranhou o ar.
-Não é só um gato. É minha sorte, meu amor, um gato preto... – Célia respondeu beijando Onni que deu um sorriso pontiagudo, ser amada por um animal. Amar um animal... Qual o problema disso?

IV - Minha sorte, Gato Preto

Aquelas reações eram irreais, eram uma ausência muito grande de qualquer coisa o que tornava inacreditável e se ela não acreditava então não existia. Ela ficava um longo tempo olhando ele do outro lado da rua antes de caminhar para casa, mas depois daquilo apenas Onni a acompanhava, se despedia do gato na mesma esquina de sempre e entrava. Dia após dia aquilo era o que ela fazia, passava mais tempo ao lado daquele animal do que ao lado de seus amigos e mais tempo ainda olhando do outro lado da rua, o homem de camisa meio aberta e olhos que não lhe diziam nada nunca.
-Seth! – ela chamou do outro lado da rua, Onni roçando entre suas pernas, mas ela não deu atenção, os olhos vidrados no homem. – Por que você... Por que você não fica mais perto de mim?
-Por que eu ficaria? Por que você iria querer que eu ficasse? – ele perguntou do outro lado, na noite mesmo falando normalmente eles se ouviam na distância.
-Você sempre...sempre... – sempre tão frio, sempre tão vazio. Nada, nada...
Saiu correndo, Onni correu atrás miando, mas ela ignorou os apelos do gato, não ouviu passos atrás dela e acabou rindo de nervosa enquanto corria. Só animais conseguiam amá-la? Ela era uma pessoa tão inferior assim? Sentia muito por Onni, mas não agüentava mais ver Seth todos os dias, tão frio e distante, tão insensível e vazio de qualquer carinho por ela. Apenas Onni... Sentia muito, mas era doloroso. Um barulho de aceleração, atravessava as ruas sem olhar para os lados, não ouviu o som de freios, se virou no susto para olhar com os olhos verdes brilhando de lágrimas.
-NÃO! – o grito ecoou pela rua, a moto que viera correndo mesmo depois não parou, seguiu seu caminho, fria e indiferente como Seth.
O corpo no asfalto, uma mancha negra que de dia seria vermelha, a respiração fraca que vai parando e ela caindo de joelhos na calçada enquanto assistia os olhos azuis do gato de fecharem. Por que ele tinha corrido atrás dela? Onni, caído ao chão, moribundo. Queria muito naquele momento que só uma superstição fosse verdade a de que gatos possuem sete vidas, estava chorando. Por que ele tinha ido atrás dela? Só ele, sempre só ele.
-Onni... – enxugava as lágrimas com as mangas das blusas, do outro lado da rua Seth estava parado com as mãos no bolso. – Me desculpa, me desculpa... Seth, me desculpa!
-Por que você está pedindo desculpas pra mim? – ele perguntou tirando o gato do meio da rua, caminhou até o lado dela a encarando, o mesmo olhar vazio.
-Será que nem agora você pode parar de ser superficial?! – ela gritou ainda no choro, Onni estava morto, o gato carinhoso e companheiro, como ele podia estar tão frio.
-Quem é superficial aqui? – Seth perguntou estreitando os olhos e sorrindo, o mesmo sorriso que misturava inocência com algo diabólico – Você quis ficar mais perto de mim não quis? Por que? Por nada, só por causa desse corpo... Garotas superficiais como você são muito cruéis.
-Não é nada disso! – ela berrou, sentindo que ele tinha cutucado uma ferida com carvão em brasa.
-Não é? – ele continuava a encarar ela daquele jeito frio.
-Por um tempo eu achei, eu achei que você fosse que nem o Onni... Por que ele é morno, gentil e carinhoso. Por que ele sempre me acompanha e se preocupa comigo, mas você nunca... Nem mesmo agora mostra um pingo de sentimento! Você é o pior! – ela berrou no meio da escuridão.
-Eu falei, não falei? Não há nada em mim além do que você vê... Nada. – a sinceridade e simplicidade a feriram, ele era mesmo oco.
-Onni... – ela murmurou baixando a cabeça e chorando – Você não merece o Onni... Nem eu mereço o Onni, mas ele... Ele merecia coisa bem melhor!
-Dê a ele o que ele merece então... – Seth falou deixando o gato nas mãos dela.
Ela quase entrou em pânico, não sabia o que fazer com um gato morto, mas o abraçou junto ao peito como fazia quando ele era vivo, saiu andando chorando com ele nos braços. Ele era morno e fofo ao toque, tinha os olhos azuis impassíveis, mas um sorriso dentuço alegre. Queria voltar o tempo, aquela corrida toda e ter ela sido atropelada pela moto, ou então ter parado antes e abraçado o gato daquele jeito... Ser amada por um animal, só por ele, que tinha de errado nisso? Seth nunca fez nada para que ela quisesse o amor dele fora lhe ajudar naquele dia, e mesmo naquele dia ele disse que fora pelo gato. O gato.
-Ah Onni... – chegou em casa ainda chorando muito, Seth a tinha seguido de longe, ficou parado na porta aberta enquanto a olhava colocar Onni sobre a mesa, encarando o rosto do gato esperando ele abrir os olhos e olha-la como da primeira vez na rua. – Onni...
-Até que enfim...
-O que? – Célia perguntou irritada para Seth, mas depois de se virar para ele a voz veio de suas costas mais uma vez.
-Até que enfim...
-O que?

