quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Auf wiedersen

Se você está lendo essas linhas é porque eu não estou mais com você, que pena, afinal eu tinha tanto que ainda queria fazer e nunca fiz. Mas não é hora pra arrependimentos, eles só servem pra quem ainda pode fazer algo sobre isso e eu não posso, meu tempo acabou. Meu tempo com você acabou. Seria uma boa hora pra relembrar os bons momentos, não seria? Falar o quanto eu te amei. Seria, mas não é isso... Quer saber?
Eu sempre fiquei triste quando você mudava de assunto, como se o que eu tivesse pra falar não fosse tão importante. Eu sempre me irritei como você agia como um idiota na frente dos seus amigos, como se tivesse que provar alguma coisa. Eu sempre te odiei, por todas aquelas pequenas manias e defeitos, detalhes banais que se acumulavam como alfinetes pregados nos meus sentimentos.
Por que você sempre teve que fazer tempestade em copo de água? As coisas podiam ter sido tão mais simples, o tempo ter passado bem mais calmo. Mas deixa pra lá, agora o tempo já passou mesmo. Obrigada por ser metade do tempo um idiota, obrigada pelos seus defeitos e pelas passagens só de ida pro purgatório, assim fica muito mais fácil agora para eu dizer adeus...

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Strap Up


Hold on tight, strapped me up...
Hang in there, as long as you can.
Twisting my face, messing my mind, hurting my core...
It'll all be over soon, that's what they always say.
But as long as you shall live,
I can't sleep and I'm barely awake.
Barely warm in your bed, barely alive on my body.
Strapped me up so I wouldn't run, bit my lips so I couldn't scream.
Twisting my face, you disgust me.
Messing my mind, let it end there.
Hurting my core, get off of me!
It'll all be over soon, because the ropes got slashed.
It'll all be over soon, I'm sick of you in here...
It'll all be over soon, just let me kill you, my dear.
Segura firme, me amarra.
Aguente firme, enquanto puder.
Contorcendo meu rosto, bagunçando minha mente, machucando meu interior...
Vai acabar logo, é o que eles sempre dizem.
Mas enquanto você viver,
Eu não posso dormir e mal estou acordada.
Mal estou quente na sua cama, mal estou viva no meu corpo.
Me amarrou para eu não correr, merdeu meus lábios para eu não gritar.
Contorcendo meu rosto, você me dá nojo.
Bagunçando minha mente, deixa acabar aí.
Machucando meu interior, sai de cima de mim!
Tudo vai acabar logo, porque as cordas foram cortadas.
Tudo vai acabar logo, estou cansada de você aqui...
Tudo vai acabar logo, só me deixa te matar, meu querido.

sábado, 25 de outubro de 2008

Treze é azar...

XIII
Quando eles voltaram para o salão já era tarde, pouquissimas pessoas estavam por lá, mas Keith permanecia com uma expressão preocupada e ele não pode deixar de notar o modo cansado com o qual ela se movia ou então como certas posições pareciam desconfortáveis como se sentisse dor, loiro intrometido, Lochan só ia se despedir e agora provavelmente teria que perder tempo ao ver o estudante se aproximar. May abraçava um de seus braços de maneira carinhosa quando o outro se aproximou, ela deu um sorriso menos que educado e meneou a cabeça.
-Senhor podemos conversar a sós? – Keith pediu diretamente.
-Não há necessidade, pode falar aqui mesmo. – o outro respondeu ligeiramente entediado e sonolento, apesar de não parecer nem minimamente cansado.
-Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas recuso-me a aceitar que uma dama pague por uma indisposição que eu possa ter causado... – Lochan começou a dar risada notando a intenção cavalheiresca do século treze do dito cujo Lancelote. – Não vejo graça senhor.
-Não há nenhuma indisposição, Keith. – May falou recostando o rosto no ombro de Lochan, seus olhos pareciam cumplices dos demôniacos do homem. – Obrigada, mas não preciso de sua preocupação.
-May eu achei que...
-Que ele me agredia, ou algo assim? – ela perguntou sorrindo. – Por favor, não tire conclusões precipitadas.
-Pense comigo, aluno de intercambio. – Lochan propôs beijando a lateral dos lábios de May depois se virando para o aluno – Se você ama ao ponto de enciumar-se, ama muito. Se ama muito, por que destruir quem amas? Não faz sentido...
-Acontece sempre, com muitos.
-Não sou como muitos. – Lochan falou dando um tapa no ombro do outro como dois colegas fazem ao encontrar-se em corredores – Sou como poucos. Mas obrigado pelo interesse, agora se nos dá licença tenho que levar May para casa.
Keith abriu e fechou os lábios, ele imaginava o que ele poderia querer dizer, talvez chamar May para longe e dizer que se precisasse podia contar com ele. Não ia acontecer, de alguma forma May era uma garota frágil sob suas mãos e forte o bastante para suportar seu genio e maneirismos, uma em centenas. Fred os esperava para os dirigir até em casa, o caminho todo ele foi a acariciando como a um gatinho, ela retribuia com beijos e sorrisos que ele guardava na memória.
-Amanhã vou precisar de sua ajuda, Fred. – ele avisou o motorista. – Preciso me livrar de algumas coisas...
-O que, senhor?
-Pastas e albuns, arquivos velhos. – Lochan falou e May se ergueu para olhá-lo.
-Vai jogar tantas décadas fora? – ela perguntou o encarando numa mistura de felicidade com alguma outra coisa que ele não reconheceu.
-Não sou mais criança para fazer coleção de fotos de mulheres bonitas. – ele falou a puxando de volta para seu abraço, levantou sua mão e mordeu seu pulso – Além do mais eu já tenho você...
-Vai ser um prazer ajudá-lo, senhor. O que pretende fazer com essas coisas?
-Leve para algum lugar que recicle papel os arquivos, o resto jogar fora claro.
-Estarei a disposição pela manhã, senhor...
-Obrigado, Fred.
Nem notou que já estava em casa, nem soube como ou quando acabara de tomar banho e fora parar na cama, May deitada sobre seu peito, ele brincava com os cabelos dela como da primeira vez que ela dormira ali, já se acostumara e ela encaixava tão bem no seu abraço que era natural e confortável. Sentiu ela se mexer, parecia partilhar de sua insônia e seus olhos brilhavam na escuridão.
-Volte a dormir... – ele falou a encarando.
-As pessoas sempre fazem o que você manda? – ela perguntou o beijando.
-Quando elas sabem o que é bom pra elas...
-E se eu não quiser? – ela perguntou sorrindo, ele sorriu de volta com toda sua maldade.
-Está tentando me provocar, sua pervertida? – ele a empurrou para o lado na cama, ela deu risada e voltou a abraçá-lo, ele não conseguiu evitar sorrir também.
-Não é isso. Só estava pensando que eu sempre faço o que você quer...
-Algo a incomoda? – ele perguntou sério.
-Não. Nada disso. – ela falou o apertando um pouco mais. – No fim eu quero o mesmo que você.
-Quando a vagabunda morrer eu vou casar com você, May... – ele murmurou voltando a brincar com os cabelos dela.
-Não fala mais nela... – ela falou se levantando e ficando por cima dele, pos as mãos sobre os ombros o encarando. Ele se divertiu com a cena, era a primeira vez que era ela que tentava acuá-lo – Eu não quero suas mãos em outra mulher, eu não quero seus olhos em outro olhar e eu definitivamente não quero outro nome na sua boca...
-Se não? – ele perguntou a vendo se aproximar, ela falava sério.
-Nunca me deixe com ciúmes, meu amor. – ele deu risada e a puxou a beijando.

Doze meses tem um ano...

XII
Ela nunca tinha ido até ali antes, sabia que a empresa dele era dona do prédio, um hotel de luxo, mas nunca tinha ido até ali apesar de já terem jantado no restaurante. A cobertura era um apartamento da mais alta classe, cheia de fotos em porta-retratos, todas da mesma mulher morena que aparentemente gostava de vermelho, caía bem nela. May sentiu um arrepio lhe subir a espinha quando desceu do elevador e assistiu Lochan ir se servir de uísque de um dos armários como se estivesse em casa.
-Você já se perguntou por que eu nunca a pedi em casamento, May? – ele perguntou fechando a garrafa e virando o copo, como ela não respondeu ele continuou – É que legalmente eu ainda sou casado. – e apontou para as fotografias.
-Sua esposa é linda... – Foi tudo que ela conseguiu dizer.
-A minha prostituta é mesmo linda. – ele concorcou e May arregalou os olhos em choque.
-Lochan...
-Não se preocupe, ela não pode ouvir. Venha... – ele a chamou com um gesto de sua mão a guiando pelo lugar – Minha prostituta é tão linda, que o meu ex-sócio não conseguiu manter as mãos fora dela. O resultado foi que eu fiquei sem sócio pouco tempo depois...
-O que aconteceu com eles? – May perguntou com a voz trêmula.
-Você acha que eu os matei? – ele perguntou parando para a encarar, aquele tom e olhar, tudo dizia que sim.
-Não.
-Claro que não, seria bom demais pra eles. – ele falou indo na direção de uma porta, pegou a chave que ficava atrás de uma fotografia emoldurada. – Eu o levei a miséria em pouco mais de três meses, ele acabou suicidando.
-Por que não se divorciou e esqueceu tudo? – May perguntou o vendo virar a chave.
-E deixar ela se livrar? Nunca. Eu faço questão de atormentar ela até o fim da vida, aliás depois de algum tempo ela bem que queria que eu a tivesse matado de ciúmes.
-Por que ser tão cruel?
-Porque eu posso. – foi o que ele respondeu abrindo a porta – Não que eu goste, mas eu posso...
-Meu Deus... – ela levou as mãos aos lábios.
O quarto era bonito, parecia ter sido decorado cuidadosamente e era bem cuidado, mobilias que eram verdadeiras antiguidades, ela notara pelas fotos a época discrepante, tanto retro contrastava com o soro e os monitores cardiacos ao lado da cama. Uma senhora, já idosa deitada, rugas e cabelos brancos, mas ainda guardava algum ar de sua graça, parecia bem cuidada.
-Olá, minha puta... – ele cumprimentou tocando de leve as mãos da velha que acordou, o olhou com o olhar mais pesado de dolorido que May jamais vira. – Ela já não é mais tão bonita. Foi minha primeira mulher...
-Como pode, todo esse tempo... – ela não queria entrar no quarto.
-Você sabe o que é descobrir que a mulher que você ama não chega nem ao menos a ser um tipo aceitável de ser humano e não conseguir deixar de amar ela? – Lochan perguntou acariciando a cabeça da mulher que começou a chorar. – Shhhh, não se preocupe Marie você não vai viver muito mais tempo, logo você vai poder descansar em paz. – ele se virou para May com um sorriso – A coitada parou de sair de casa um mês depois do suicidio, eu a atormentei tanto que em um ano ela não falava mais. Mas eu cuidei para que ela vivesse por todo esse tempo...
-Eu pensei que você tivesse dito que a amava. Como...? – ela queria fazer perguntas, mas sentia um nó desconfortável na garganta.
-Eu a amei sem dúvida, mesmo depois de todas as traições. – ele falou se sentando ao lado da esposa na cama, segurava a mão dela entre as suas, mas seus olhos estavam em May, parecia uma criança por um momento. – Amar, sempre. Perdoar, nunca. Ela é um aglomerado de caracteristicas que eu odeio, então eu decidi que não ia gastar sequer um dia da minha vida até encontrar uma mulher que merecesse meu amor num nivel aceitável...
-Então você...
-Eu procurei... – ele falou sorrindo – Por décadas até achar você, May. Você que além de tudo fica horrivel de vermelho... – ele deu risada por um momento.
-Você não envelheceu que nem ela, porque passou esse tempo todo sem viver... – ela comentou com uma risada nervosa, remexia seus cabelos e ajeitava a saia, se aproximou um passo. – Lochan...
-Você me deu uma perspectiva de vida, May. E eu quero viver essa vida com você, mas você precisa saber que você me pertence.
-Eu sei disso, meu amor... – ela falou o abraçando junto ao peito, lágrimas escorriam de seus olhos por acidente.
-Eu morro de medo sabia? – ele perguntou largando a mão da vagabunda e abraçando sua doce amante pela cintura. – Desde aquela época eu morro de medo de me enganar, por isso eu calculo, análiso... Eu morro de medo de perder a mulher que eu amo e isso me irrita ao ponto do ciúme me entortar os pensamentos.
-Não precisa ter medo... – como ela podia consolá-lo? Pensara em apresentá-la a prostituta já há algum tempo, achara que ela ia ter medo, chorar, querer fugir. Mas ela o consolava ao invés de temer. – Você não vai me perder... E eu não quero perder você também.
-Perder? – ele falou rindo. – Eu não te deixaria fugir nem que você quisesse... – ele olhou de soslaio para a velha na cama, ela chorava. – Já não percebeu?
-Eu não sou ela, Lochan... – May falou o puxando pela mão, era a primeira vez que sua voz era tão séria, o afastou da cama – Pare de análisar e comparar, eu não sou ela.
-Eu sei disso.
-Isso é passado, já está na hora de você enterrar ele. Você é meu agora... – ela o beijou, como podia... Como podia? Sem medo, sem remorso. Ela estava tão segura assim do que queria? Ótimo, já era tarde para se arrepender. A porta fechou depois dela tirá-lo de lá, o apito inconstante do monitor cardiaco virou um apito único e continuo. – Não me importo se é até que a morte nos separe...
-Não, May. – ele falou dando risada, socou a fotografia na parede ao lado quebrando o vidro, seu olhar fixo nos olhos de madeira dela. – Nada nos separa, é tarde demais.

