domingo, 30 de novembro de 2008

Fragil

2.
Ela sabia que estava sendo seguida, não por ter qualquer bom talento natural para isso, mas porque sempre mudava de lugar a noite e aquela mulher estava em todos, o corpete vermelho e o short preto curto a fizeram prestar atenção, a castaca vermelha eram um véu em chamas de uma viuva negra. Sempre uma taça de vinho, sempre um canto afastado envolvida por todo tipo de homem a adulando, aquela mulher era perigosa, ela tinha certeza daquilo e pior, não era humana.
-Você deseja alguma coisa comigo? – Beg perguntou encarando a mulher, tinha um homem beijando os pés dela e outro fazendo massagem em seus ombros.
-Não, e você? Qual seu desejo? – a ruiva passou a pergunta, tinha um sorriso vermelho que lembrava sangue e pupilas dilatadas que lembravam buracos.
-Saber porque você está me seguindo... – Beg respondeu cruzando os braços.
-Justo. São ordens do mestre Cian, os chefes sempre têm as coisas como desejam. Muito prazer, sou Teivel. – a ruiva se apresentou, sua voz parecia um mantra de evocação de pecados. Beg desviou o olhar para os homens ao redor dela. – Intrigada?
-O que você fez com eles? – Beg perguntou, pareciam fora de si.
-É um Dom incrivel, poder realizar qualquer desejo. Já tentou realizar seus próprios?
-Isso é contra as regras! – Beg exclamou.
-E você segue todas as regras, Beg? Não me faça ir atrás de você... – Teivel se levantou, derrubou o homem agachado com um chute depois pisou em cima dele com sua bota de salto alto. – Eles não merecem desejos, na verdade. Você sabe disso... Eu só os deixo mais dóceis, isso devia facilitar seu trabalho.
-Não importa quem ou como é a pessoa, ser escravizado desse jeito...
-Beg...- Teivel falou puxando a loira pela cintura, as bocas quase se encostando enquanto ela falava, os olhos fixos nos de Beg. – Eles gostam, qualquer toque meu, doloroso ou gentil...
-Isso... – ela não conseguia pensar numa frase completa, Teveil era paralisante, sentia um formigamento se espalhando por seu corpo onde encostava no dela, sua respiração aquecia seus lábios.
-Se você quiser eu te dou um pouco também, pra consolar a perda de seu querido Soner...
Como ela sabia daquilo? Os chefes sabiam de tudo, era assim. Não teve tempo de responder, Teivel lhe deu um beijo ardente ao mesmo tempo que a abraçava e envolvia, sentiu que ia derreter ou se partir em mil pedaços, teve vontade de idolatrar aquela mulher. Quando o beijo acabou, Beg estava zonza como quem tinha sido embrigada, Teivel pegou uma taça de vinho e se afastou com um sorriso no rosto, antes de sair do bar passou por Soner que entrava.
-Toda sua... – ela sussurrou para o homem antes de desaparecer.
-Beg...
Beg o reconheceu, apesar da imagem turva, nunca se sentira tão embriagada antes, não fazia idéia do que Teivel tinha feito com ela. Estava dócil como Munya depois daquele pequeno incidente, não falava ou protestava, apenas continuava acordada de maneira estranha. Soner a levou para um quarto, a colocou na cama e foi pegar um copo de uisque do frigobar, por algum motivo seu trabalho costumava ser mais fácil, afinal nunca fora com Beg antes.
-So... ner... – ela murmurou estendendo a mão pelo lençol, o apertou com força com as unhas escarlates.
-Não há nada de errado com a sua mente, é só o seu corpo que não responde. – ele falou dando um longo gole de uísque. – Eu falei com os chefes sobre Munya, mas eles não a acharam um problema. Acharam que o real problema é você e seu irmão Beg.
-Que... – ela tentou se levantar, mas tudo que conseguiu fazer foi erguer o rosto para olhá-lo, a face rubra e os olhos quase fechados, era ao mesmo tempo provocante e doloroso.
-Sabe, não é o verdade o que nós pensamos sobre não podermos mais morrer, Beg. É só um consolo para nossa existência servil, não ter que se preocupar com a morte. – ele sentou na cama, afagou os cabelos dela. – Mestre Cian me contou, que existe um meio de morrer.