III - Minha sorte, Gato Preto

Na escuridão não havia nada mais fácil do que achar os olhos de Onni, se tornara uma tarefa diária procurar aquele brilho e ir fazer carinho no gato enquanto voltavam pra casa. Seth sempre caminhava mais longe, como se nem os conhecesse, Célia não entendia como ele podia parecer tão vazio ao mesmo tempo que Onni parecia tão morno e vívido. Se despediam sempre na mesma esquina, cada um seguindo para um lado, mas naquele dia não.
-Seth, por que você não vem jantar comigo? – ele a ficou olhando com os mesmos olhos azuis impassíveis, quase como desconhecidos que nem no primeiro dia que a viu. Juntou os ombros como quem dizia que tanto faz e a seguiu.
O jantar parecia uma maratona do silêncio, ficavam olhando um para o outro por cima dos pratos, enquanto Onni num canto da sala a olhava constantemente com seu sorriso de dentes pontiagudos, nem tocara na comida que ela colocara para ele diferente de Seth que comera tudo silenciosamente e agora limpava a boca com o guardanapo. Ela por falta do que dizer virou o copo de suco ao mesmo tempo que ele, sorriu com a semelhança, ele apenas continuou a olhá-la. Se sentia morna, mas não tinha vergonha daqueles olhos vazios.
-Estava ótimo, obrigado. – ele falou a assistindo retirar os pratos, ela ainda não queria falar nada, era do tipo que falava com os olhos. No começo achava que Seth também fosse assim, mas não havia nada naquele olhar.
-Você sempre tem me acompanhado, aconteceu alguma coisa? – ela perguntou limpando a mesa.
-Não. Eu só sigo o Onni. – ele respondeu virando para olhar o gato que roçava entre as pernas dela pedindo atenção.
-Ah... – Por que doía tanto ouvir aquilo e ao mesmo tempo era tão bom?
Pegou Onni no colo, grata e cheia de ternura pelo felino de olhos azuis que sorria para ela mesmo que com presas, diferente de Seth que pelas palavras e olhar vazio não se importava nem um pouco, estava apenas seguindo seu gato. Queria que Seth fosse como Onni, queria que ele... O que estava pensando? Sacudiu a cabeça dando risada sozinha.
-Alguma coisa errada?
-Não, nada. – ela respondeu tão rápido que se tornou uma mentira do nervosismo. Onni xiou quando ela o colocou sobre a mesa o pondo de lado. – O seu gato é mesmo muito especial... – ela falou de maneira distraída, era hilário e ridículo ser amada por um gato e ignorada por um homem.
-É... – Seth respondeu se levantando.
-Dizem que... – ela levou a mão pra perto do coração – Os animais são parecidos com seus donos. Você acha que...
-Não. – ele respondeu friamente cobrindo a boca dela com uma das mãos. – Não pense em mim desse jeito, não há nada em mim além do que você vê. Não há nada em mim pra você... – os olhos dela se encheram de lágrimas, Onni roçando a cabeça em sua perna era como alguém lhe consolando enquanto as palavras de Seth eram punhais em suas costas.

II - Minha sorte, Gato Preto

Já era outro dia, outro momento, outros tempos para se perder no tempo com os olhos verdes fixos em algum ponto imóvel, tudo se misturava numa onda de sonhos e realidade. Quando acordou no dia seguinte descobriu que houve sim um acidente de carro, mas tinha acabado tudo bem, já que não havia ninguém no banco do passageiro onde o outro carro bateu, achava que o gato preto era um sonho, Seth também. Provavelmente era um sonho, delírios de alguém que acumulou num só dia dezenas de anos de azar por quebrar superstições seguidas.
-Você tem muita sorte, Ce! – muitos falavam isso, mas ela não acreditava em azar, por isso tinha sorte. Era um jeito de pensar que se você não acredita não é real, ainda estava decidindo se acreditava ou não em Onni e Seth.
Era um daqueles dias longos no trabalho, o escritório parecia uma panela de pressão da onde as pessoas tentavam sair e quase sempre saiam com um impulso tão grande que atropelavam os outros, ela ficava. Até aquela última pessoa sobre pressão sair, então arrumava suas coisas e ia embora, o horário acabava ficando tardio e as ruas perigosas, mas preferia assim. O silêncio da noite e o escuro das sombras, olhos de gato brilhavam no escuro, quando deixou o escritório aquela noite achou ter visto algo brilhar, mas era apenas uma moto passando e não um gato. Caminhou calada, se perdendo em sua cabeça sem notar muito nos arredores, sua casa era apenas alguns quarteirões de caminhada, ia andando.
-AHHH! – ser puxado no escuro é assustador, é claro que as pessoas gritam.
Seus olhos foram tampados, sentiu algo na sua garganta, frio... Metal era frio e afiado, que nem aquela coisa lhe espetando no pescoço, alguém a mandou não gritar. Coisa estúpida para se dizer, é claro que ia gritar, queria gritar, devia gritar. Que tipo de idiota ficava quieto numa situação dessas? Um idiota que quer viver, mas ela não estava pensando muito nisso quando gritou de novo, o grito abafou o som de algo caindo. Por um momento a mão deixou seus olhos, depois voltou a arrastando, ia gritar de novo, mas a outra lhe tampou os lábios. Grunhia com um animal, animais tem cada qual seu som. Gatos miavam.
-Miau... – conhecia aquele som.
-Shhhh... – no seu ouvido, como que manda alguém fazer silencio ou se acalmar. – De nada de novo. – conhecia aquela voz, as mãos lhe libertaram, abriu os olhos e viu os olhos azuis do gato aos seus pés: miau.
-Onni. – se abaixou na direção do gato sorrindo.
-Dessa vez eu que te salvei, você não devia estar sorrindo pra mim? – Seth perguntou colocando as mãos nos bolsos. Ela olhou ao redor, estava numa pequena praça a meio caminho de sua casa.
-Por que você tampou meus olhos? – Célia perguntou séria, ele a tinha ajudado? Ou ele que a pegara daquele jeito. Ele não estava com uma faca, não podia ser ele, levou a mão ao pescoço por reflexo.
-Se eu não fizesse isso, você ia ver uma cena desagradável. – ele respondeu sentando num banco, Onni pulou no colo do dono e se deitando lá. Seth era grande e forte, mas tinha trajeitos delicados enquanto fazia carinho no gato.
-Por que você me ajudou? – ela não entendia aquele homem, nem aquele gato que a olhava constantemente, nem se aquilo era real. Talvez tivesse ido a festa, sofrido o acidente e estivesse em coma sonhando.
-Preferia que eu não ajudasse? – ele pareceu triste com a pergunta.
-Não, é só que... Eu não sou nada pra você e... – Onni pulou, do colo dele para os braços dela que o segurou no susto, roçava a cabeça contra seu peito como quem pedia carinho, não pode evitar de fazer o que o gato pedia.
-Não fale assim, não podia estar mais longe da verdade. – Seth falou se levantando – Se algo acontecesse com você... – ele acariciou o rosto dela, com a mesma delicadeza que fazia carinho em Onni, ela se sentiu morna. – Onni nunca me perdoaria.
O gato nunca o perdoaria? Então ele ajudou ela por causa do gato? Encarou Onni, os olhos azuis, era tudo por causa dele, ela estar bem naquele momento era por causa dele. Seth não se importava, apenas Onni, não entendia mais nada, sentiu o toque dele deixar seu rosto, o gato miou lambendo seu queixo. Célia o soltou para que ficasse a vontade, olhava do homem para o gato tentando entender tudo aquilo.
-Obrigada, Onni! Obrigada, Seth... – ela sorriu para os dois, não queria nem pensar em tentar entender. – Eu...
-O que? – ele parecia tão frio, era como se não houvesse nada dentro dele.
-Eu vou ver vocês de novo? – ela perguntou, tudo que recebeu de resposta foi ele se virando e um miau de Onni que a fez sorrir como uma criança.