Onze vezes, onze meses...

XI
Era a primeira vez em décadas que ele passara tanto tempo com uma mulher, May mudara, ou talvez estivesse apenas a conhecendo cada vez melhor e apesar de pequenos detalhes insignificantes sua conclusão era a mesma: aceitável. Até a convidara para uma festa, quase todas as pessoas com que ele convivia estavam lá, até seu secretário que apenas nessas ocasiões era chamado por seu nome, Paul, e aparentemente tinha uma noiva loira adorável com jeito de dona de casa e voz baixa. May estava linda, ele podia notar no vestido azul, definitivamente se sentia mais tranquila, quase nunca mais a viu puxar a saia como quem a arruma.
-Lochan, bom vê-lo. Lembra do meu marido, Stuart? – Amelie apresentou soprando a fumaça do seu cigarro para o lado, May não sabia que eles trabalhavam juntos até aquele dia. Amelie era do departamento de recursos humanos.
-Claro, um prazer revê-lo. – Lochan cumprimentou, May sentia um nó na garganta, como conseguia sorrir tão cortesmente para o marido que ele ajudou a trair, olhava de Amelie para Lochan. – Permita-me apresentar, esta é May.
-Muito prazer, May. – Amelie fingia nunca tê-la visto antes, ela concordou com um aceno de cabeça enquanto murmurava: prazer. – Nunca pensei que veria o dia em que alguém ia fisgar o empresário mais impessoal que já vi. Achei que você não tinha um coração, Lochan.
-E quem disse o contrário? – ele perguntou com um sorriso maldoso, May não sabia se era uma piada ou afirmação, mas sorriu mesmo assim. Às vezes sentia que ela dele, mas não tinha certeza se a reciproca é verdadeira. – Se me dá licença, Stuart, posso roubar sua mulher? Negócios...
-Claro. Desde que ela volte inteira. – o homem falou, parecia o tipo de pessoa boa e estúpida.
-Com certeza. Eu a vejo depois, May... – e deu um beijo no ombro dela, uma de suas manias. Era seu jeito de ser carinhoso, assim como era seu jeito de dominação lhe morder o pulso.
Se distraia fácil em seu mundo de corporações e funcionários, se distraia facil ao ponto te por um instante ter perdido May de seu campo de observação. Quando a encontrou de novo estava com alguém que não trabalhava para ele e que não se apresentara ainda, análisou o homem desde o cabelo pálido até as expressões débeis de quem sabe muito pouco sobre quase nada, os olhos da cobiça lhe davam o toque final do qual ele precisava para desprezá-lo.
-Se divertindo, meu amor? – ele perguntou com seu tradicional sorriso quando se aproximou, May sorriu e já ia apresentar o outro quando ele entrecortou. – Lochan, muito prazer...
-Keith. – o outro se apresentou de maneira que devia ser cavalheiresca, mas Lochan não notou.
-Então senhor Keith, a festa lhe agrada?
-Muito, estava falando a May como não tinha dessas em meu intercâmbio.
-Estudou no exterior? – Lochan perguntou com fingido interesse, May conhecia aquele tom de voz e já começara em seu modo de defesa por encolhimento.
-Por cinco anos, com todo respeito sentia falta de mulheres como a May. É dificilimo conseguir conversar com estrangeiras... – a garota quase empalideceu.
-Muito lisonjeiro de sua parte. – foi a resposta de Lochan, com um sorriso que faria o próprio diabo o achar muito mal, se virou para May dando um gole em seu champanhe para molhar a garganta – Não é mesmo, May? – ela apenas meneou a cabeça.
-Perdão, cometi alguma indelicadeza? – Keith perguntou preocupado.
-Se nós da licença. – Lochan escusou-se segurando a mão de May apenas nas pontas dos dedos – Vamos dar uma volta, querida?
-Com licença, Keith... – ela falou baixando os olhos enquanto se afastava.
Ele a conduziu por todo o salão, cruzando até os elevadores onde apertou o botão do último andar, mas um piso antes de chegar nele apertou o botão da parada de emergência e quebrou a camera no teto com um soco. May ficou encostada num canto do espaço fechado e largo, animalzinho acuado sob a visão de seu predador que machucara a mão com aquele soco, em situações normais iria cuidar do machucado, naquela sabia que devia ficar quieta o máximo possivel. Os olhos baixos, a franja que crescera ajudando a esconder seu rosto.
-Olhe para mim, May... – ele mandou e ela levantou o rosto timidamente. – Boa garota, vamos conversar.
-Sobre o que? – ela perguntou ainda encostada na parede.
-Que tal sobre como você conheceu um estudante tão simpático? – ele sugeriu.
-Eu estava sozinha no salão, ele me convidou para dançar...
-Na vertical ou horizontal? É uma diferença importante, sabia? – comentários maldosos.
-Eu falei que não. – ela não quis comentar aquilo, só ia piorar as coisas. – Expliquei que eu já tinha dono e ele se desculpou pelo incoveniente, conversamos e só isso...
-Só isso... Só isso... – Lochan repetiu se aproximando e apoiando os dois braços a cercando no canto do elevador, cada braço de um lado do rosto dela. – Então como você encantou ele tanto, minha bonequinha de luxo?
-Eu não sei, não tem porquê você sentir ciúmes, Lochan, eu juro... – ela falou com as duas mãos no rosto dele.
-Então por que eu continuo sentindo, meu amor? – ele perguntou puxando as duas alças do vestido dela para baixo num único movimento violento, recostou o rosto no ombro dela que acariciaca seus cabelos. – Consegue explicar...?
-Me desculpa...
-Você não me responde... – ele falou levantando a saia.
-Não, não consigo... – ela falou sentiu as mãos dele, estavam frias, elas sempre ficavam frias quando ele estava bravo.
-É porque eu te amo, May... – ele falou se abaixando e ela fechou os olhos. – E isso é um direito único e exclusivo meu...
-Aqui não... – ela falou mordendo os lábios.
-Está com medo...?
-Alguém pode querer usar o elevador...
-Alguém pode esperar...
O olhar dele a fez ficar quieta, sentia que se falasse mais alguma coisa ele acabaria lhe rasgando as roupas e nem queria imaginar como acabaria saindo dali. Quando você aceita as coisas do jeito que elas são é mais fácil lidar com elas, May aprendera isso muito cedo, não adiantava lutar contra certas coisas, nunca se imaginara presa num elevador daquele jeito, com aquele tipo de homem e ainda assim... De alguma forma ela acabou no chão, deitada sobre o peito dele que fazia carinho em seus cabelos e lhe amansava como a um bichinho.
-Eu te machuquei muito? – ele perguntou a apertando junto a si.
-Não...
-Eu te amo, May...
-Eu também te amo... – ela respondeu apertando seus braços ao redor dele, então por que se sentia tão mal?
-Que bom... – ele falou beijando o ombro dela e sorrindo. – Desculpe perder a cabeça, eu não consigo suportar a idéia de outro homem... Bem, deixa pra lá.
-Eu já falei, Lochan... – ela falou beijando os lábios dele repetidas vezes, o encarou com aquele olhar puro e constrangido. – Eu não quero nem penso em ser de mais ninguém...
-E isso é melhor pra você do que pra mim, sabia? – ele falou com um sorriso, se levantou e a ajudou a levantar também, liberou o elevador para que ele fosse até a cobertura do prédio onde estava destinado há algum tempo já. – Venha, vou te apresentar alguém...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

X mandamentos

O camarote era apenas deles e todos os outros estavam vazios àquela hora, o resto da platéia estava lá embaixo nos lugares mais baratos, ele fizera aquilo de propósito. Ela parecia animada, nem chegara a metade do primeiro ato e estava inclinada na ponta de sua poltrona com os olhos brilhando para o palco, ela ficava bonita naquela escuridão onde só ele podia vê-la. Seu gênio maligno fez um de seus braços a puxar pela cintura para seu colo, o outro lhe tampou a boca enquanto ela emitia alguém som de dúvida com o qual ele já se acostumara.
-Shhh... O som se propaga fácil aqui... – era um sussurro no ouvido dela, suas mãos se moviam, finalmente ela entendeu o motivo dele escolher aquela roupa. Dissimulado.
-Lochan... – a mão dele deixou seus lábios, estava ocupada, mas as duas dela foram quase num tapa cobrindo sua boca para conter uma exclamação que veio do fundo de sua garganta.
-Cuidado se não vão te ouvir... – ele falou sorrindo, aquele sorriso demôniaco queimava a nuca dela entre beijos.
-Por que? – ela perguntou sentindo a pulsação aumentar, olhava para os lados e o fato de ninguém estar num lugar propicio a observação não a confortava. – Aqui...
-Eu falei, eu quero testar... – ele falou pausadamente, de alguma forma tinha conseguido dessamarrar a parte de trás do vestido dela com os dentes – Não está gostando? Se não estiver eu paro... – ele livrou um dos braços, a abraçou diferente puxando as mãos dela para que não cobrisse a boca. – E então?
-Lo... – ela morde os lábios com força, mas uma nota escapou entre seus dentes, a respiração completamente descompassada. Tentava prender aqueles sons que teimavam em querer fugir de sua garganta. – Aqui não é...
-Eu já falei, é só dizer que não está gostando que eu paro...
Demônio, sabia que ela não ia dizer, sabia que ela estava gostando apesar do constrangimento e do medo. Pobrezinha, não devia ser fácil ficar quieta. E o que acontecia quando os atores calavam seus clamores? Nessas horas qualquer mínimo som chamava atenção, mas ele não parecia se importar. E quando acabasse o primeiro ato? Quando as luzes acendessem, quando... Os olhos dela já tinham perdido o foco.
-Lochan... – era um chamado fraco no ouvido dele, o pescoço exposto e os olhos no teto.
-Tão quente... – ele murmurou a apertando mais perto, sentia as mãos dela em sua nuca, não sabia se o estava apertando ou acariciando, mas não ligava. A pele dela estava queimando, ela não conseguia mais conter os lábios fechados, espiou o rosto dela. – Boa garota...
-Eu...
-Shhhh... o primeiro ato já fai acabar... – ele avisou acariciando o rosto dela, a confortou por um momento deixando ela se acalmar em seus braços. O rosto não ficara corado, nem um pouco apesar de estar tão quente, ele deu risada. – Sua pervertida.
-Você que... – ela começou a falar, mas ele lhe cobriu os lábios com um beijo.
-É, eu também. – ele respondeu bem humorado fechando as costas do vestido dela sem pressa alguma. – Melhor se arrumar antes de ligarem as luzes.
-Isso foi cruel... – ela falou baixando os olhos constrangida.
-Não faça uma cara tão bonita, eu vou querer começar de novo... – a volta do sorriso demôniaco para aqueles lábios a fez se encolher.
-Por favor, não. – ela pediu olhando o fim do primeiro ato.
-Está bem. – ele concordou beijando o ombro dela.
Ela adorou a peça, pelo menos a parte que conseguiu assistir, parecia embriagada e ter esquecido completamente qualquer constrangimento ou maus momentos pelos quais passou. Ele a manteve perto, no alcance as suas mãos e até evitava trocar de marcha para pode continuar segurando ela entre seus dedos, a levaria para jantar fora sem pensar duas vezes em tomar o melhor vinho que tivessem. Queria comemorar de algum jeito, estava feliz pela cor vermelha não se apresentar. Feliz porque diferente da prostituta que por tudo corava com fingido pudor, ela não.
-Está tudo bem? – ela perguntou apertando a mão dele que olhava perdido o vinho tinto, lembranças ruins o tragavam.
-Estou com fome. – ele murmurou pondo a taça de lado.
-Mas acabou de jantar... – ela falou olhando ao redor e abrindo os lábios como se fosse chamar o garçom, ele puxou-a pela mão com força e ela o encarou assustada.
-Quem disse que é essa fome que eu estou falando? – os olhos dele brilharam como os de um predador.
-Você nunca fica satisfeito? – ela perguntou baixando os olhos.
-Não com pouco. – a resposta seguiu-se de uma mordiscada no pulso dela. – Vem comigo...
-Aonde?
-Eles tem um mirante lindo aqui. – ele falou a puxando pela mão.
-O que você está pensando em fazer, Lochan?
-Por que você faz perguntas quando já sabe a resposta? – ele rebateu a pergunta a puxando pela cintura para mais perto.
-Mas alguém pode... – ela falou olhando para os lados enquanto subia as escadas e atravessava a porta de vidro.
-Não é emocionante?