-Por que...? – nos olhos dela, era raiva ou tristeza? Amor ou pesar? Ele não entendia, tentava se concentrar em seu trabalho.
-É meu trabalho Beg, os chefes me pediram para realizar seu último desejo. – Soner falou a sentando na cama, arrumou as alças do vestido nela e acariciou seu rosto – Mas primeiro eu tenho que lhe dizer como se morre. Beg...
-Não... – ela murmurou desviando os olhos.
-É só desejar... – ele murmurou no ouvido dela.
Cian lhe avisou, com ele por perto Beg não conseguia deixar de sentir, prazer ou dor, se ele a torturasse ou qualquer outra coisa ela acabaria sentindo e cedendo. Por isso tinha que ser ele, só ele podia fazer ela desejar morrer, e como um bom empregado era isso que ele faria. Não sabia porquê, mas tentava não pensar nos motivos, só tinha que fazer seu trabalho como sempre, com o gosto dela nos lábios.
-Beg, por quebrar as regras. Comunicar a um cliente sobre sua morte, formar barreiras entre os interesses dos chefes, sua sentença é a morte. – Soner ditou, a encarou por um momento, seus olhos escuros se abriram. – Qual seu último desejo, meu amor?
-Vai... pro... inferno...
Ele baixou o rosto, sentia o ódio dela tão claramente quanto ela sentia as mãos pesadas dele em seus braços, mas então ele sentiu a mão dela em seu rosto e seus lábios em sua boca. Por que ela estava fazendo aquilo? Era um sorriso no rosto dela? Uma lágrima caiu de maneira lenta na face dela: eu te amo seu miserável. Ele ouviu, apesar dela não ter dito, podia ver seus pensamentos, enquanto ouvia o coração dela batendo. Também a amava, não podia negar aquilo.
-Beg... Eu...
-Implore... – ela murmurou.
-Eu desejo, eu imploro... – ele falou e viu ela sorrindo para ele, o verde faiscante. – Não...
-Eu desejo... – ela começou, ele queria falar algo com ela ainda em seus braços, mas os lábios dela foram mais rápidos – Morrer...
-Beg!
Ela não respondeu, era como uma boneca sendo desligada, seus olhos fecharam e a pele tão quente e convidativa ficou fria, os lábios vermelhos lhe convidaram a dar um último beijo, mas perderam seu sabor. Eu desejo, eu imploro, meu amor, não me odeie nem me deixe mais. Isso era o que ele queria dizer: por que não disse? Ouviu o barulho de um gole longo, a ruiva estava na porta com sua taça de vinho na mão, o rosto com um breve sorriso.
-Por que está sorrindo? – Soner perguntou.
-Eu não pensei que você fosse conseguir. – Teivel admitiu virando a taça depois a jogando na parede para se despedaçar. – Tão frágil, que patético.
-E agora...?
-Nada, não precisamos mais de você pode voltar a seu trabalho normal. – Teivel falou se recostando no portal, a mão deslizou até o pescoço. – Ou por acaso espera um pagamento por seus serviços? Você me deseja, Soner?
-Não. – ele respondeu pegandou Beg no colo, tão gelada. – Sabe, no começo eu cheguei a ficar apreensivo perto de você, mas a verdade Teivel é que você é digna de pena.
-Pena...? – ela estreitou o olhar.
-Você é só uma boneca oca, um brinquedo que os chefes gostam de ter por perto. Você faz o trabalho sujo e eles fingem que você é importante. – ele abraçou Beg mais perto de si, o perfume dela estava sumindo. – Igual eu.
-Você perdeu a cabeça?
-Me pergunte.
-Já vi que perdeu.
-PERGUNTE!
-Qual seu desejo, Soner? – ela perguntou desencostando da porta, quando finalmente saiu não havia apenas um cadaver no quarto. Frágeis e patéticos, esperava mais do próximo.

Como eu desejar

1.
-Esses irmãos sempre foram um problema. – a voz era de um garotinho, um garotinho que não aparentava mais que dez anos, os cabelos castanhos e olhos azuis observavam curiosamente os arredores. – Faz muito tempo desde a última vez que tive que vir até aqui.
-Chefe... – Soner começou a falar, mas o menino ergueu a mão o fazendo calar.