I - Minha sorte, Gato Preto.

Uma pessoa normal continuaria andando como se nada tivesse acontecido, uma pessoa supersticiosa teria saído correndo na direção oposta, mas ela ficou parada encarando aqueles olhos vítreos que brilhavam. Sexta feira, décimo terceiro dia do mês e um gato preto a encarando por trás daquela pelugem fofa e dentes afiados, não tinha coleira, mas tinha perfume como se tivesse acabado de tomar banho. Célia se abaixou o encarando mais de perto, o vendo lamber os beiços como quem está com fome:
-Gatinho... – e quebrou a barra de cereais que estava comendo estendendo para ele, sempre lhe diziam que fazer isso era errado, mas não ligava.
O gato a seguiu conforme andava, mas ela não se incomodou. Era bom para variar ter companhia no caminho de casa, mesmo que fosse um gato preto num dia tabu. Passou por debaixo de escadas e até derrubou o espelho de bolso, tantos tabus num dia só que só queria entrar em casa e descansar, o gato foi junto. Ficaram se olhando, como fizeram na rua, estudando um ao outro, ela com olhos verdes curiosos, ele com olhos azuis impassíveis.
-Alô? – o telefone tinha tocado e ela só notou tempos depois.
-Onde você está, Ce? – sua amiga gritava do outro lado do telefone.
- A festa começou faz mais de duas horas! – Ce gritou sozinha espantada – Desculpa! Eu perdi a noção do tempo...
-Esquece isso! Você não saiu de casa então?
-Ainda não, por que?
-Graças... Ce aquele cara que ia te dar carona, teve um acidente aqui perto com o carro dele! Eu não consegui chegar perto achei que você tinha se machucado e resolvi ligar...
Acabou desligando o telefone, deixando a amiga falando sozinha, deslizou pela parede até acabar sentada no chão com o olhar numa mistura de espanto e alivio. O gato a olhava, a boca dentuça sorrindo, se não fosse aquele tempo perdido onde ela estaria agora? No hospital? No carro? Jogada na rua?
-Sorte... – murmurou pra si mesma com o coração acelerado, o gato veio andando na direção dela. – O que foi?
-Miau...
-Você me deu muita sorte eu acho... – o gato lambeu a ponta dos dedos dela. – Qual seu nome gatinho? – perguntava de idiota, sabia que ele não ia responder. Ouviu a campainha tocar, mas não imaginava quem podia ser, o gato miou. – Eu arranjo algo pra comer daqui a pouco...
Fez carinho atrás da orelha dele e saiu correndo para abrir a porta, tinha que arranjar um olho mágico, eram tempos perigosos. Abriu a porta perguntando quem era ao mesmo tempo, ficou parada. Mais uma vez a sensação de dormência com o tempo passando, como se estivesse congelada, olhos azuis impassíveis a encarando, sentiu um arrepio quando o gato passou por entre suas pernas miando e foi se aninhar entre as pernas que estava na sua frente.
-Onni... – foi tudo que o tocador da campainha murmurou com ela ainda pendurada na porta, ele tinha olhos azuis frios em contraste com um sorriso morno. O rosto era delicado, quase feminino onde os cabelos negros lhe caiam nos olhos.
-Casa errada. – Foi tudo que ela conseguiu murmurar, mesmo com os longos cabelos loiros presos para trás sentia calor no pescoço.
-Não. Onni é o nome do gato. – ele falou segurando o riso, ela olhava com o rosto cheio de interrogações invisíveis. – De nada...
-Pelo que? – ela perguntou vendo ele se virar, Onni o seguia alegremente. Ele apenas virou o olhar na direção dela com um meio sorriso que brincava entre o demoníaco e o inocente.
-Por Onni salvar você. – ela empalideceu jurando que estava sonhando, um sonho muito estranho, provavelmente por nunca ter querido ir aquela festa.
-Quem é você? – ela perguntou vendo como a brisa brincava com as mangas abertas da camisa dele.
-Seth.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Não quero saber

Eu nem quero saber se vocês,
meus iguais, não são aqueles tais
dos quais tanto falam as garotas banais.

Eu já nem quero dizer,
o quanto agredeço a presença,
e essa alegria intensa que me trás.

Por que do jeito que são,
defeituosos e disformes,
me saceiam a fome
de sentimentos vitais.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Acorrentada

Torcendo os meus sentidos,
atraindo os meus olhares.
Esses lábios, esses sorrisos,
me chamam pra me devorarem.

Cala a boca, engole a minha.
Fica quieta nos meus braços.
Segura o ar, solta a voz,
se amarra aos meus laços.

Fecha os olhos, torce a boca,
enrubra a face e aquece a pele.
Momentos sem razão, coisa pouca,
um prazer que de tanto me fere.

Sem amor, sem piedade,
só escravidão da minha vontade.
Sem paixão, longe da verdade...
Você, minha linda...
Minha prisão e liberdade.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

MFC

Se você ta achando que o título desse post é sigla de nomes de pessoas e que ele vai falar de sentimentos e bla bla bla, para de especular que você errou feio.

MFC = Minha Freaking Cabeça xD

E a verdade é que eu não vou falar de nada nesse post, pq minha freaking cabeça esta muito perturbada agora pra isso. =)

Então au revoir...*-*

Férias

Quero uma taça cheia,
onde eu possa me afogar.
Quero fugir de casa,
Ver as estrelas
e me jogar no mar.

Quero uma cama macia,
onde eu possa me jogar.
Dormir pra sempre,
deixar passar os dias,
sem o mundo parar.

Férias dessa vida,
férias do que é meu.
Sem ninguém pra repartir,
não ganhei nada,
mas nada me perdeu.

Coisas pra fazer...

-Inscrição pra vestiba..
-Pagamento da cultura
-Confirmação da data de prova
-Tabela de quimica
-Achar um emprego
-Estudar pro vestiba
-Trabalhos de ADM
-Comprar cartucho de tinta
-Limpar os quintais...
-Decorar falar do roteiro..