Pausa pro verso...

O colecionador continua no próximo post, por enquanto o assassinato das histórias infantis segundo a lil, ou massacre dos bichinhos segundo a ce-chan.


Malditos coelhos!

Era uma vez, me contaram bem assim:
Um principe otário e bêbado que coacha.
Uma princesa, uma chata de galocha.
E eles não viveram felizes depois do fim.

Todo dia animados dão bom dia. Oi!
oi céu, oi sol, oi pessoa que eu nunca vi!
Ficam olhando esperando resposta:
Oi idiota, oi vaca, parem de sorrir!

Não sou dentista e não quero ver seus dentes,
não sou psiquiatra pra ter que aguentar dementes.
Vão cultivar um cerebro, criar vergonha na cara,
parar de pensar que você, idiota, é coisa rara.

Desde quando o cara do cavalo branco,
tem uma cinderela pra cada noite?
Desde quando a que perdeu o tamanco,
usa minissaia e top transparente?

Siga o coelho até o país das maravilhas,
durma em pregos e não sobre ervilhas.
Eles vão te mostrar o final feliz,
essa história que ninguém diz.


Ninetails...

IX
Vermelho caía tão mal nela que ele não quis voltar enquanto ela estivesse daquele jeito, dormiu fora de sua própria casa naquela noite, mas não dormiu muito bem. Por que tudo aquilo? Fora um exagero de sua parte talvez, mas a reação também fora exagero dela, ele podia fazer muito pior. Quando chegou de manhã e estacionou seu carro Fred estava estacionado na entrada, apoiado no carro, mas sem May parar rir com ele dessa vez.
-Bom dia, senhor Lochan. – cumprimentou – Não tem ninguém em casa? Toquei a campainha, mas ninguém respondeu comecei a ficar preocupado.
-May deve estar no banho... – Foi tudo que ele falou enquanto girava a cabeça no pescoço, o colchão no qual dormira era ruim. Queria um banho também. – Não vamos precisar de você hoje, Fred. Tire o dia de folga.
-Sim, senhor...
Ela não estava no banho, mas estava com os cabelos molhados, sentada no sofa encolhida olhando para o nada, as olheiras indicavam que ela não domira naquela noite. Por algum motivo sádico ele sorriu enquanto se aproximava, mas ela não se mexeu nem virou para olhar ele, começou a falar quase como um gravador, a voz não tinha o tom vívido e animado da May de sempre. Ela tivera uma noite dificil, dava pra ver perfeitamente e ele entendia apesar de não sentir nada em particular.
-Ciúmes nunca, eu lembrei. – ela falou abraçando as próprias pernas, o queixo nos joelhos como um bebê encolhido – Eu lembrei depois que você foi embora...
-Ciúmes é algo muito ruim, sentir algo assim do Fred é pior ainda. – ele falou sentando ao lado dela, o alegrava ela ter lembrado, se ela o tivesse feito antes não teria tido uma noite tão ruim – Me irrita você nunca ter conversado tão feliz comigo...
-Me desculpe... – ela falou se encolhendo ainda mais.
-Shhhh... – ele falou abraçando ela como quem conforta uma criança – Está tudo bem agora, eu odeio quando você chora.
-Eu não choro mais. – ela prometeu abraçando ele.
-Boa garota. Vermelho não é mesmo a sua cor... – ele pegou ela no colo, ela sempre foi tão leve? Tão frágil... Sim ela era. – Vai pegar um resfriado com o cabelo assim, eu seco ele pra você.
-Lochan...
-Pode falar, May... – ele falou com a voz tranquilizadora enquanto carregava ela.
-Eu não... Eu não quero mais te deixar bravo, eu te amo muito...
-Eu sei.
Ela estava mesmo muito nervosa, ficou consolando ela por um bom tempo até que ela pegasse no sono, precisava descansar para se recuperar. Tomou um banho demorado e quando voltou para o quarto a viu encolhida agarrada nos lençóis com força: queria tanto assim ele? Sorriu e a deixou dormir mais um pouco, ela devia estar com fome quando acordasse, ia cozinhar algo para ela. Ele era um cara compreensivo, agora que estava tudo resolvido podia ficar no passado, separou e preparou os ingredientes e depois começou a fazer o café-almoço. Ouviu os passos apressados e notou o rosto de alivio de May ao vê-lo arrumando a comida nos pratos.
-Achou que eu tinha sumido? – ele perguntou rindo.
-Senti sua falta na cama. – ela falou indo até ele e o abraçando apertado.
-Está com fome?
-Hunhum... – ela concordou sonoramente se sentando. – Não vai trabalhar hoje?
-Não. Eu vou levar você para assistir uma peça de teatro. – ele falou com um sorriso.
-Qual? – ela perguntou provando a comida.
-Otelo. – ela quase engasgou, ouvira falar da peça. – Está ruim?
-Não! Está uma delicia. – ela falou sorrindo. – Muito obrigada...
-Se preferir podemos ver outra coisa... – ele falou com um sorriso maldoso, seus olhos brilhavam.
-Não. Eu sempre quis ver alguma peça de shakespeare...
-Os fins tendem a ser trágicos, mas é um mal dos românticos. – ele falou se levantando, parou atrás dela lhe massageando os ombros – Amor tão imenso e intenso, consequências cruéis. Me diz, May.
-O que?
-Você acha que há vida depois do amor? – ele perguntou sério a abraçando.
-Lochan... – ela tremeu nos braços dele.
-Estou te assustando? – ele perguntou a apertando um pouco mais.
-Não, eu só acho... que não há vida sem amor. Enquanto...
-Enquanto?
-Enquanto você me amar... – ela falou virando o rosto para encará-lo, olhos lacrimaqueados, mas não estavam vermelhos, era lindo. – Eu vou viver pra você...
-Gostei disso. – ela estava tão perdoada.
Ajudou ela a escolher o vestido, um que só ia até os joelhos, tudo friamente calculado e os sapatos combinando, fez ela prender o cabelo para trás, queria o pescoço livre, queria ver o sangue dela pulsando pelas artérias. Tirou uma caixa de seu casaco, um colocar de ouro com um pingente simples de flor com uma pedra preciosa no meio, ela sorriu e agradeceu, eles conversaram durante o caminho, tudo parecia de volta ao normal, mas aquele sorriso maldoso persistia em seu rosto.
-May, você nunca cora quando fica constrangida? – ele perguntou a acompanhando para fora do carro.
-Não que eu saiba, talvez se for algo muito constragedor. Por que? – ela perguntou apertando as alças da bolsa, outra mania dela.
-Eu queria testar isso. – ela encolheu os ombros, ele apenas deu risada. – Não é melhor? Assim eu sei quando parar pra você não ficar com aquela cor horrivel...
-Lochan...

Oito ou Oitenta...

VIII

O tempo passara num embalo diferente, aos poucos ia conhecendo mais e enquanto ela dormia escrevia tudo, fazia seus exercicios, ia trabalhar e ela virava parte de seu cotidiano. Mas não era fácil, ele não conseguia evitar procurar defeitos, depois de tantos anos acostumados com o inaceitável, agora que achara o aceitável era dificil acreditar, começou a pensar que era questão de tempo até que acabasse descobrindo que se enganou. Mas duas semanas depois ela ainda estava em casa e ele em seu escritório pensava se voltava mais cedo ou mais tarde. Acabou decidindo chegar mais cedo, de surpresa, mas quem ganhou a surpresa foi ele. Na entrada da casa recostados no carro May e Fred, dando risada e conversando de maneira descontraída.
-Boa tarde, senhor Lochan. Chegou cedo... – Fred cumprimentou.
-Tarde. Acabaram de chegar? – ele perguntou retirando o casaco, antes de tirar o casaco ele guardava o ar profissional e frio do mundo capitalista, May sempre o achava um tanto quanto frigido antes de tirar o casaco.
-Não, levei a senhorita May para comprar uma roupa de banho, mas acabamos conversando e perdemos a hora aqui. Com sua licença, já vou indo, senhor. – Fred se despediu, May foi até Lochan para o abraçar, mas ele desviou e passou reto.
-Lochan... – ela o seguiu para dentro de casa. – Algo errado no trabalho?
-Não. – teve vontade de perguntar se o motorista a achou bonita em sua nova roupa de banho, mas conteve a malicia dentro de seus lábios.
-Eu fiz algo errado? – ela perguntou colocando a sacola de compras sobre a mesa e o encarando em busca de uma explicação.
-Você lembra de quanto eu falei: até as últimas consequências? – ela simplesmente meneou a cabeça que se lembrava – E na piscina, você lembra? O que você nunca deve fazer...
-Do que você está falando?
-Não diga que não lembra. – ele tirou a camisa em seguida, a empurrou na parede a encarando, aquele olhar maldoso, mas sem o sorriso. – Eu estava olhando assim pra você, não lembra?
-Me desculpa...
-Pelo que? – ele perguntou a pressionando contra a parede, não com força o bastante para marcá-la o machucá-la, mas pelo simples prazer sádico de prensá-la até suas memórias sairem, como suco de uma laranja. – Como você pode pedir desculpas sem saber pelo que pedir? Me fala, May. Desculpa pelo que?
-Eu não sei... – ela falou cobrindo o rosto, não queria ver aquele olhar devorador para ela.
-Não precisa ter medo, eu prometi que aquela era a primeira e última vez que eu ia te machucar, então eu não vou te bater. – ele levantou o rosto dela com uma mão enquanto segurava as mãos dela longe com a outra, ela lembrou daquele dia quando chegara das compras. Então era isso que ele tinha prometido? – Eu não vou nem tocar em você até você lembrar...
-Lochan... – ela tentou segurar ele, mas ele empurrou suas mãos se afastando, era a primeira vez desde que o conhecera que ele a fazia chorar. Não estava acostumada com aquilo, lágrimas escorrendo.
Só tinha um problema em não tocar ela, depois de tantas décadas seu estilo de vida podia ser considerado ninfomaniaco, mas não ia tocá-la. Não até ela lembrar, ai podia pedir desculpas e implorar, mas não antes disso, tinha que arranjar outro jeito de se distrair. Fora tão gentil, mas agora era hora dela entender que sua gentileza tinha condições e limites, sua bondade está intrinsecamente ligada as ações dela e reações dele. Até gastara tempo com uma mulher descartável e sem qualidade na primeira noite, só para se cansar e não a machucar muito, tão atencioso e preocupado.
-Se não tem nada a dizer não fique me observando. – ele falou para May que estava de pé na entrada da sala o olhando no sofá lendo o jornal.
-Eu... – ela murmurou num quase soluço, foi andando com passos lentos como quem vai pra forca, ele observou apaticamente aqueles movimentos deprimentes. – Eu faço qualquer coisa, mas por favor... Não me odeie.
-Eu devia sentir pena agora? – ele perguntou olhando para o rosto pálido dela. – Eu não sinto pena esqueceu? Eu ODEIO pena. – por que ele tinha olhos tão maldosos?
-Não... Eu só não quero que você sinta raiva de mim... – ela falou se ajoelhando na frente dele, os cabelos meio bagunçados, provavelmente de tanto ela mexer neles.
-Então você já lembrou? – ele perguntou baixando o jornal, ela fez que não com os olhos, voltou a erguer o jornal cobrindo seu rosto – Então pare com esse teatro e vá dormir, quem sabe o que lhe falta é sono.
-Por que você não me diz? – ela perguntou se levantando e indo na direção dele com as mãos.
-Não! – ele gritou abaixando o jornal de uma vez. – E não me toque, ou eu vou fazer você se arrepender.
-Lochan... – ela recolheu as mãos, os olhos vermelhos de lágrimas. Vermelho caía muito mal nela, não estava gostando daquela visão.
-Não me incomode mais com isso e não tente me fazer voltar atrás. Nem me toque a menos que eu a toque primeiro.– ele se levantou, pegou as chaves do carro e o casaco na entrada.
-Aonde você vai?
-Eu conheço algumas mulheres, que lembram dos meus gostos e desgostos. Se bem me lembro elas têm as noites livres, pelo menos pra mim... – ele sorriu, um sorriso maldoso e ela sabia exatamente o que ele significava – Não me espere acordada, querida.