-Por favor, Soner. Você é um dos melhores que nós temos, me chame de Cian.
-Agradeço os elogios, mestre Cian. Mas se me permite perguntar, o que vai acontecer com Beg e Will?
-Vamos esperar mais um pouco, ainda há muito que analisar. Mas quando a hora chegar eles serão punidos por seus erros é claro. – Soner engoliu em seco, o garoto falava de maneira inocente, mas sabia que falava sério. – Eu sou o mais velho entre os anjos da morte, que chegam aos moribundos e lhes perguntam seus desejos e é por minhas mãos que eles serão punidos. Assim comandam os chefes.
-Você é mais que isso, é um deles, Cian. – Soner murmurou, não sabia se tinha respeito ou medo pelo garoto.
-Você é muito observador, Soner. E um servidor leal, talvez o último. Já não obedecem regras simples e ordens como antigamente. – Cian comentou torcendo os lábios.
-Por quem você vai começar?
-Beg. - Cian anunciou, Soner estremeceu. – Sei que você tem sentimentos por ela, Soner, não tente escondê-los, mas espero que mais uma vez mantenha seu trabalho a frente de sentimentos pessoais.
-Claro, Cian. Por que por ela? Will parece mais dificil.
-Sim, no entanto é muito mais grave o fato dela ter a mania de deixar seus clientes saberem que vão morrer. A noticia da morte pode afetar sériamente a mente humana. – Cian se virou com quem protesta – É muito cruel falar tais coisas para uma pessoa! Nunca se sabe o que pode acontecer...
-É, verdade.
Os dois calaram, Cian foi até a varanda do apartamento no arranha céu, de lá podia enxergar tudo que acontecia lá embaixo, todas aquelas pequenas vidas circulando como se nada fosse acontecer. Abençoados os ignorantes. Uma ruiva num short preto e de top vermelho se aproximou com uma taça de vinho na mão, a girava fazendo o liquido rodopiar, Soner a observava de canto de olhos, nunca a tinha visto antes, mas já ouvira falar da mulher de cabelos vermelhos. Era a mais próxima dos chefes entre eles, conhecida por colocar os inadequados de volta em seus devidos lugares, ou sumir com eles.
-Teivel, fique de olho por mim no trabalho de Beg. Eu vou vigiar Will. – Cian mandou, ela simplesmente engoliu todo o vinho num gole só. Soner sabia o que queria dizer Teivel, era um nome masculino e queria dizer diabo. – Soner...
-Sim, mestre Cian?
-Quando eu mandar, vá visitar sua amada Beg.
-Sim...
Não havia espaço para sentir nada no mundo deles, ficavam entre a vida e a morte, concediam desejos, mas não deviam pensar em vontades próprias, era assim que Soner via as coisas. Mas Beg, nunca pode evitar sentir algo pela loira lasciva que lhe beijava os sentidos, mas aquilo não podia interferir. Assistiu Teivel e Cian deixarem o apartamento e ficou sentado sozinho no escuro, tentava organizar seus pensamentos, falara como Munya fora um fracasso e todos agiram como se já soubessem, como parte dos planos.
-Will! – Munya acenou correndo até ele com uma sacola nos braços, ele devia estar voltando do trabalho.
-O que você está fazendo, catando lixo na rua? – ele perguntou olhando para a sacola.
-Fazendo compras! – ela gritou em resposta. – Estava trabalhando?
-Claro que não, dormindo no parque. – ele respondeu sarcástico.
-Vamos voltar pra casa juntos? – Munya perguntou sorrindo.
-Hoje é dia da Beg te levar pra passear, mascote... – ele falou dando pequenos tapas na cabeça dela como se fosse um cachorrinho.
-Estupidamente rude! – ela falou rangendo os dentes, mas andou do lado dele mesmo assim. -Will, qual seu desejo?
-Eu não estou morrendo.
-Eu sei, mas... Você não deseja nada? – ela insistiu enquanto caminhava.
-Meu trabalho é conceder desejos e não desejá-los. – Will falou olhando para uma mulher que passava com uma criança no colo.
-Mas e se não fosse? E se você fosse uma pessoa normal?
-Por que está insistindo nisso? – ele a encarou e ela corou.