Conclusão: FO#$% DE VEZ!

domingo, 7 de setembro de 2008

Final

Último capítulo, um final sem final, mas é assim mesmo. Eu queria dar um fim para o Korone, mas ainda não consegui pensar num closure pra ele o que acabou deixando as coisas desse jeito, o Ângelo e a Beau ficaram no limbo também, provavelmente fazendo alguma coisa indecente...xD Então vamos lá...

17. Controle

Quanto tempo havia se passado? Quantas semanas, quantos meses, sem que nada parecesse fora do lugar, mas então chegava o fim do ano e todos agiam como se o mundo fosse acabar e começar de novo. Mas tudo era sempre a mesma coisa, tudo continuava igual e comum, transcorrendo naturalmente tão claro quanto um rio de água pura. A porta que levava para a varanda estava aberta, deixava entrar o vento norte junto com as últimas luzes do sol poente, as mãos apertavam os lençóis e os olhos enxergavam tudo em formas diferentes do que se acostumara, respirar era difícil, mais difícil ainda ouvir alguma coisa que não seu coração batendo.
-A... zure... – estava tentando falar fazia algum tempo, mas sempre que tentava dizer algo ele lhe cobria os lábios com beijos. – Noi...te...
-Eu avisei pra você não avisei? Antes das aulas acabarem... – ele sorriu recostando a testa na dela, segurando seus braços, sentia a pele dela ferver sob a sua. Quanto tempo havia se passado? Quantas esperas? – Eu não vou mais te deixar fugir...
-Azure...
E não deixou mesmo, a cada segundo que passava era uma luz a menos atravessando a varanda até o quarto, engolia em seco e virava o rosto para não ver o sangue corrente sob a pele dele. Uma mistura de satisfação com desespero, mordeu os próprios lábios com tanta força que acabou fazendo um pequeno corte que tingiu seus lábios, um som saindo do fundo da garganta enquanto todo controle que tinha era retorcido e empurrado pelo vento pra algum lugar longínquo. Ergueu o rosto, os lábios vermelhos, as presas a mostra na escuridão a procura de lábios que pudesse cortar, a procura de sangue que pudesse beber. Quanto tempo havia passado? Não conseguia mais esperar, não conseguia se controlar. Cravou os dentes com gosto, cortando lábios macios, os olhos fechados no deleite do momento, apenas algum tempo depois conseguiu abrir os olhos recuperando um pouco da razão, não era o rosto de Azure que lhe olhava por trás do beijo ensanguentado, Azure estava com a cabeça deitada em seu peito, o momento congelou pra depois começar a rodar mais uma vez.
-O que está tentando fazer? Matar seu namorado? – Korone perguntou com um olhar maldoso, Mika deu um grito se jogando contra a cama novamente. Azure se levantou soltando um suspiro profundo. – Desculpe interromper numa hora tão importante, Azure.
-O que você está fazendo aqui? – Azure perguntou irritado, será que só ela estava extremamente envergonhada quase explodindo de tão vermelha? Mas por outro lado ela sentiu um enorme alivio, Korone sempre aparecia na hora certa/errada.
-Eu vim me despedir, vou numa viajem de formatura. Pra ser honesto nem esperava um beijo de despedida tão bom. – ele riu a deixando vermelha de vergonha e Azure púrpura de raiva.
-Viajem? – Ela se sentou na cama, Azure parecia começar a se conformar que o momento tinha se perdido, por outro lado se exaltava com a visão de que aquele inconveniente iria sumir por algum tempo, meses atrás ele fez as pazes com ela e a intromissão de Korone era tão natural que o irritava.
-Boa viajem... – Azure desejou apesar de no fundo Korone saber que ele queria dizer, vá pro inferno.
-Mas...
Ela tinha pensado em dizer várias coisas, coisas como você não pode ir ou então por que não vamos todos? Ter Korone por perto era muito confortável uma vez que não precisava se preocupar com comida, sem falar que eram amigos e olhando para Azure sentindo seus lábios ainda encharcados de sangue imaginava o que podia acontecer se Korone não estivesse por ali.
-Não se preocupe, eu não vou matar ninguém nas férias. – Korone falou fazendo cafuné na cabeça de Mika, a verdade é que as preocupações dela não tinham nada a ver com o que ele ia fazer e sim o que ia acontecer com ela mesma, vampiros egocêntricos. Depois se virou para Azure – Boa sorte!
-Korone! – mas ele não respondeu o chamado dela, simplesmente vôou pela janela. Mika baixou os olhos, o rosto corado numa mistura de vergonha e desolação.
-Mika... – Azure a chamou acariciando sua mão.
-Eu não posso fazer isso...
Eram as palavras que ele temera todo aquele tempo que ficara junto dela, um murmúrio triste e definitivo de alguém que tem certeza de algo, mesmo que não gostasse desse algo. Ele a abraçou, mas ela não retribuiu o abraço, o calor do corpo dela foi baixando até se tornar um soluço gelado. Ele queria falar alguma coisa, mas não conseguia pensar no que falar. Se sentia rebaixada, ela só pensava nela mesma, até mesmo Korone que falava de si com pompa pensava nos outros, ela não pensou até agora. Ia sentir sede, ele não ia estar lá, apenas Azure. Não podia fazer aquilo.
-Eu não posso sem o Korone aqui. – ela falou segurando as lágrimas, seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão.
-Eu estou aqui, Mika. Será que só eu não sou o bastante pra você? – Azure perguntou com uma pontada de inveja.
-É justamente por isso! – Ela respondeu o afastando, ele ainda não se acostumara em como ela ficava forte quando a noite caía – É justamente por você estar aqui. Eu não quero mais nada, só você mais e mais...
-Então fica comigo. – ele falava sério, mas esse não era o problema. O problema era aquele olhar suicida digno de qualquer piloto kamikaze, ela queria pensar nele, queria evitar machucar ele.
-Eu fico e quanto mais eu fico, mais eu quero nunca mais ir embora. Até que os meus sentidos se perdem. – ela se aproximou do rosto dele com um sorriso de presas grandes, um arrepio subiu pela coluna. – E então eu perco o controle.
Ela o derrubou, o segurando como ele fizera até um tempo atrás, ele sentiu na pele como era estar indefeso e preso sob a vontade de outra pessoa. A mistura de desespero com satisfação, os sentidos que giravam num redemoinho que parecia querer afogá-lo. Ele não conseguia se soltar, por mais força que fizesse a dela era maior, o teto parecia estar girando e as luzes dos carros que passavam na rua apenas o faziam achar que tinha provado alguma droga. Horas depois ele ainda não teria se recuperado, nenhum corte sobre sua pele, mas aquela estranha sensação de paz o lembrava que a guerra era inevitável.
-Eu não confio em mim quando eu estou com você, Azure... – ela murmurou deitada sobre o peito dele, a respiração fraca como de quem está prestes a adormecer, dois olhos âmbar na escuridão.
-Você não pode controlar tudo, Mika. Eu não vou a lugar nenhum...
-Você vai se arrepender disso um dia.
-Mas hoje não.- – um dia, um dia qualquer que ainda não chegou e ele não fazia idéia de quando iria chegar.