Sete vidas tem o gato...xD Ou eram nove? =X

VII

-Esse lugar não é meio exagerado pra um café da manhã? – May perguntou olhando o cardápio do restaurante, nunca poderia ter imaginado comida tão cara na sua vida.
-Você acaba se acostumando. Fiquei surpreso de ter gastado tão pouco aquele dia. – Lochan murmurou por trás do cardápio, depois virou pedindo ao garçom o que queria.
-Não é pouco... – May falou baixando o rosto. – Muita gente nem sonha com tanto dinheiro.
-Já que neste caso não é sonho e sim realidade, eu acho que você devia se acostumar.
-Mas parece tão fútil... – ela falou o olhando com receio, ele fechou o rosto. – Não que não seja tudo maravilhoso, é mas...
-Mas você tem uma alma humanitária. Se está tão preocupada com os miseráveis doe dinheiro pra caridade. – Lochan falou impaciente.
-Você acha isso estúpido?
-Não. Eu dôou milhões todos os anos, ajuda a abater impostos. – ele falou de maneira tão profissional que ela sentiu uma onda capitalista rodeando a mesa.
-Só por isso...?
-Está pensando que eu devia me importar? – ele tomou um gole de água que ficava na mesa a disposição. – May, pena é o sentimento mais inútil do mundo. Se as pessoas não sentissem pena, talvez deixassem suas emoções de lado e através de pensamentos lógicos começassem a resolver as coisas ao invés de chorar pelos problemas.
-Esse é um jeito frio de ver as coisas. – ela comentou ao mesmo tempo que agradecia ao garçom que acabara de chegar com os pratos. – Pena é uma prova de compaixão, sem compaixão ou outros sentimentos... Não seriamos diferentes de máquinas. Onde estaria a graça na vida?
-Não tenho problemas com sentimentos, só com pena que é inútil.
Ela não conseguiria convencê-lo nem em mil anos, estava muito desacostumada com aquele mundo dele que mal conhecia, tateava ao redor como uma cega tentando se encontrar, mas parecia em vão. Tudo era caro, apesar de para os sentimentalistas parecer sem valor, tudo era organizado e simples, sem a tontura das surpresas e emoções inesperadas. Ele vivia uma vida calculada, ele calculava tudo. O que era para ser um dia para eles passarem juntos se divertindo, parecia ter começado do jeito errado. Ela começava a mostrar detalhes que ele discordava, mas era uma boa garota e parecia entender depois que ele explicava.
-Lochan? É você? – era uma madame, roupas caras e brincos enormes. – Não acredito! Você não mudou nada...
-Desculpe, a conheço senhora? – ele perguntou desinteressado.
-Barbara. Steinholt. Não se lembra de mim? – o cabelo perdera o brilho e pequenas rugas lhe cresceram no rosto, mas lembrava dela.
-Deveria? – ele perguntou maldosamente, May começou a ajeitar a saia.
-Os anos não foram tão gentis comigo quanto com você, mas... Sempre me perguntei onde estaria e com quem... – ela falou de maneira passional, olhava para May com certa inveja.
-Não devia, não é da sua conta. – ele respondeu tomando sua bebida. Ela saiu com passos apressados de perto, o salto fazendo um barulho irritante e lágrimas lhe caçando as órbitas dos olhos.
-Lochan!
-Pois não? – ele falou levantando o rosto com um sorriso, o rosto de May mostrava pena, isso não era bom. Ele odiava pena, sentimento inutil.
-Você não precisava ser tão frio com ela. Ela parecia gostar muito de você... – May comentou olhando a mulher que partia.
-Quer que eu seja gentil? A abrace e console? Convide para jantar?
-Não é nada disso, Lochan. – May falou desviando os olhos, ele parecia caçá-la com o olhar, espreitá-la esperando que ela deixasse a jugular exposta para ele abater.
-Então o que é, May? – o olhar verde dele perfurava e aquilo doía. – Se quiser posso deixá-la feliz, lhe dar sensações que ela nunca vai esquecer. Espere, já fiz isso... O que é, May?
-Ser educado. Pessoas rudes não são nada atraentes, você mesmo me mostrou isso, não foi Lochan? – ela ignorou os comentários sobre o passado dele, não importava.
-Argumento aceito. Porém... – ele puxou a mão dela, entrelaçaram os dedos, o olhar dele se perdeu por um momento. – Eu não tenho intenção de parecer atraente para outra mulher, então se acostume... Se você quer meu lado gentil, vai tê-lo. Mas só você... Entendeu?
-Lochan...
-Não tente me mudar, May. Eu gosto das coisas do meu jeito... – ele falava sério, mas ela não teve medo daquela vez, porque ele lhe ofereceu seu melhor lado e para ninguém mais.
-Que jeito você quer que eu tenha então? – ela perguntou se inclinando na direção dele, um olhar tão obediente e obstinado.
-Nós vamos chegar lá, aos poucos... – ele puxou a mão dela e lhe beijou o pulso, depois lhe mordiscou. – Eu gosto de saborear aos poucos...

666 - the number of the beast

VI
Por um momento ele ficou preocupado, quando acordou ela não estava lá, mas logo a encontrou sentada no sofá da sala, com um olhar preocupado enquanto mordiscava as unhas, nem notou ele chegando até que tinha parado do seu lado. Ele a encarou por algum tempo, a pose estática que ela fazia, empurrou a mão dela para longe da boca, era um hábito ruim.
-Está tudo bem? – ele perguntou se sentando ao lado dela, encostou sua testa para ver se ela tinha febre ou algo assim.
-Foi tudo tão depressa, eu faltei no meu emprego ontem e...
-Eu já liguei pro seu chefe. – Lochan respondeu se levantando e indo preparar o café da manhã, ela se levantou atrás dele – Era só isso que estava te preocupando?
-Quando?
-Ontem de manhã, você não precisa mais trabalhar lá. – ele respondeu abrindo a geladeira e pegando algo gelado pra beber. – Você é minha agora, não quero nenhum neandertal te agarrando que nem...
-O seu amigo fez. – ela completou com um olhar soturno, desviou os olhos por um momento, abria e fechava a boca como quisesse dizer algo.
-Se tem algo pra dizer, diga logo... – ele falou fechando a porta da geladeira sem a menor delicadeza, seu olhar se estreitava naqueles momentos, era ameaçador.
-Obrigada por tudo, eu estou muito feliz mas... – ela puxava a barra da saia, claramente ela fazia isso quando estava insegura ou algo parecido. – Mas eu não quero ser sua bonequinha de luxo! Eu não... – ela estremeceu quando ele deu um passo pra frente. – Eu não quero ser só uma despesa na sua conta bancária.
-Você é minha. – ele afirmou a puxando pela cintura, o rosto sério. – E eu estou dizendo que não te quero mais trabalhando lá.
-Então é pra eu ficar em casa te esperando voltar todos dias, sem fazer nada? Lochan eu...
-Quieta. – ele falou a tirando do caminho enquanto pegava seu casaco. Ela ficou com os olhos baixos, mexendo na saia, ele ignorou completamente, perdera a fome. –Te vejo mais tarde e esqueça essa história de voltar praquele lugar. Está bem?
-Ta...
-Boa garota.
O dia no trabalho foi mais longo do que ele esperava, toda hora olhava para o relógio e passara bem menos tempo do que ele queria, seu secretário não aparecera tanto quanto de costume também. Ficava encarando uma folha de papel em branco, acabou imaginando que May devia se sentir solitária na casa sozinha, devia ter entendido aquilo mais cedo. Chamou seu secretário e o mandou ir comprar flores, o outro não entendia um chefe que a cada dia fazia um pedido tão diferente dos anteriores. Quando chegou em casa ela estava sentada de frente para a porta, levantou assim que ele chegou, estava arrumada como se tivesse saído.
-Bem vindo... – ela murmurou e seus olhos caíram no buquê de flores que ele carregava.
-Espero que goste de flores. – ele falou estendendo o buque para ela e lhe dando um beijo na testa – Está tudo bem?
-Eu estava te esperando. – ela falou abraçando o buquê, uma mistura de margaridas e uma outra florzinha que ela não conhecia. – Eu...
-Desculpe por hoje de manhã. – ele falou arrumando os cabelos dela como ela fazia, só um lado atrás da orelha.
-Não, me desculpe. – ela falou colocando o buquê de lado e abraçando ele, sentiu os dedos dela querendo se fincar nas suas costas. – Eu disse que queria ser só sua... Mas ainda assim eu... Desculpa.
-Tudo bem, deve ser solitário ficar aqui sozinha o dia todo. – ele falou a pegando no colo, May não pode evitar uma olhadela surpresa para ele, mas acabou sorrindo – Amanhã vou tirar o dia de folga. O que você quer fazer?
-Não tem problema?
-De que adianta ser o chefe se você não pode tirar folga quando bem entender? – ele perguntou encostando a testa na dela.
Eles não jantaram naquela noite, não, ele estava ocupado demais saboreando sua atividade favorita, quando acabou a sentia trêmula em seus braços. A deixou na cama enrolada nos lençóis e foi para a piscina, nada como nadar no meio da noite para se sentir vivo novamente. Ela o seguiu, sentou na borda da piscina o observando nadar de um lado para o outro, não parava até completar seu circuito, ajudava a esfriar a cabeça e colocar os pensamentos no lugar. No calor das emoções você tende a não saber exatamente o que pensar ou como, mas depois que elas esfriam é como assistir a neve se fixando depois da avalanche.
-Você nada bem... – ela murmurou com as mãos apoiando o rosto, parecia uma criança curiosa. Ele a ficou encarando, ela desviou o olhar sem jeito e junto os braços. – O que foi?
-Você quer voltar a estudar? Trabalhar? – ele perguntou diretamente, não gostava de floreios com assuntos sérios.
-Eu pensei que você...
-Quer ou não? – ele insistiu na pergunta impaciente.
-Se eu pudesse eu voltaria a estudar, eu nunca planejei ser garçonete, sabia? – ela falou com um sorriso constrangido.
-Então faça isso, os anos letivos nas faculdades vão começar em pouco mais de três meses você deve ter tempo pra arranjar algum lugar bom pra estudar. – ele chutou a borda da piscina voltou para o centro em nado costas. Ela tirou o vestido e pulou na piscina atrás dele, o pegou no meio do caminho e o abraçou.
-Obrigada.
-Eu não quero que você morra de tédio nem acabe virando um enfeite, minha bonequinha de luxo. – ele falou mordiscando o pescoço dela. – Mas eu vou te avisar... Nunca me deixe com ciúmes.