-Eu... eu não sei direito, mas eu sinto que estar com você, seu jeito sádico e estúpido é tudo muito familiar. Soner me falou que nós um dia tivemos um último desejo e como eu me sinto tão... – quando ela levantou a cabeça ele já estava lá na frente. – EI! EU ESTAVA FALANDO COM VOCÊ!
-Vem logo, cachorrinho! – ele chamou.
-Para de me chamar assim! – ela falou enquanto corria na direção dele. – Eu ia te fazer uma pergunta!
-Faça...
De repente ela perdeu a vontade de perguntar, ou talvez fosse birra por ele ser tão mal educado, as horas foram passando e nada de interrogações saindo de sua boca. A noite chegou, Beg chegou em casa e nada, foi na ponta dos pés até a porta do quarto dele, quando ia dar meia volta ela se abriu e ele a puxou pelo braço. Fácil como arrastar uma boneca de pano ela foi carregada, com a boca tampada para não fazer escandalos como sempre.
-O que você quer a essa hora? – ele perguntou com o rosto meio sonolento.
-Nada... – mentiu. – Ei o que você está fazendo? – ela perguntou o vendo arrancar sua blusa.
-Ta quente demais pra você usar isso. – ele falou a arremessando longe, não soltava a garota. – O que você quer aqui a essa hora?
-Já falei, nada. Me solta!
-Mentirosa... – ela conhecia aquele tom de voz e aquele sorriso.
-Will... Para... – ela falava tentando se soltar das mãos dele. – Ta bom, eu falo! Para!
-Boa menina. – ele falou soltando ela que abraçou os próprios braços, era muito divertido ver ela envergonhada.
-Will... Foi você que realizou meu último desejo? – ela perguntou de cabeça baixa.
-Por que está perguntando isso? – ele a ficou encarando, a puxou pela cintura.
-O que você...
-Quieta... – ele mandou dando um beijo na barriga dela, depois a mordeu.
-Will... Para com isso e me responde! – ela gritou.
-Eu estou respondendo. – ele sorriu. – Você sabia que aleijado, é o significado do nome Claudia?
-Aleijado? O que isso tem a ver comigo? – ela perguntou se encolhendo.
-Espero que você seja resistente, se não não vai andar por um tempo.
-ME SOLTA SEU SÁDICO!
-Você que veio me assediar no meio da noite, agora fica quieta...

Tchau...

6.
A casa estava silenciosa, era possivel ouvir uma agulha caindo, mas nem agulhas caiam por ali. Beg não dormira a noite toda, transtornada e preocupada ficava ali, recostada ao ombro de Soner procurando algum consolo. Soner não dizia nada, ambos sentados no sofá, ele olhava um ponto fixo na parede enquanto fazia carinho nos cabelos dela, a noite inteira passou sem nenhum dos dois conseguir descansar. O silêncio só foi quebrado pelos notórios passos de Will, eles não se viraram, esperaram o outro chegar se servindo de vinho de maneira casual e despreocupada.
-Caras horriveis. O que fizeram a noite toda? Obviamente não dormiram...
-Ela... está bem? – Beg perguntou dando aos próprios labios um batom natural: vermelho mordida. Naquele momento queria torcer a cabeça de Will. –Will?
-Ser idiota é incompetente é estar bem? – ele perguntou sarcastico. – Ela não é como nós e nunca vai ser, isso já está resolvido...
-Vou falar com os chefes.
-Não precisa.
Soner ficou paralisado depois de se levantar e dar a volta, a imagem na sua frente que o olhava debaixo o surpreendeu, tranças bem feitas e vestido de renda, mas não era bem aquilo o surpreendente. Munya sorria, a voz animada fez Beg se virar para tentar entender o que estava acontecendo, a garota parecia radiante apesar das marcas ainda perdurarem em seu corpo, sorria de maneira energética e calorosa.
-Munya, você realmente não...
-Não ligo. – ela falou sentindo a mão dele tocar sua cabeça como se fosse um bichinho que ele amansa – Eu só quero continuar aqui...
-Fazendo o que, anjo? Se você não pode trabalhar... – Beg falou indo na direção dela, tinha o rosto tão perdido.
-Ela vai ficar de mascote é claro, é a única coisa que ela conseguiria fazer. – Will falou de maneira ácida bebendo seu vinho.
-Will!