sábado, 6 de setembro de 2008

16. Entre nós

O resultado de ficar três dias sem comer foi deixar Korone a beira da inconsciência, naquele dia Azure teve que carregá-lo até o quarto ou ele teria ficado jogado no chão. Mika se sentiu culpada e passou a noite velando o sono dele, mas dali em diante todo o mundo voltou a girar no ritmo costumeiro, naquela estranha sensação de estar fingindo que nada havia acontecido, tudo parecia pacifico. Korone logo se recuperou e voltou a sua vida de sempre também, refeições no anoitecer e namoradas que nunca duravam sequer uma semana.
-Korone? Korone! – Mika o procurava, uma vez que ele já devia estar em casa. Bateu na porta do quarto dele e ela abriu sozinha – Korone? – ele estava sentado na cama olhando pela janela, o vento fazia a cortina se mover como um fantasma. – Achei que você tinha saído por um instante... – Mika se sentou na cama – Tem algo errado? Você faltou no treino de futebol.
-Eu tenho algo pra fazer, só estava esperando você pra pedir pra não me esperar acordada, querida. – ele respondeu em tom de deboche.
-Então tudo bem...
Tudo estava normal entre eles, não odiava aquele sorriso detestável e nem as ações dele, não odiava o fato dele sempre tentar irritar Azure, não conseguia odiar ele por que em momentos como aquele ele não sorria, mas seus olhos brilhavam. Ela ia se levantar quando ele a puxou a trazendo pra perto num abraço. A respiração dele no seu ombro a fez notar que ele começara, mas não era só aquilo, os braços dele também a apertavam com carinho. Ignorou isso, esperando de olhos fechados sentindo a pele esquentar.
-Cá entre nós, eu não me importo de desmaiar uma garota por ela ficar fraca demais ou nada disso... – ele murmurou com uma risada sem graça – Quando eu provei você da primeira vez, achei que era a mesma coisa... O mesmo gosto doce sem graça de todas as garotas. Eu só aceitei esse acordo, porque depois do por do sol, você tem esse gosto doce e amargo...
-Achei que estava com fome... – Mika respondeu começando a se levantar, mas ele a segurou.
-Só mais um pouco. – Ele pediu como uma criança que não quer acordar.
-Porque me abraçar? Tenho certeza que tem uma fila te esperando pra isso...
-Eu não estou fazendo nada demais, seu namoradinho não vai se incomodar. – Korone respondeu sem responder, ela segurou os braços dele e se resignou àquela vontade.
Foi a primeira vez, que sentiu os lábios dele encostarem na sua pele, ele não estava tentando se alimentar, apenas beijando seu ombro e fechando os olhos. Korone não queria preencher seu estomago e sim sua alma, Mika se levantou depois disso foi até a porta sem olhar para trás até ouvir um farfalhar. Se virou para um Korone de asas negras e marcas que lembravam tatuagens.
-Aquele dia você sorriu... – ele comentou dando risada.
-Que dia?
-Quando eu lhe trouxe no colo, pouco antes de desmaiar de novo. Você sorriu pra mim e é por isso que eu prefiro você que as outras...
Ele pulou pela janela depois de ver o sorriso dela, não num salto de despedida, apenas tinha algo pra fazer. Algo que não tinha nada a ver com as garotas em fila ou a garota que não tinha a menor intenção de correr atrás dele, apenas o fato de Mika não estar interessada nele já o deixava interessado nela. Infelizmente havia um pequeno obstáculo ainda maior entre eles, Azure era quem ela amava por todos os motivos e por motivo nenhum e ele não tinha problemas com isso exceto que aquilo poderia invariavelmente acabar muito mal. Pousou num arranha-céu e desceu pelas escadas de emergência até o andar que tinha que entrar, as asas sumiram, mas as marcas ficaram. Tinha a chave do apartamento no seu bolso, quando girou a porta lá estava quem ele menos queria ver.
-Esconda já essas marcas! Quer me matar de desgosto?! – uma voz de mulher gritou.
-Desculpe, mãe. – Korone escusou-se fazendo os tribais sumirem, marcas de pecado, fundas como cicatrizes que faziam sua mãe o mandar esconder-se num canto toda vez que alguém entrava na casa. Sempre foi assim quando era pequeno, ficava trancado no armário para que ninguém visse o que ele era. – Tinha algo pra me falar?
-Eu e seu pai vamos nos mudar. – a mulher de longos cabelos negros falou sem sequer olhar nos olhos dele, era uma humana comum e de extrema paranóia que escondia tudo de todos.
-Ele não é meu pai... – ele nunca conheceu o próprio pai que era um monstro, sua mãe não sabia até ele nascer, cheio de tatuagens negras pelo corpo. O escondiam com um lençol cobrindo um berço quando era um bebê, dentro do armário enquanto era criança e depois que cresceu ele próprio saiu da casa morando em pensões de fundo de quintal ou nas ruas quando precisava.
-Ele é meu marido! Eu vou pra outra cidade e não quero meu filho sozinho por aí aprontando! – ela falou indicando uma mala com um gesto da cabeça.
-Desculpe, mamãe. Mas seu filho está sozinho por aí faz anos e não é agora que eu pretendo voltar pra casa... – Korone se aproximou da mulher, ela deu um passo para trás como quem tem medo, o rosto dele estava fechado – Eu já cansei de você ter medo de mim e me jogar num canto pra que ninguém mais veja.
-O que você vai fazer? – ela perguntou se encolhendo contra a parede. – Vai assustá-lo? Vai ficar entre nós? Vai me matar?
-É por essas que monstros não deviam se envolver com humanos, vocês não entendem mesmo... – Korone rangeu os dentes e se inclinou na direção dela, a mulher se encolheu, ele suspirou e deu um beijo na testa dela – Seja feliz, mamãe. Pode fingir que eu nunca nasci como sempre fez quando um namorado seu vinha pra casa.
-O que você vai fazer?! – ela insistiu na pergunta antes dele atravessar a porta.
-Tentar ser feliz também... – ele respondeu olhando pra trás com um sorriso – Sabe mãe... Você sempre desviou os olhos de mim ou fez caretas na minha direção, mas eu conheci alguém que mesmo me vendo assim... – as asas dele se abriram e as marcas negras voltaram a aparecer, a mulher fez o sinal da cruz – Mesmo assim ela sorriu pra mim. Um dia eu queria te ver sorrindo também.
Ele foi embora, a porta que bateu atrás dele encerrava as lembranças de uma mulher que sempre olhava por cima do ombro, sempre desviava quando alguém chegava perto, uma mulher que sempre tinha medo, principalmente dele. Deu uma risada sem felicidade alguma enquanto subia as escadas até o topo do prédio, lembrou de sua infância. Tinha corrido para o topo daquele lugar, cansado de ficar escondido nas sombras, as marcas negras que cobriam seu corpo na noite escura, a imensidão lá embaixo. Se jogou como se jogou quando ainda era uma criança, pela segunda vez, ao invés de acabar no concreto lá embaixo planou no escuro. Se nem sua mãe não podia lhe oferecer nada, não tinha que pedir nada a ninguém.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