5

V

-Então eu só vou te ver de noite? – May perguntou olhando o cartão que ele dera para ela.
-O mais cedo que eu conseguir. – ele reafirmou, ela parecia constrangida com o cartão, ficava olhando de volta para ele como quem não tem certeza – Não se preocupe, dinheiro ajuda a fazer mais dinheiro. Esse cartão é da sua conta, então não vai me causar problema nenhum.
-Minha... conta? – ela nem tinha uma conta de banco.
-Está no nome de Sra. Lochan. – ele respondeu virando a xicara de café – Os empregados chegam daqui uma hora, mas devem ir embora antes de você voltar. Eu quero que você saia e compre tudo que precisar ou quiser. Roupas, sapatos, tudo.
-Mas eu...
-Fred é meu motorista há algum tempo, ele vai te ajudar a carregar e guardar tudo, além de a levar aonde quiser. – Lochan completou.
-Obrigada. – ela falou sem graça.
-Não agredeça, eu vou cobrar tudo... – ele deu um sorriso maoldoso – Só que não com dinheiro...
Ele a puxou da mesa, sua força era equivalente a sua vida organizada que incluia uma hora na piscina todos os dias entre outros exercicios, fez questão de morder os lábios dela que estavam muito pálidos e trêmulos desde o dia anterior. A beijava sem saber decidir entre o cortês e o descontrolado, acabou sendo um pouco mais violento do que esperava ao apertá-la nos braços, May não reclamou. Ela nunca reclamava. A soltou e pegou as chaves, sem falar tchau deixou a casa onde ela ficou sozinha com a caneca de café.
-Bom dia, senhor Lochan. – Fred cumprimentou, era um homem já na meia idade de aparência gentil e prestativa com um bigode bem feito.
-Bom dia, Fred. A senhorita May vai precisar dos seus serviços hoje, me faça orgulhoso.
-Devo levá-la para casa? – Fred perguntou já acostumado com as mulheres que o outro mandava embora todos os dias.
-Não, essa não. Compras, Fred. Se tiver algum problema sabe meu telefone.
-Sim, senhor. Tenha um bom dia.
Ela não conseguia lembrar a última vez em que não tivera um bom dia, melhor, não lembrava quando tivera um dia ruim, todos os outros eram aceitáveis. Diferente das mulheres que nunca eram aceitáveis, até agora... Vermelho não era a cor dela, devia ser mais comedido em suas ações, mas não estava acostumado a ser comedido. Uma vez fora casado com uma mulher, vermelho era a cor dela, acentuava seus cabelos de ébano e olhos de pantera. Fora um completo desastre e desde então ele tinha uma tendência a duvidar de damas que ficavam bem de vermelho, lembrava de sua ex mulher, seus vestidos vulgares e o modo como ela acabou morta numa cama tinta.
-Sr. Lochan? – seu secretário chamou com um documento esperando a assinatura do chefe, estava perdido em pensamentos. – Está tudo bem?
-Estava pensando... – Lochan respondeu enquanto assinava.
-Posso perguntar no que? – era naturalmente curioso o garoto, mas aprendia rápido com isso. Algum dia ele se tornaria um grande empresario, mas não por enquanto, por enquanto era um servil secretário.
-Numa prostituta. – Lochan respondeu, sempre chamara a ex mulher assim, morta há decadas e esquecida em seu passado ninguém a vinha defender. Na verdade todas acreditavam que este homem era neto daquela mulher, se fazer de seu próprio filho e neto sumia com as dúvidas quanto a sua idade ou aparência. – Me faça algo.
-Diga, senhor. – o outro parecia inseguro, ficara constrangido com a resposta ao mesmo tempo que pensativo.
-Me contrate uma. Para hoje a tarde, a mande direto para minha casa.
-Que horas, senhor? – o secretário perguntou sem questionar as intenções do chefe, ninguém nunca questionava um pedido dele.
-As cinco deve bastar... – Lochan respondeu excêntricamente, depois se virou novamente parando o secretário de ir executar sua tarefa com um gesto – De preferência alguma que trabalhe com sadomasoquistas.
-Perdão, senhor? – ele não pode evitar o espanto.
-Preciso de uma resistente. – Lochan explicou com um sorriso perverso que fez seu secretário sair correndo de sua sala.
Lochan era dono e administrador daquele lugar, não respondia a ninguém, mas fazia questão que todos respondessem a ele. Através dos anos sua empresa passava a gerar lucros exorbitantes todos os meses, permitindo assim que ele mantivesse três contas bancárias. A da empresa, com capital de segurança caso precisasse de investimentos de emergência, a sua onde podia pagar suas contas e fazer seus gastos acostumado com sua vida elitista e por fim a da mulher que um dia moraria com ele. A conta não permitia saques, ele demorara para conseguir aquele arranjo no banco, apenas débito no cartão que tinha o limite singelo de algumas dezenas de milhares por mês. Décadas e mais décadas, todas as contas iam muito bem obrigado.
-Senhor Lochan. Seu amigo me mandou esperar por você aqui... – a mulher se vestia quase num padrão burguês, provavelmente profissional na alta roda para não chamar atenção quando visitava seus clientes.
-Não é meu amigo, é meu empregado. – ele falou abrindo a porta. Ruiva falsa, seios falsos, a bolsa de marca também era falsificada. Não havia nada muito real naquela mulher, com a exceção de que a bota de couro e o espartilho que ela escondia por baixo da blusa denunciavam sua especialidade.
-Você parece mesmo muito poderoso... – ela murmurou no ouvido dele enquanto entrava.
-Já pegou seu dinheiro? – Lochan perguntou tirando o terno.
-Metade. A outra você me paga quando acabarmos... – ela falou com um sorriso demôniaco que o divertiu, geralmente era ele quem dava sorrisos maldosos. – Então você gosta de dominar ou ser dominado...?
-Se eu mandar você não falar mais nada na próxima hora a não ser que eu mande, você vai entender o que eu sou? – ela apenas meneou a cabeça que sim. – Boa garota.
Não fazia a menor questão de ser gentil ou educado, seu dia no trabalho fora muito curto e tranquilo, logo que saiu de casa sabia que tinha que se cansar e mesmo que fizesse exercicios não seria o bastante. A questão ali era extravasar, vermelho não ficava bem em May, ele em perfeito estado poderia quebrá-la ao meio, nem perguntou o nome da mulher, para ele era não era ninguém. Quase uma hora depois ele ia ouvir o barulho do carro e recolocar sua calça, virar uma taça de vinho e mandar ela se vestir.
-Pode falar agora. Quanto eu te devo? – ele perguntou pegando a carteira.
-Trezentos. Esposa chegando? – ela perguntou enquanto pegava o dinheiro e recolocava suas roupas.
-Não exatamente.
Quando May abriu a porta ele não tinha reposto a camisa e a mulher só estava meio vestida, sussurrou um boa noite e chamou Fred para colocar suas coisas no lugar, sacolas e caixas. Ele não falou nada, deixou os dois se ocuparem enquanto a mulher acabava de se arrumar e ia embora, ela murmurou algo sobre chamar quando quisesse. Ele não ia querer, ela servira seu propósito, saira de lá com marcas no corpo todo, Fred voltou do quarto e o cumprimentou.
-Boa noite, senhor.
-O vejo amanhã, Fred. – ele se despediu seguindo até o quarto, ficou parado na porta observando May que organizava tudo, estava num vestido azul marinho. – Gostei do vestido.
-Fred disse que era minha cor. – ela falou soltando uma das caixas e desviando o olhar.
-Ele acertou em cheio. – Lochan comentou se aproximando, a puxou pela mão – O jantar está pronto pra você, vou tomar um banho...
-Está bem...
No fundo ele sentia a decepção dela apesar de não ter reclamado, entrou no chuveiro para tirar o cheiro da outra ponderando suas escolhas, aquele vestido realmente ficara bem nela. Provavelmente tinha vestido para ele, provavelmente perguntaria se tinha gostado quando chegasse, mas ao invés disso novamente não quis "incomodar" e saiu de fininho. Quando ele saiu do banho a procurou na cozinha, mas não estava lá, a louça limpa. Foi para o quarto e viu a porta do armário aberto, ela estava quase acabando de guardar os sapatos.
-Você os arruma por cor? – ele perguntou reparando na ordem dos sapatos.
-É, ajuda na hora de escolher depois que me visto. – só agora ele notou que ela estava descalça, se aproximou do armário analisando os sapatos, a maioria com saltos pequenos ou sem salto algum. – Não gostou de algum?
-Faltou um par para esse vestido que você está usando. – ele comentou notando que nenhum combinava como devia. – Faltou mais alguma coisa para você?
-Não. – ela respondeu levantando. – Obrigada.
-Ótimo. – ele falou a puxando pela cintura. – Agora é tarde demais também...
Ela parecia ter prendido a respiração enquanto ele arrancava dela aquele vestido, ficou feliz por ter feito o que fez, estava cansado, se não o teria rasgado. Um vestido tão bonito, uma dama tão bonita, nenhum dos dois podia ser feito aos pedaços, tinha que reaprender o controle, mas por enquanto o cansaço bastava para mantê-lo nos padrões aceitáveis. As dobras nos lençóis, os apertos no travesseiro, tudo parecia corriqueiro, mas ela não era, tinha algo diferente naquele rosto, nos olhos que resplandeciam.
-Essa é a primeira e última vez, eu prometo. – ele falou no ouvido dela, só naquela hora notou os pequenos brincos simples em forma de flor.
-Prom...? – ela não conseguia falar, a voz não saia em forma de palavras.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau

IV

Nada. Essa palavra ricocheteava dentro de seus ouvidos se recusando a penetrar sua mente, a levou para casa consigo, devia estar cansada do trabalho então a deitou, depois de desejar boa noite foi para seu escritório, ainda tinha muito que escrever, colocou a foto da mesa no album junto a uma nova que tirara dela adormecida. O que havia de diferente nela? Ela diria nada. Não havia barulho nenhum para tirar sua concentração ou irritar, mesmo assim ele não conseguia organizar seus pensamentos para escrever suas considerações, a campainha tocou.
-Um pouco tarde para visitas... – abriu a porta sem olhar quem era antes, uma morena estava apoiada no portal sorria para ele por trás de um batom cor de rosa. – Amelie.
-Você não me procura faz uma semana, achei melhor fazer uma visita. – a morena falou soltando os cabelos que usava presos para trás no escritório, ainda estava com terno e saia social, usava um salto pequeno, ele gostava daquilo. – Incomodo?
-De maneira alguma, mas lembro de ter dito que não a procuraria mais. – Lochan observou arrancando uma pequena risada baixa e divertida dela.
-Eu lembro, não quer nenhum relacionamento e outros detalhes. – ela falou tirando o casaco e jogando sobre o sofá depois se virou para ele, tirou os óculos e os arremessou também.
-Então o que está fazendo aqui? – ele perguntou.
-Eu tive um dia ruim em casa e no escritório... – ela falou mostrando a aliança de ouro na mão esquerda. Detalhes como aquele a colocavam fora das suas quase aceitáveis. – Eu pensei que sem compromisso nenhum você pudesse me ajudar a esquecer... Só uma noite.
-Uma noite. – ele repetiu sentindo as mãos dela nos seus ombros, ela tinha a mania de ir lhe massageando o ombro enquanto se aproximava com os lábios.
-Você não vai se arrepender... – ela já estava com os lábios nos dele quando ouviu o barulho de maçaneta.
-Desculpe... – era a voz de May meio encabulada arrumando os cabelos atrás da orelha e puxando a saia – Com licença...
-Sua sobrinha ou algo assim? – Amelie perguntou.
-Não. – Lochan respondeu pegando o casaco e óculos dela e devolvendo. – Obrigado, mas eu não quero companhia essa noite.
-Querido. Uma menina tão nova, ela não vai conseguir te satisfazer. – Amelie falou pegando suas coisas. – Mas faça como preferir. Se mudar de idéia você tem meu telefone.
-E o do seu marido. – ele falou abrindo a porta para ela sair.
-Sabe, amor... Você não pode me falar nada sobre fidelidade, eu conheço sua mania de colecionador. – ela deu um beijo rápido nos lábios dele – Se divirta com a garotinha, lobo mau!
Várias vezes uma mulher o pegara com outra, em situações até piores do que aquela, mas dessa vez era diferente. Não houve choro, gritos ou pedidos para participar, apenas um pedido de com licença e May deu meia volta. Não sabia se era compreensão ou descaso, mas de qualquer forma voltou casa a dentro, em seu próprio quarto a viu deitada de lado na cama, os olhos abertos se recusavam a fingir que estava dormindo, quando ela o viu entrar se sentou com os olhos baixos, a franja na testa.
-Me desculpe eu não queria ter interrompido...
-Não interrompeu. – ele falou erguendo o rosto dela pelo queixo. – Não está brava? Triste...?
-Decepcionada na verdade... – ela falou com uma careta.
-Entendo... – ponderou, era uma reação esperada.
-Comigo. – ele se virou para olhá-la com interesse, aquilo não estava dentro dos padrões de normalidade dele. – Eu passei os últimos oito anos, pensando em me tornar o melhor possivel, assim se eu te visse de novo... Quando eu te visse de novo... – ela sorriu – É estúpido, mas eu queria ser o melhor possivel. Pra você me querer não porque prometeu pra uma menininha sentada na calçada, mas porque você realmente iria gostar do que eu me tornei.
-Por que? Você não sabe nada sobre mim...
-Mas você foi o único que me notou. – ela completou com um sorriso triste, não era muito comum ele ver um desses.
-Você realmente quer ser minha, não é? – ele comentou brincando com os cabelos dela, ela não parecia segura ou sequer sedutora naquele momento, parecia um bichinho acuado. – E, por acaso, você sabe o que isso quer dizer? – seu olhar era maldoso, assim como o sorriso.
-Eu já pensei nisso... – ela falou se encolhendo conforme as mãos deles passearam pelos seus braços. – Mas... Eu não penso em ser de mais ninguém.
-Se você decidiu isso, eu não vou te deixar fugir. Você está entendendo? – por que o olhar dele era tão ameaçador? – Você vai ter que aguentar até as últimas consequências...
-Está bem. – ela falou relaxando um pouco, voltou a esticar as pernas, mas seus lábios tremiam.
-Por hoje durma. – ele falou dando um beijo na testa dela, como se fazia com uma criança, bagunçou os cabelos dela como um bichinho de estimação. – Sabe, você é minha peça favorita da coleção até agora...
Ela balbuciou coleção, como quem pergunta, mas ele ignorou. A assistiu voltar a deitar e ficou ao lado dela, passou a noite brincando com os cabelos dela, ela cabia perfeitamente em seus braços, no dia seguinte tinha que ir cuidar de seus negócios, fazer preparativos e por fim... Ela não ia mais a lugar algum, precisava de coisas para ela, olhou para o outro lado do quarto, ao lado da porta que levava ao seu armário estava uma que ele nunca usou, ia ser a primeira vez que alguém ia usar o outro armário. Aceitável, mal passara um dia e ele já sabia que ela era aceitável.
-Finalmente...