15. Mais nada importa

Foram três longos dias, de um silêncio interminável e de um jejum que nenhuma palavra de Korone a fazia quebrar, sempre fora branca, mas agora estava pálida o bastante para seus cabelos ficarem ainda mais vermelhos, os lábios quase roxos fechados e respostas meramente gestuais. Mesmo depois de Beau lhe estapear continuava quieta, olhando ocasionalmente para o anel em sua mão que não queria tirar, a verdade era que não sabia se tinha ou não que tirá-lo. Desde que Azure saíra de sua casa depois de Korone lhe explicar o que significava realmente beber sangue de alguém ela não o vira.
-Mika, se você não comer nada vai acabar caindo desmaiada. – era a voz de Korone, a respiração de Korone. Conhecia aquela respiração morna que repousava sob a sua pele e a aquecia enquanto ele mastigava sua vida.
De fato mastigava, mastigava sua vida como um chiclete e depois cuspia pro lado. Tinha vontade de odiar ele por ter dito tudo aquilo, mas ele só disse a verdade e ela... E ela realmente tinha andando pensando num jeito de afastar Azure antes que ele acabasse se machucando, antes que ela perdesse o controle. Mas agora que ele estava seguro longe dela, ela preferia tê-lo em perigo por perto. Se antes o calor era uma tentação, aquele frio era um tormento que ela não gostava de aguentar, toda a naturalidade da vida cotidiana fora embora, as coisas pareciam fora do lugar.
-Mika!
Mas não respondeu o chamado, sequer tinha forças suficientes para notar que ele próprio parara de se alimentar dela. Conclusão óbvia, seria como roer ossos ao invés de comer o churrasco, ela estava tão fraca que a mera respiração dele podia fazê-la perder os sentidos. Menos que isso, bem menos, sequer andava em linha reta pelos corredores, quando mais pelas ruas, o sol a deixava tonta. Ouviu o ranger das correntes, os balanços com seus barulhos irritantes de vai e volta, caiu desacordada.
-Mika... Mika!
Conhecia aquela voz, também conhecia aqueles braços. Seus olhos que se abriram por poucos segundos foram capazes de ver apenas vultos que a encaravam, vultos masculinos e um vulto barulhento feminino que seu rosto sorriu por acidente ao reconhecer Beau. O que eles estavam fazendo ali? O sol iluminava fios de ouro, era Ângelo de pé ao lado da succubus, mas havia mais, ali ao seu lado, aquelas braços.
-Sua idiota... – Korone costumava lhe chamar assim, mas aquela era a voz do Azure.
Os vultos sumiram na escuridão dos seus olhos fechados, ela foi carregada até em casa, sabia disso. Já não era a primeira vez, mas da última estava sem comer a bem menos tempo, não estava em sua cama, estava no sofá, um toque familiar lhe fazia carinho atrás da orelha enquanto outro lhe estava entre as suas mãos. Sem querer murmurou no sono: fica aqui, por favor, fica aqui. Azure não conseguiu dizer não para aquela figura frágil na sua frente, Beau e Ângelo a deixaram aos cuidados dele e foram embora.
-Você me odeia? – ela perguntou abrindo apenas pequenas frestas do olhar.
-Não, Mika. – Ele respondeu engolindo em seco. – Há quanto tempo você está sem comer?
-Quem te contou?
-Se você não beber sangue vai acabar morrendo. – Ele completou sem responder.
-Não. Eu só vou dormir e continuar dormindo... – ela corrigiu.
-Eu vou chamar o Korone... – Azure falou se levantando, mas ela o segurou com as duas mãos.
-Eu não quero o Korone, eu quero... você, Azure. – ele teve a impressão que ela choraria, mas seu corpo não tinha energia nem pra fazer lágrimas. – Se eu preciso parar de beber sangue pra poder continuar com você, eu vou parar. – ela esboçou um sorriso.
-Sua idiota, eu não ligo pra nada disso! – ela não entendeu, suas mãos o soltaram por acidente. Ele parecia bem mais bravo do que quando Korone falou tudo aquilo. – Se você tem que beber sangue eu quero que você beba até esquecer disso, porque assim você pode ficar comigo.
-Mas... Quando eu bebo...
-Eu não me importo o quanto você gosta disso, ou se o Korone também gosta. Eu não me importo se ele age como se você estivesse me traindo e mesmo que estivesse isso é problema, meu não é? – ele voltou a se abaixar, encostando a testa contra a dela – Mais nada importa pra mim, desde que você me deixe ficar do seu lado, Mika.
-Então por que...
-Porque eu não sabia mais se você queria ficar comigo ou com ele, eu achei que se gostasse de mim ia vir falar comigo... Mas você não veio, ao invés disso ficou achando que eu estava bravo e quase se matou no processo!
-Mas você está bravo...
-É claro que eu estou bravo! – ele acabou rindo de tão nervoso – Depois a gente discute, você precisa se alimentar...
-Mas...
-Cala a boca e ouve seu namoradinho. – era a voz de Korone, ele estava sentado na escada escutando tudo. Não trocou nem meio olhar com Azure antes de estender o pulso para Mika.
Ela vacilou olhando para Azure, esperava que ele desviasse o olhar se recusando a aquela cena, mas ao invés disso ele sorriu. Com carne entre os dentes, sangue escorrendo e um braço em suas mãos, ao mesmo tempo que seu corpo aquecia o seu rosto congelava com lágrimas que caíam. Se conseguisse falar enquanto comia, teria dito: obrigado.