III

Ele vestira suas roupas mais casuais, calça jeans e tenis, uma camiseta de uma marca pouco conhecida e só usava um relógio pois tinha que sempre calcular quando e como tudo ia acontecer, pegara um carro relativamente antigo e barato, apesar de novo era bem melhor que pegar seu conversivel. Quando estacionou na frente do restaurante ela estava sentada num banco na entrada, usado por clientes que esperam uma mesa esvaziar, uma mochila ao seu lado onde devia estar guardado seu uniforme. Usava uma sandalia simples e confortável, uma saia que chegava nos joelhos e uma camiseta normal, os cabelos soltos ondulados, brincava com a barra da saia a puxando com a ponta dos dedos.
-Me atrasei? – Perguntou saindo do carro, olhava por cima do teto do dito para ela que se levantava e colocava a mochila num ombro só. Jovem, simples, aquela brincadeira e jeito lhe eram familiares.
-Não, eu acabei de sair. – Ela falou apertando a alça da mochila. – Aonde vamos?
-Aonde você quer ir? – ele perguntou de volta.
-Algum lugar quieto... – ela falou arrumando os cabelos para trás da orelha.
-Quieto... Entre. – ele chamou.
Ele pensou em abrir a porta para ela, mas mudou de idéia ao ver como ela parecia agitada mexendo na alça da mochila, reparou no modo como ela entrava no carro, não se jogava, mas também não parecia ter medo. Conjuntos de observações, não pode deixar de notar as unhas bem cortadas, sem esmalte, só base. A única maquiagem que usava era um brilho suave nos lábios, provavelmente para não ficarem ressecados, e um lapis no olho. Abriu uma fresta na janela para o ar entrar, perguntou a ela se se incomodava e ela simplesmente meneou a cabeça.
-Eu a deixo desconfortável? – ele perguntou enquanto paravam num semaforo.
-Não é isso. É que desde de mais cedo eu estava pensando em uma coisa... Não é bem uma coisa, é um acontecimento...
-Algo interessante? – ele perguntou trocando a marcha e acelerando, passou um pouco do limite de velocidade, esperava uma reação ou reação nenhuma.
-É melhor diminuir ou pode levar uma multa, aqui é só 60... – ela falou indicando o painel.
-Obrigado por me avisar. – ele murmurou desacelerando.
-Nada demais, só uma pessoa que conheci quando era criança... – ela começou a arrumar a barra da saia de novo.
-Chegamos... – ele falou encostando e estacionando numa praça, aquele lugar era tranquilo e seguro, o bairro era de alta classe então não havia nenhum problema. Havia um balanço e gangorra para as crianças, árvores e alguns bancos.
-Lochan... – ela chamou depois que saíram do carro, ele permaneceu a certa distância, a analisava na luz da lua.
-Pois não?
-Não é um nome comum. – ela murmurou – Por acaso, você não se lembra de mim?
-Ainda não tinha certeza... Só na terceira vez eu percebi. – ele falou admitindo, quanto tempo passara? Oito anos que ele não a via brincar com a barra da saia a puxando com a ponta dos dedos, os olhos cor de madeira. A menina cresceu, mas ainda tinha o ar de menina. – Como está sua mãe?
-Ela morreu dois anos atrás. – May respondeu sentando num banco, puxou a barra da saia e olhou para ele de soslaio, quase como um animalzinho de estimação – Foi quando eu fiquei literalmente sem dono, nem casa... Eu... – ela baixou os olhos depois olhou de volta para ele. – Eu não pensei que fosse te ver de novo.
-Eu prometi, não prometi? – ele falou sentando ao lado dela, ela ficara diferente do que ele esperava, mas de certa forma melhor.
-Sim. – ela falou soltando um sorriso – Lochan... Por que você... Deixa pra lá. – ela falou estapeando o ar espantando a idéia.
-Eu acho que você é diferente. – ele respondeu sorrindo e segurou a mão dela entre as suas, pequena e suave.
-Não, eu não sou nada...

A volta dos que não foram muahaha

Nota: Num pus o selo, por que isso não ta nada soujo like...=P

II

-Deixa eu ver se eu entendi... – um homem loiro falava virando uma cerveja e a colocando diretamente sobre a mesa de madeira do restaurante, aquilo ia marcar o móvel. – Você já teve centenas de mulheres?
-Sim. – Lochan respondeu, omitia o fato de viver há décadas e mais décadas. Ninguém acreditaria sua idade se falasse, ele era congelado no tempo como uma fotografia.
-E nenhuma delas era boa o bastante para você?
-Exato.
-Me dá o telefone de algumas! – o outro falou já alterado pelo álcool.
-De forma alguma, faça sua própria coleção. – Lochan respondeu tomando um gole de seu uísque.
-Coleção? São mulheres não figurinhas adesivas...
-Eu colecionei fotos e dados de todo tipo de mulher, nenhuma que chegue a me satisfazer num nivel aceitável.
-Quantas pelo menos chegaram perto?
-Dez... – ele falou tomando outro gole.
-Você é exigente demais, Lochan. Moça! A conta, por favor! – e abanava frenéticamente sua mão, se fosse uma mulher o outro o teria colocado na lista das descartáveis.
-Você é quem aceita qualquer coisa. – o outro retrucou.
-Qualquer coisa não, mas se for bonita já está ótimo.
-Que superficial...
A garçonete demorou um pouco demais para chegar, mas era aceitável devido a todas as mesas estarem ocupadas e algumas pessoas rudes ficarem gritando com gestos largos de pressa, falta de educação e instintos animais que ele notava em grupos de macacos toda vez que ligava a TV num documentário sobre a selva. Quando ela chegou deixou a conta sobre a mesa e já ia se afastar quando o loiro a segurou pelo braço, ficariam marcas vermelhas na pele alva com trajeitos tão rudes.
-Posso ajudar em mais alguma coisa? – ela perguntou tomando seu braço de volta, manteve a graça: digno de nota.
-Pode me dar seu nome e telefone, boneca... – ele esperava mesmo chegar a algum lugar daquele jeito.
-Eu não tenho telefone... – ela respondeu se virando, o uniforme branco e azul não ajudava em nada seu corpo, mas as curvas eram satisfatórias, nada faltava e nada passava dos limites. Os cabelos presos faziam ondas e a pequena franja na testa despertava seu extinto paternal, as bochechas lembravam uma criança, os olhos estreitos.
-Você nunca vai chegar perto de conseguir uma mulher. – Lochan falou se levantando deixando dinheiro de sobra na mesa para pagar a conta, dinheiro não lhe faltava. – Com licença, senhorita...
-May. – ela falou apontando para o crachá preso na cintura, ele não sabia se queria ser chamada assim ou se respondia a pergunta do ogro anterior, mas de qualquer forma era melhor que silêncio.
-Senhorita, May. Perdoe o comportamento de meu companheiro, ele bebeu demais.
-Não se incomode, senhor. Posso lhe servir mais alguma coisa? – ela perguntou enquanto tirava os pratos e copos sujos de uma das mesas.
-Na verdade queria propor o contrário. Posso lhe pagar algo para compensar o estado rude que teve de aguentar?
-Não é nada demais alguém perguntar um telefone... – ela enquanto andava, ele a seguia numa distância respeitosa, ou ela se sentiria acuada.
-Não é isso a que me refiro. – ele falou e passou a ponta do indicador de leve no braço dela, imediatamente ela o encarou. Marcas vermelhas, provas de quão grotesco e sem controle era o loiro. – Vermelho não é sua cor. – comentou.
-Não foi nada. – ela falou com um sorriso encabulado, mas não corou. – Não precisa se preocupar, senhor...?
-Lochan. – ele se apresentou e os olhos dela iluminaram.
-Lochan?
-May, volte ao trabalho! – uma voz gritou do outro lado do balcão.
-Eu, eu tenho que continuar... Mas obrigada pela oferta. – ela falou batendo na própria cabeça espantando o pensamento e se fastou para anotar pedidos, ele foi atrás dela.
-Mais tarde então, quando acaba seu turno? – ele perguntou. – A menos que eu a esteja incomodando...
-Não. As sete... Eu saio as sete. – ela falou parecendo ter sido atingida por uma idéia de repente.
-Eu a pego as sete aqui então... – ele falou se despedindo apenas com uma mesura. – Um prazer, senhorita May.
Foi direto para sua casa, entrou no escritório e quase derrubou o porta retrato com a foto de uma criança que ficava na mesa, abriu um de seus formulários, escreveu o nome May e começou a fazer suas anotações, data em que a conheceu e lugar. Anotou sobre vermelho não cair bem nela, assim como sua aparente boa educação, ia anotando tudo que podia se lembrar com detalhes, mas sempre olhando o relógio para ter tempo o bastante para se preparar, ainda tinha que decidir o que fazer, de certo não iria trazê-la direto para lá, ela não estava no setor das descartáveis. Um pouco jovem demais, temia que pudesse ser imatura, mas ao menos não aparentava isso.
-Preciso de uma foto. – falou fechando o arquivo e colocando na pasta, colocou numa de suas estantes e saiu para buscar uma de suas máquinas fotográficas, o filme ainda era melhor que as digitais, gostava de revelar suas fotos em casa.
Depois de arrumar a camera pensou em como iria até ela, a moto daria um ar mais libertário que jovens costumavam gostar, mas se ela continuasse de uniforme não era uma boa idéia misturar saia e moto, o carro era muito ostensivo. Pegou seu telefone e ligou para seu conhecido da concessionária, iria pegar um carro emprestado com a desculpa de testá-lo, depois devolveria. Um carro mais comum, queria ver como ela se saía antes de ver o quanto ele realmente tinha.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O colecionador