14. Calor

A despedida era sempre uma mistura de pesar e alivio, em pleno inverno ela não conseguia usar blusas quando saía com Azure e logo que chegava em casa entrava debaixo de um chuveiro gelado. Não tinha nada a ver com o que fazia ou deixava de fazer, ou talvez tivesse tudo. Dessa vez ele não tinha ido embora, ela estava muito quente e aquilo para as pessoas comuns era febre, ela tentou dizer que estava tudo bem, mas ele insistiu. Saiu do banho com passos lentos, passando com um vestido leve por um Korone de calça comprida e moletom, ele a observou de longe descer as escadas até um namorado preocupado.
-Você ainda está fervendo... – Azure falou encostando a testa na dela.
-Não é nada, eu vou ficar bem logo. – Mika tentou explicar, sentia a respiração dele no seu rosto e isso era evocativo.
-Eu vou pegar um pouco de gelo pra você... – ele comentou indo até a cozinha, já era da casa, entrava e saia, conhecia todos os cômodos daquele lugar enorme, mas ele não conseguiu sequer sair da sala de entrada.
-Ela não precisa de gelo... – era a voz do Korone, ele havia descido as escadas atrás dela, chegou com passos lentos pela retaguarda e num quase abraçou colocou o braço despido do moletom na frente do rosto dela. – Você não reparou ainda, que quando ela fica quente assim é por que ela quer sangue?
Ele não tinha reparado, era verdade, e olhava a cena dela segurando o braço dele como uma criança que tenta compreender um animal devorando o outro. Os olhos dela ainda estavam abertos e reluziam, o âmbar virando escarlate na sua frente, o rosto corando e as pupilas dilatadas. Não, aquilo não era o que ele esperava ver, não parecia nada com a Mika trêmula que ele vira pela primeira vez se alimentando. Aquela expressão era de deleite. Ele não tinha reparado, para ele até aquele momento, aquela temperatura, não tinha nada a ver com sangue ou fome, era algo igualmente primitivo e animalesco, era antecipação... Por um momento achou que estava errado, mas vendo aquilo, suspeitou que pudesse ser os dois.
-O seu sangue deve ter um gosto muito bom, Korone. Eu só vejo ela com essa expressão... – decidiu ficar quieto, porque falaria que só via aquele rosto poucas vezes, quando estava a sós com ela? Não era da conta dele o que eles faziam. Mas se sentia ameaçado, por aquele homem de sorriso despreocupado.
-Azure... – Mika murmurou pensando em falar algo, mas não tinha certeza ainda do que falar. Já estava com ele há certo tempo, tudo parecia tão natural e comum que naqueles momentos extraordinários, não haviam palavras que se encaixassem.
-Não tem nada a ver comigo. – Korone respondeu – É a sua namorada... Ela provavelmente vai ficar brava comigo, mas já que nós dividimos o tempo dela acho que eu posso dividir isso com você...
Do que ele estava falando? Ele estava com uma expressão maldosa e ela sentiu o calor em seu corpo sumir por completo dando lugar ao gelo do medo e da apreensão. Ela temia que soubesse o que ele ia falar, talvez ele já soubesse, como Ângelo sabia... Azure ia saber também? O sangue de seu pai pulsava nas suas veias, queria fazer ele calar a boca, mas tudo que conseguiu foi assistir Korone sentar folgadamente no sofá.
-Você sabe o que é a paixão dos vampiros? Eu nunca soube muito sobre eles ou me interessei, mas depois de morar com uma você acaba descobrindo algumas coisas sozinho.
-O que você acha que eu devo saber sobre a minha namorada que eu já não saiba, Korone? – Azure parecia bravo, ela entendia, Korone achava divertido. E assim os sentimentos giravam como um redemoinho que mais tarde afogaria alguém.
-Me interrompa se eu estiver errado, Mika. Quando um vampiro bebe o sangue de uma pessoa pela primeira vez é doloroso, muito doloroso. É como um mecanismo de defesa que ensina as outras pessoas a se afastarem. – ele lembrava bem da primeira vez que ela o mordeu, não tinha sido nada agradável – No entanto da segunda em diante eu não apenas me acostumei com isso e os ferimentos saravam mais rápido...
-Korone... – Mika murmurou o nome dele de cabeça baixa.
-Além dessas pequenas vantagens e o fato do sangue de um monstro, assim como a energia de um monstro ser mais nutritiva eu me alegro em dizer que é uma sensação de puro êxtase. – ele sorriu, o sorriso canalha que tenta dizer aos outros que eles são idiotas.
-Que bom pra você. – foi tudo que Azure respondeu começando a andar na direção de Mika que continuava olhando o chão.
-Pra nós. – Korone corrigiu.
-Nós? – Azure franziu o cenho.
-Ela até que se controla bem, eu admito. Mas você viu os olhos dela, namoradinho? Eu não sou o único que tenho bons momentos com isso. – Azure não falou nada, cerrou os punhos e ficou calado. Mika não conseguiu interromper, ele não estava errado. Korone parecia maravilhado com a atual situação que causou – Não se preocupe, eu tenho certeza que se um dia ela deixar escapar é o seu nome que ela vai gritar. Azu...
Pode-se dizer que o soco veio do nada, mas naquele caso vinha de tudo. Das provocações de Korone e dos punhos cerrados de Azure que só queria que ele calasse a boca, em resumo era o mesmo que dizer para ele que estava sendo traído desde sempre, por mais que no sentido literal humano não estivesse sendo. Era só um jogo de palavras e significados, Korone não retribuiu o golpe, apenas massageou o rosto onde o outro havia socado.
-Eu também tenho outra teoria. Essa relação de sangue e dor deve ser algo cíclico, pelo que eu tenho observado nos últimos tempos...
-Porque você não cala a boca? – Azure já ia dar outro soco quando Mika o segurou com um abraço. – Mika...
-Como eu estava dizendo, sócio. Ela sente prazer quando bebe sangue, mas tem o outro porém... Essa febre é porque quando ela sente prazer, ela tem vontade de beber sangue. E eu notei tudo isso depois que vocês começaram a sair juntos, não é interessante?
-O que tem de interessante nisso? Você é sádico por acaso? – Azure perguntou rangendo os dentes. Ele acabou se soltando e saindo da casa, Konore deu uma risada sem alegria e se deitou no sofá ainda massageando onde levou um soco.
-Porque você fez isso? – Mika perguntou, o corpo gelado e tremendo.
-Era o que você queria, não era? – ele respondeu. – Cada dia você o afastava mais cedo, se trancando no chuveiro gelado tentando se controlar. Procurando uma desculpa pra manter ele longe antes que você acabasse fazendo o que não queria. Agora você não precisa de uma desculpa, eu já dei motivo suficiente pra ele não se arriscar. Mika...
-O que?
-Você sabe melhor que eu... Se você perder a razão e eu não estiver por perto, você acha que vai poder parar antes que o coração dele congele? Você vai conseguir parar de beber antes de levar embora o último sopro de calor do corpo dele?