I
Tudo em sua vida era metodicamente organizado, arquivos em ordem alfabetica, móveis de acordo com luz e ventilação do ambiente, quadros de acordo com os angulos de visão dos acentos, comida por grupos alimentares, sapatos por ocasiões, roupas por cores e tipos, além da óbvia divisão do armário por climas. Assim era sua vida e sua casa, completamente organizada e limpa, pelo menos enquanto estava sozinho, mas de vez em quando trancava a porta do seu escritório onde ficavam albuns de centenas de modelos e arquivos e convidava alguém para seu recanto.
-Fique a vontade... – ele mandou tirando o casaco e o dobrando, colocou na mesa do lado de uma caixa.
-Você que tirou essas fotos? – ela perguntou, uma loira esbelta com maquiagem demais e um salto muito alto.
-A maioria... – ele falou tirando uma camera da caixa, apontou para ela que fez uma pose vulgar dos anos sessenta, tirou a foto. Depois iria para o album e aqueles detalhes observados para o arquivo dela.
-Você vai ter coisas melhores pra fotogravar... – ela falou caminhando na direção dele, até seus passos eram vulgares.
Ela tirou a própria blusa, ele largou a câmera. Ela não gostava quando elas faziam coisas fora de seus planos, ele tinha uma ordem: primeiro puxá-las, depois tirava a blusa ou vestido, ia descendo até chegar aos sapatos. Nesse estágio gostava de brincar com elas, deixava suas roupas para depois, mas nesse caso ia ter que mudar os planos. A guiaria até o chuveiro e banheira, aonde com sorte ela perderia metade da maquiagem. Pensou em afogá-la na banheira, mas era bobagem naquela estágio ainda mais com ela com as mãos onde estavam agora.
-Bemzinho, eu vou realizar todos seus desejos... – ela falou mordiscando a orelha dele.
-Eu duvido... – ele a pegou no colo e colocou dentro da água.
-Quando eu acabar você não vai querer me deixar ir embora...
-Não. Quando eu acabar... – ele falou se juntando a ela, a encarou com seus olhos verdes e deu um sorriso maldoso – Vou fazer questão que você vá.
-O que?! – ela começou a se levantar.
-Calma, por enquanto você pode ficar...
Ele não conseguia mentir e além disso não costumava evitar falar nada que pensasse e contestar afirmações alheias, ela ficou brava, mas no mundo todos casais normais usam isso para esquentar as coisas. Quando acabou ela mal conseguia se mexer, parecia mergulhada em algum tipo de estado de extase, ele a deixou de molho na banheira e levou a máquina cujo filme acabara para a camara escura, apreciava o momento sozinho para ponderar, enquanto fazia por si mesmo a revelação ouvia o som irritante dela se movendo pela casa, os saltos batendo no piso.
-Já pegou suas coisas? – ele perguntou fechando a porta que levava à camara escura.
-Está me mandando embora? – ela perguntou vindo na direção dele.
-Sim, faço questão. Tenho coisas pra fazer...
-Filho da puta, cretino. Você acha que pode me usar e jogar fora?
-Não jogar fora. Mas mandar embora, sim.
Ela tentou bater nele, mas era inutil, ele fazia aquilo há décadas e mulher nenhuma conseguiu ficar, a arrastou para fora e trancou a porta com ela lá, ouviu gritos por alguns momentos, mas ignorou. Tinha que limpar aquele lugar e foi isso que fez, mais tarde adicionou a foto dela ao album com seu nome completo no verso, fez a ficha dela e colocou todas suas anotações, desde a irritancia de seu andar até os trajeitos de uma verdadeira vagabunda de rua. Quarto na pasta e colocou na estante, seu escritório estava cheio, em breve precisaria de outra estante do outro lado, as pastas em ordem alfabética e uma única pasta encima da mesa com os dizeres: quase aceitável.
-Oitenta anos e o mais perto que eu cheguei da mulher que eu quero foram vocês... – ele falou deslizando os dedos pela pasta. – Mas ainda não é o bastante.
No primeiro olhar ele já sabia se uma mulher podia chegar a ser aceitável ou não, no caso das completamente descartáveis só brincava com elas por uma noite, as razoavelmente possiveis ele gastava alguns dias e por fim as quais tinham alguma esperança ele demorava entre uma semana e duas para determinar todos os detalhes. A de hoje fora uma descartavel, o hábito o ajudava a exercitar sua observação e companhia a noite nunca fazia mal. Arrumou tudo e apagou as luzes, colocou as roupas para lavar e trocou por outras após um banho devidamente passadas, desdeu as escadas até a entrada pensando em passear até a roupa estar pronta, não ia dormir e deixar as roupas mofando.
-Ótima hora para um passeio... – ele falou pegando a camera e a pendurando no pescoço, já passava da meia noite e ele não tinha sono. Podia tirar fotos das almas desgarradas que vagam na escuridão, quem sabe achasse o seu dia seguinte. – 1, 2, 3, 80. – falou em voz alta enquanto digitava a senha do alarme e deixava sua casa.
Foi a pé, o carro chmava muita atenção e a moto era deveras barulhenta para um passeio de observação, fazia as pessoas perderem o foco do que realmente estava fazendo. Teve que andar muito até sair daquele bairro patéticamente avantajado, mas não se incomodou com a caminhada, mantinha seu corpo em saúde plena. Parou na frente de um prédio, uma criança sentada na calçada brincava com a barra da própria saia a ajeitando, tinha cabelos que caiam em quase ondas, olhos estreitos e um rosto graciosamente curvilineo, afinal ainda era uma criança. Tirou uma foto dela e se aproximou, o barulho da camera a fez levantar o rosto para ele, o olhava com curiosidade infantil, mas precaução animal.
-Quem é você? – ela perguntou, tinha a voz que uma boneca teria.
-Lochan. – ele respondeu abaixando até ficar com o rosto na altura dela, os olhos verdes e os cabelos castanhos arrumados para trás, sorriu. – Sua mãe não lhe ensinou a não falar com estranhos?
-Minha mãe nunca me ensinou nada... – ela respondeu desviando o olhar, ele podia ver na madeira a cor daqueles olhos.
-Nunca?
-Ela não se importa. Ela diz que eu não sou dela, eu não sou de ninguém... – a menininha falou olhando para os próprios pés.
-Ninguém? Onde está seu pai?
-Não sei. – a menina respondeu.
-Qual seu nome? – Lochan perguntou, os olhos brilhando de compaixão, se ela não mudasse, ou melhorasse, talvez...
-May. – ela respondeu com um sorriso.
-May, quando você crescer eu vou te ver de novo. E nesse dia você não vai mais ser de ninguém, vai ser minha... Eu prometo. – Ele se inclinou dando um beijo na testa da menina e depois passou a mão em sua cabeça – Agora vá para casa e cresça...

domingo, 19 de outubro de 2008

Prisão de Vidro


Numa prisão de vidro,
está uma dama de branco.
Seu coração se ilumina,
com seu prateado pranto.
"Meu guardião, meu protetor,
venha ao jardim me ver.
Venha me abraçar, vem...
Meu amor, meu senhor..."
Numa prisão de vidro,
ela chama relutante.
Pela proteção de seu senhor,
pelo calor de seu amante.

"Quem vem lá?
Quem me tocas?"

"Silencia, minha dama.
Acalma-te e sufocas."

Ela cala partida como vidro,
sob as lágrimas do amor,
e sob a fúria do marido.
Na redoma de vidro,
havia uma dama de branco.




quinta-feira, 16 de outubro de 2008

8- Almas Livres

Ninguém conseguia desvendar a solidão que assolava seu peito, ou então a tristeza que lhe fazia querer preencher o vazio da própria alma com almas alheias. Não podia devorá-las, não podia abrir-se para a quente sensação de vida que outros possuiam, mas podia buscar de alguma forma escapar aquele frio e achara a resposta muito cedo. Toda lenda começa de uma verdade que ninguém soube contar e agora a lenda revivia numa redoma de vidro entre o bailar das borboletas. Prender? Não se tratava de prender, se tratava de libertar.
-Somos cúmplices. O silêncio nos faz igualmente responsáveis... – Letia comentou, ambos sabiam da verdade por trás da lenda, mas nenhum deles falara nada por todos aqueles anos e o resultado era uma redoma cheia de estátuas e borboletas.
-Senhorita...
-Letia. – ela interrompeu. – Hoje me chame de Letia, Souru.
Os cabelos castanhos até a cintura e os olhos azuis brilhando na escuridão, o vestido justo lhe comprimindo o corpo como quem se encolhe tentando se esconder. Ele permanecia o mesmo apesar das marcas no rosto da passagem do tempo, os mesmos olhos e jeito reservado de quando ainda era uma criança e Parvaneh a lhe prender a garganta. Ele concordou com um aceno da cabeça sem saber dizer não para aquela mulher, a duquesa Borboun.
-Dez anos atrás você teria dito ser só meu servo, dez anos atrás eu me enfureceria sem saber que como eu você sofreu calado por tanto tempo... – ela não era mais uma criança caprichosa, era uma mulher e ainda lhe faltava o tato suave que ele tinha, mas ela tinha tanto que escapava a compreensão. Tanto por trás das borboletas que bailavam e da aura gentil de sua falecida mãe.
-Deixemos o passado no passado. – ele sugeriu desviando os olhos para a fonte, a estátua da duquesa que o criara bondosamente, mãe dela e anjo dele.
-Confessemos então o que quisemos de verdade todos esses anos! – ela falou o abraçando, o sentia nos braços como se ainda fosse uma criança para ele cuidar e proteger. – Souru...
-O monstro é dito incapaz de amar, mas não é verdade. Tudo que ele deseja é preencher o vazio que o assombra... – Souru falou tocando os cabelos dela e fechando os olhos, parecia recontar a história, mas era diferente, aquilo era viver a história – Seu amor era tão imenso, que devorava aqueles que amava impiedosamente na gana de ser preenchido.
-Souru...
-O monstro ama, mas não fala. – ele completou a encarando.
-Todos esses anos, tantas estátuas, tantas borboletas... – ela comentou com os olhos cheios de lágrimas. – Eu queria preencher esse vazio!
-Só há um jeito... Nós dois entendemos isso.
Quase vinte anos desde a duquesa repousando em sua cama, pronta para deixar sua alma alçar vôo abandonando o corpo cansado, vinte anos em que ele permaneceu calado para que ninguém soubesse. Agora ela o pedia para confessar, juntos confessarem sua cumplicidade. Um o monstro que era e outro o mero espectador que havia sido por décadas. Parvaneh lhe apertava o pescoço então ele retirou a corrente a deixando cair no chão. Ela olhou perplexa e já ia se abaixar quando ele a puxou pelos pulsos, não tinha medo...
-Mesmo que eu te devore?
-Não tenho medo...
-Anos atrás nasceu uma criança, que muitos chamariam de monstro, mas era apenas dona de um imenso vazio... Vazio que ela buscava preencher com sentimentos alheios. Buscava uma alma tão bela, tão amorosa, tão grandiosa que pudesse lhe aquecer a própria... Uma criança e nada mais...
-Buscava sua Parvaneh...
-A criança a encontrou. E seu amor e felicidade foram tão grandes que se tornou mais que um admirador e companheiro, queria possuir e proteger Parvaneh.
-Quase como um guardião...
-Mas pessoas vinham, de todos os tipos e com todas as intenções. Ficavam no caminho e aumentavam a distância entre o monstro e Parvaneh. E o monstro sentia um vazio insuportável quando estava distante! Então ele buscou companhia...
-Transformou as pessoas em pedras e as almas em mascotes para lhe consolar o vazio e a ausência. O enciumado monstro em sua gana de companhia afogou Parvaneh em solidão...
-O monstro se arrepende e pede perdão... – Letia falou finalmente com lágrimas escorrendo de seus olhos – Tudo que eu queria era você ao meu lado, Souru! Só isso! Só você! Parvaneh... A alma mais linda...
Ela chorava e ele guardava sua tristeza, durante vinte anos Letia havia transformado em pedra todos que adentraram aquela casa com exceção da baronesa que caira na loucura e morrera em casa. Professores, instrutores, serviçais e até mesmo a única amiga que tivera, Adelheid, fora vitima do ciúmes do monstro devorador de almas. Até mesmo a duquesa Borboun, mãe de Letia tinha perdido a alma para a filha que convocou a borboleta para lhe fazer companhia no berço, o monstro tinha a face da serenidade e inocência, tinha a face bela de uma dama. Uma dama que chorava numa redoma de vidro.
-Se você quiser eu posso te libertar... – ele falou a abraçando com ternura.
-Tudo que eu sempre quis foi você, Souru... Só isso...
-Se é a minha alma que você quer, ela é sua para devorar. – ele falou fechando os olhos e dando um beijo de leve na testa dela.
-Souru. Parvaneh... – ela murmurou aproximando os lábios dos dele, sentiu os braços dele deixarem sua cintura, o toque leve se tornou pesado, quando se distânciou uma estátua de pedra fria a encarava de maneira obstinada e servil. – Meu amor... – uma borboleta vermelha relampejou na escuridão, pousando em sua mão estendida para o ar ela ainda chorava sentindo um calor se alastrar pelo seu corpo – Como todas as almas o monstro deseja. E deseja acima de tudo companhia e liberdade...
Ela levou a borboleta com as duas mãos até os lábios, pronta para engoli-la para sanar o vazio dolorido que a corrompia. Mas seus lábios se fecharam, dando um beijo suave na borboleta e depois a soltando com as duas mãos para um vôo livre, um barulho crescente de rachaduras se espalhou até que o vidro da redoma se esmigalhou, com as mãos estendidas para o alto sentiu todo o corpo pesado e endurecido.
-Eu a perdôo... – Podia ouvir ele murmurar ao seu ouvido sob a chuva de vidro, borboletas que voavam para a liberdade.
-Cercada de almas belas e corpos frios, estou eu. A dama na redoma de vidro... – recitou entre lágrimas vendo o vôo de Parvaneh – O monstro na prisão de vidro... Um vazio insaciável, que apenas a alma mais bela do mundo pode preencher.