13. Sorriso

Nervosismo não combinava com ela, tanto que de tantas pessoas estressadas subindo e descendo, correndo e tremendo, ela era aquela que não se encaixava no contexto, sentada num canto relendo as letras. O mês correu e lá estava ela, algumas músicas junto com o resto do coro, um dueto e um solo. Azure também cantava, cantava com ela no dueto, não havia nada de especial na voz dele além do fato que depois de cantar ele só falava sussurrando por algum tempo. A voz dela não tinha nada de especial também, tirando o fato de que não ia matar ninguém de dor acabava por aí. Trilha sonora ao vivo, essa era a idéia do projeto da nova peça teatral, ficava pensando se daria tudo certo.
-Já fez o aquecimento, Mika? – era uma garota que tocava o violino perguntando.
-Não...
-Então é uma boa hora pra fazer, começamos em dez minutos. – ela avisou saindo correndo escada acima.
Era um teatro comum, enquanto a peça se desenvolvia no palco o instrumental ficava na frente da platéia, por fim o coro ficava no fundo, tudo com o amparo de caixas de som e outras coisas que Mika ignorava onde e como estava ligadas. Azure logo veio se juntar a ela, ficou ali com a cabeça recostada no seu ombro calado, ela já sabia que ele estava nervoso, o coração dele saltava como se ele tivesse acabado de correr uma maratona, ficou quieta também repensando nas músicas.
-Vamos então... – Azure murmurou ao ouvir a chamada pro coro antes que a platéia começasse a entrar.
-Vai dar tudo certo. – Mika falou apertando de leve o braço dele enquanto caminhavam, aquele mero toque fez o sangue dele fluir mais devagar. Como um animal sendo amansado.
Dali de cima ela podia ver as pessoas entrando, Beau e Ângelo estavam no centro da platéia, lugar bom tanto para o som quanto para a visão do palco. Esperava que Korone estivesse com eles, mas não estava. Soltou um suspiro de alivio até que seus olhos o encontraram num camarote, o alivio virou vontade de dar risada vendo que certas coisas nunca mudam. Uma loira com vestido sem alças fazia companhia para ele, muito bonita e parecia empolgada com a peça, nunca a tinha visto antes, assim como nunca vira a maioria das garotas com quem ele saía.
-O que você está olhando? – Era a voz de Azure no seu ouvido, lhe abraçando com carinho. Quase uma criança pedindo colo.
-Estava vendo quem eu conhecia na platéia.
-A Beau veio com o Ângelo, não é? Eles formam um casal bonito...
Azure comentou de maneira displicente, Mika apenas sorriu imaginando se ele diria a mesma coisa se soubesse que os dois eram demônios. O espetáculo começou com música instrumental, como muitos outros começavam, então no meio da música de abertura tudo se cala antes que a música pareça ter chego ao fim, algumas palavras são jogadas ao ar pelos atores e a cena congela. A música continua com as vozes do couro e assim acaba a abertura, todos aplaudiram quando as luzes se apagaram por alguns momentos para depois reacender, todos menos Korone. Azure o viu do lugar onde estava no balcão e não queria imaginar onde estariam as mãos dele naquele momento, virou-se para olhar Mika que sorria esperando sua vez, pedia mentalmente que tudo ficasse bem com ela havia dito.
-Venha comigo! – um personagem chamava – Você não pode dizer não...
-Não, não, não! E mais um não! – a outra respondia.
-Não importa o que fala, ou o que deixa de falar. Eu sei o que você esconde...
Nesse trecho o olhar de Mika foi até Ângelo, quase como um deja vu, depois a cena continuou e seu olhar buscou Korone no camarote, a loira estava de olhos fechados e rosto virado para o teto. Korone estava de costas para o palco, o rosto sobre o ombro dela e os olhos apontados na direção de Mika, um sorriso. Um sorriso despreocupado como só ele sabia sorrir, a garota virou o rosto até notar que a música recomeçava, era o solo dela. Deja vu mais uma vez, nunca tinha pensado muito na letra daquela música antes.
-Não diga mais nada que eu já não quero ouvir. Eu sei que essa tristeza é sua desculpa pra sorrir.
Era uma música que falava sobre mentiras, sobre enganação e fingimento. Máscaras que as pessoas colocam, sorrisos para fingir que não são tristes, lágrimas pra dizer que ainda não são felizes! Palavras cruéis tentando dizer que ama, gestos doces quando na verdade pretendia ferir. Música sobre mentirosos, uma sensação estranha de familiaridade, mas enfim era apenas uma música. Seu olhar acabou passeando enquanto cantava, foi parar no camarote. O mesmo olhar na sua direção, o mesmo rosto, mas o sorriso havia sumido. Fechou os olhos.
-Mika, todos estão aplaudindo de pé!Era a voz de Azure no final da peça, único momento em que tornou a prestar atenção nos arredores, a platéia abaixo aplaudindo os atores no palco. Seu olhar buscou por curiosidade o camarote, a loira aplaudia os artistas na frente, Korone só aplaudia olhando para trás. Sorriso de valentão que atormentava as crianças melhores, despreocupado com tudo, desinteressado com os sentimentos alheios, um sorriso egoísta que você tem vontade de odiar. Mas então por que não odiava?