7- Companhia


Souru mantinha a distância de guardião silencioso, contemplava a garotinha no jardim que na mesa que ficava a um canto tomava chá enquanto conversava com uma estátua familiar, a estátua de Adelheid. A filha da baronesa sorria num corpo frio de pedra com uma xicara entre as mãos que repousavam sobre a mesa, nunca pareceu mais tranquila ou feliz do que naquele momento, as borboletas ao redor davam um ar encantado a cena. Letia se virou para olhá-lo ao longe e o pediu para se aproximar com um gesto lardo de suas mãos.
-É agradável possuir companhia na hora do chá, ainda mais de uma amiga antiga. – Letia comentou sorridente.
-Me alegra sua felicidade. – Souru falou com uma mesura e estendeu uma jarra de vidro na direção dela.
-Que linda!
Letia libertou da jarra uma linda borboleta marrom com respingos negros em suas asas, a assistiu pousar sobre a estátua na altura do coração e bateu palmas para o inseto maravilhoso. Souru a olhava apático e distante, sentindo o olhar a duquesa tornou a se virar para seu guardião que permanecia calado, mas ela sabia o que ele pensava, sabia o que tramitava no interior de sua mente.
-Onde a achou? – Letia perguntou tomando mais um gole de chá.
-Quando acordei ela estava sobre meu travesseiro. – Souru respondeu pegando a borboleta com a mão direita a deixou pousada em sua palma a admirando por alguns momentos, Letia quase podia ver Parvaneh no pescoço dele reluzir.
-Você tem um Dom magnifico, Souru. – ela falou deixando a xicara de lado. – Mãos leves capazes de dar forma à pedra e...
-Obrigado, senhorita Borboun. – ele a interrompeu agradecendo, com um sopro fez a borboleta voar pela redoma de vidro.
-Algo o incomoda? O perturbo?
-Sua companhia jamais me causaria tais sensações, senhorita Borboun. – ele respondeu se abaixando na altura do rosto dela, era sincero, mas parecia triste e distante.
-Adelheid... Parece triste com a estátua dela. – Letia comentou o analisando. – A baronesa veio procurá-la essa manhã certa de que você a tinha prejudicado...
-A senhora Treveau sempre esteve certa disso por mais que jamais tivesse tocado em sua filha. – ele respondeu se erguendo.
-Acha que ela tem motivos para se enciumar de você?
-Se enciúmo não é por querer... – ele falou se afastando.
-Aonde vai? – Letia perguntou se levantando e indo atrás dele.
-Preparar-lhe o almoço, senhorita. Ou me comanda a ficar? – ele perguntou a encarando.
-Não pode ficar por vontade?
-Minha única vontade ou razão é melhor lhe servir, senhorita Borboun. Sou seu humilde escravo...
-Souru...
Ela mordeu os lábios, o olhar inflamado por lágrimas que ela conteve enquanto pressionava as unhas contra as palmas das mãos, chacoalhou a cabeça em sentido negativo até erguer novamente o rosto o encarando com mistura de ódio e tristeza. Queria esbravejar todas as crueldades daquele guardião silencioso e distante, queria desabafar verdades e o punir por seus atos, mas ao mesmo tempo só queria um abraço dele que lhe disesse que estava tudo bem.
-Seu insensivel! – foi tudo que ela conseguiu gritar antes de sair correndo pela redoma de vidro fazendo as borboletas voarem assustadas enquanto ela passava, ele simplesmente baixou o rosto se censurando mentalmente por tê-la aborrecido.
-A borboleta abriu suas asas... – ele comentou mórbidamente se sentando a mesa e encarando a estátua de Adelheid – Lhe expandi a vontade e libertei do peso cruel de uma casca fria e agora... Agora ela chora a solidão que vem com a liberdade, em busca de companhia. Cercada de almas belas e corpos frios, está a dama da redoma de vidro.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

6- Asas cortadas


A Baronesa Treveau não era mulher de esperar e logo depois da porta se fechar já planejava vingança contra a raiz do problema, aquele plebeu era a causa de todos os males da nobreza e do surto de tolos pensamentos e comportamento indesculpável de sua filha. Mas toda sua determinação por vingança se tornou preocupação quando no dia seguinte sua filha ainda não retornada, armada até os dentes com veneno em sua lingua ferina ordenou sua escolta até a casa da duquesa Borboun onde esperava encontrar Adelheid. Só de pensar que ela podia estar com aquele garoto imundo e baixo seu coração palpitava de ódio e desprezo infundado que lhe envenenava as veias desde sempre.
-Duquesa! – entrou aos berros sem esperar que fosse anunciada ou que lhe abrissem a porta, mesmo por que apenas Souru e Letia moravam ali. – Letia Borboun!
-Baronesa, fazem meses que não a ouço gritar com furor... – Letia comentou tranquila sentada ao piano, dedilhava algumas notas sem preocupação alguma com a expressão irada que a velha mariposa demonstrava.
-Minha duquesa, vim buscar minha filha! – a Baronesa anunciou com as mãos na cintura, os olhos quase fechados como quem espreita sua caça.
-Adelheid não está em minha casa, a senhora está equivocada se a veio buscar aqui...
-Está sim! – a senhora Treveau gritou e a nota consequente foi desafinada no piano, Letia se virou seneramente para encarar a mulher que começava a mudar de cor – Saiu ontem a noite no encalço daquele serviçal e não retornou...
-Você se refere a Souru?
-Esse traste é a quem me refiro! – ela parecia prestes a espumar – Se algo acontecer a minha filha, pode ser teu criado ou protegido, mas eu o farei caminhar até a forca!
-Sob qual acusação? – Letia perguntou se levantando, tinha mais classe que a rainha das almas feias.
-Sequestro! Homicidio! O que for necessário!
-Que tola e horrenda é sua vingança, sob um falso pretexto e crescendo de um ódio infundado que sente por Souru. – Letia falou tristemente baixando os olhos – Me diga Baronesa, o que vê nele que lhe repele tanto? São seus olhos que a amedrontam? Pois eles podem ver o quão horrenda é tua alma?
-Como ousa menina?!
-Ou seria o fato dele não se curvar aos seus caprichos? Não temer seus berros venenosos? Pensa certo quem diz que no lugar de borboleta tua alma é uma mariposa...
-Insetos? Está maluca?
-Mariposa, senhora Treveau. É isso que a senhora é e seguindo a chama de teu ódio vai acabar queimada... – Letia sorriu – Por favor, perceba vossa tolice e se retire de minha casa. Jamais volte aqui para acusar o gentil Souru ou eu mesma lhe cortarei as asas.
Ela teve medo, pela primeira vez a baronesa Treveau ficou calada diante de alguém e era apenas uma criança! Sentia a honestidade naqueles olhos, uma honestidade fria que lhe jurava arrependimento eterno nas chamas do inferno, atraídas pela luz as mariposas são queimadas e morrem na agonia. Via naquela garotinha o próprio diabo, ou então uma criança retorcida por um vil plebeu que a educara para se tornar escória, medo e ódio se misturaram e a baronesa saltou!
-Pensa em matar-me? – Letia perguntou tranquila.
-Se você ferir a senhorita Borboun eu jamais vou lhe perdoar ou permitir que não pague por seus atos... – Souru anunciou, chegara a tempo de agarrar a baronesa pelos braços antes que ela atacasse a criança.
-Devolvam minha filha! – a baronesa gritou – Seu maldito! O que você fez com ela?
-Volte para seu castelo de intrigas, Rainha das Mariposas. – Letia mandou – Adelheid está livre de você...
-Eu a acompanho até a porta. – Souru anunciou arrastando a baronesa para fora.
A mulher tentava gritar, mas sua voz e lingua venenosas pareciam ter sido roubadas pelos habitantes daquela mansão. Queria torcer o pescoço de Souru, mas seu corpo não a obedecia mais e acabou jogada ao chão do lado de fora da casa, chorava lágrimas de crocodilo se sentindo humilhada e impotente, indefesa e incapaz, esmagada pela tranquilidade que demonstravam diante de sua fúria. Pensou em sua filha, não Adelheid em si, mas alguém que a obedecia e que perdera, Mariposa Rainha só conseguia pensar em si.
-Baronesa Treveau! Baronesa! – seus servos a chamavam, mas ela não respondia.
Carregada até em casa tornou-se um inseto agonizante incapaz de voar, jogada num canto entre poeira e teias de aranha olhava pela janela ou espiava a porta esperando alguém vir cuidar-lhe, mas ninguém veio. Com o passar dos dias esqueceu que tinha uma filha e que ela havia sumido, depois as semanas lhe tomaram a razão de quem ela própria era e meses mais tarde ela padeceria solitária gritando que tudo era culpa do monstro que se fantasiou de principe!

5- Corpos frios


-Aquela escória invadindo nossa casa, sempre soube que era um criminoso!
-Cale a boca! – Adelheid gritou e depois tampou a própria boca sem acreditar em sua coragem e tolice.
-O que disse?
-Você me ouviu mamãe! Souru jamais fez nada para alimentar essa sua lingua venenosa!
-O que diabos ele fez com você pra me responder assim? Não me diga que está se envolvendo com aquele... aquele... – a Baronesa agarrou a filha pelos braços.
-E se estivesse? – Adelheid perguntou se soltando da mãe e correndo escada abaixo – Se um dia morder os lábios há de morrer engasgada no teu próprio veneno... – falou antes de sair de casa batendo a porta atrás de si.
Não sabia exatamente o que estava fazendo quando deixou a baronesa blasfemando e amaldiçoando presa em seu próprio castelo, nem sabia o quanto a Rainha das Mariposas podia ser cruel e engenhosa, mas partiu rua afora negando coche ou companhia dos serviçais. Seus pés a guiaram aonde seu coração desejava ficar, na prisão de vidro onde ela encontrava a liberdade da vil baronesa, alcançou ao portão Souru que parecia caminhar muito mais calmamente que ela.
-Senhorita Treveau, posso lhe ajudar? – ele perguntou a notando ofegante vindo em sua direção.
-Eu... – a falta de ar lhe cortava as palavras.
-Está palida, algo lhe aflige? – ele tocou a testa dela procurando sinal de febre e ela entendeu como ele conseguia levar borboletas para Letia, tinha as mãos tão leves que seriam incapaz de ferir mesmo a criatura mais frágil.
-Posso entrar? – ela perguntou com os olhos enevoados pela incerteza e baixadas as emoções sentia medo das reações que a mãe podia ter.
-A senhorita Borboun repousa a esta hora, receio que lhe falte companhia adequada. – ele respondeu baixando o rosto, mas abrindo o portão.
-Sua companhia me basta... – ela corou enquanto entrava evitando olhá-lo.
Sua mente cobria-se de dúvidas, como por quais motivos covardes mantera distância dele todos aqueles anos e agora o via assim tão inocente e inofensivo, gentil e morno em seu modo servil como se não aspirasse nada mais em sua vida. Ele a acompanhou até a sala e lhe serviu chá morno para acalmar os nervos, permaneceu silêncioso a observar como todo bom guardião, ela estava encabulada demais para quebrar o silêncio quando decidiu falar a primeira coisa que lhe passou pela cabeça:
-Pensa em fazer outra estátua? Eu vi a da professora de piano que agora fica no conservatório, é muito realista.
-Me faltam modelos... – Ele respondeu parado na porta, parecia uma gargula vigiando uma construção antiga.
-A professora gostou de seu trabalho?
-Nunca mais a vi. – ele respondeu se aproximando um passo – Gosta de estátuas?
-Acho que você tem muito talento, mas prefiro pinturas... Elas são mais mornas.
-A pedra é fria, é verdade. – ele concordou e desviou o rosto, Adelheid temeu ter-lhe ferido os sentimentos e se adiantou na direção dele – Mas você não pode sentir uma pintura...
-Sentir?
-Venha... – ele estendeu a mão para ela.
Ela temeu por um momento, o velho receio que a mãe lhe incrustrara, mas logo estendeu a mão para ele que a guiou pela casa. Ela reconheceu o caminho até a redoma de vidro, onde ficavam a maior parte das estátuas e também as borboletas, nunca a tinha visto sob a luz do luar e das luminárias espalhadas pelo jardim entre flores e árvores. As borboletas ficavam mais calmas, com poucas exceções que ainda circundavam à fonte, ele a levou para um canto onde a estátua do jardineiro ficava reclinada na direção de uma roseira.
-Se eu o pintasse colhendo uma flor, ou até mesmo regando uma muda ele não sentiria as pétalas sobre seus dedos... – Souru comentou se abaixando e encarando o velho jardineiro, Adelheid lembrava dele, um senhor risonho que sumira pouco depois da redoma estar pronta.
-Mas é só uma estátua... – ela não entendia.
-Uma estátua é um corpo frio e sem vida, eu sei... – ele falou se levantando e a encarando, na escuridão parecia que os olhos dele sugavam como abismos. – Mas não é diferente dos corpos sem vida que existiam antes das almas aportarem dentro de si...
-Está falando do conto de novo? – será que ele via o mundo tão irreal quanto transparecia naquelas palavras?
-Não. Estou falando de corpos frios, mas que para sentirem cada toque, perfume ou sabor basta um pouco de compaixão ou da essência da própria vida. Coisa que falta em muitos daqueles que vivem e acabam se tornando corpos quentes com almas frias... – ela deu um passo para trás – Eu te assusto?
-Às vezes... – ela confessou apertando as mãos.
-Entendo, perdão... – ele fez uma mesura se afastando.
-Souru! – ela chamou e ele parou para olhá-la na escuridão – Às vezes... Eu sinto que minha alma esfria dentro do meu corpo, como uma flor que murcha sobre a estante ou então...
-Uma borboleta que se debate até a morte dentro de uma jarra. – ele falou sorrindo.
-Um dia... Mesmo uma alma calejada como a minha pode se libertar e voar? – ela perguntou sentindo que choraria, ele se aproximou lhe limpando o rosto úmido. – Eu queria...
-Se você quiser... – ele falou segurando o rosto dela com ambas as mãos, lhe beijou a testa e então a encarou com um sorriso tenro – Eu posso te libertar. – o toque dele era tão leve que ela própria sentia seu peso diminuir, sob as mãos deles eram como retirar os fardos que a prendiam ao chão, apenas sorriu concordando com a cabeça.