-Eu vou fazer o que puder. – Munya falou mexendo em uma de suas tranças – Só me deixem ficar, por favor...
-Ainda assim eu tenho que reportar aos chefes. – Soner falou virando o rosto.
-O que? Que ela virou um animal doméstico? Eu faço isso depois... – Will falou fazendo uma veia de irritação saltar em Munya.
-Não é tão simples, você sabe que quando dá errado os chefes mandam a pessoa de volta.
-Já falei que eu falo com eles depois. – Will falou colocando a garrafa de vinho de lado, tinha algo nos olhos dele. -–Agora se vocês me dão licença, venha Munya vamos dar uma volta.
-Por que? – Munya perguntou sendo arrastada pelo braço.
-Você é muito lerda, agora que eles sabem que eu não te matei, ele provavelmente vai voltar a brincar com a minha irmã.
-Brincar... – Munya repetiu a palavra engolindo em seco, ele levantou o rosto dela com o indicador. – O que?
-É, que nem a gente brincou.- ele falou dando um sorriso maldoso que fez o rosto dela arder rubro.
-IDIOTA!
Beg não sabia se ficava aliviada ou preocupada, nunca aquilo tinha acontecido antes. Era óbvio que ela nunca ia ser como eles, então por que continuar ali? A pessoa sempre sumia, era mandada de volta para onde veio, mas daquela vez seria diferente? Por que? Aquilo era uma afronta aos chefes ou simplesmente mudança, de qualquer jeito ela não sabia o que sentir. Soner continuava sério, analisava a paisagem da casa silenciosa como quem busca algo.
-Acho que podemos relaxar pelo menos um pouco. – Beg falou segurando a mão dele.
-Relaxar?
-Se Will disse que vai cuidar disso, então você não precisa mais se preocupar.
-Pra quem estava berrando e se debatendo ontem, você parece confiar muito nele agora.
-Soner... – Beg murmurou sentindo o toque pesado dele no seu rosto. – Eu só não quero pensar em nada agora... – ela falou o puxando para perto.
-Beg, pare com isso... – ele falou segurando as mãos dela.
-Por que? Você não pode relaxar por um segundo e aproveitar o tempo comigo?
-Não, quando meu trabalho é...
-Soner.. – ela falou o puxando e calando a boca dele – Você já acabou comigo com seu trabalho uma vez, não faça isso de novo. – ela pediu.
-Eu sinto muito, amor... – ele falou dando um beijo de leve na testa dela – Mas...
-Trabalho vem primeiro. – ela já sabia o que ele ia dizer, o empurrou e virou as costas. Foi até a porta e a abriu, o olhando de longe ele sentiu que ela ia chorar, mas não Beg. – Vai embora.
-Beg...
-Eu não quero ouvir, só vai. – Beg falou segurando a porta. – Eu nunca vou ser sua prioridade de qualquer jeito e se você ficar ou o Will ou eu te mato.
-Não faz isso. – ele pediu encostando a testa na dela – Quando eu estou com você...
-É ótimo. – ela falou sorrindo, depois deu uma leve risada – Mas você quase nunca está. Sem ressentimentos, só vá embora.
-Vai acabar assim?
-Vai. – ela falou dando um beijo de despedida nele – Vai fazer seu trabalho...
-E o que você vai fazer?
-O que eu quiser. – ela respondeu com um sorriso, esperou ele sair para bater a porta e se encolher no chão. Todo resto ela não sentia, mas ele, ele doía. Chegava a ser ridiculo, Munya devia estar com dores terriveis no corpo inteiro e sorria, praticamente uma criança, e ela daquele tamanho se encolhendo por causa daquilo. – O Will mentiu... Nós podemos morrer... – ela murmurou.
Se arrastou pela casa como um moribundo se arrasta da vida para a morte, achou silencio em seu quarto, com sua maquiagem forte e vestidos justos, colocou salto alto e se equilibrou tanto quanto podia no topo de sua existência. Quem precisa de um coração, quando um coração pode doer tanto? Jogando os cabelos andava pelas ruas, perdida nas multidões, a escuridão dos becos, os bares pobres, olhares lascivos e mentes podres.
-Ei, amorzinho... – não importava de quem era a voz.
-Qual seu desejo, amorzinho?
-Você...
-Pode pegar...
Não era nada pessoal, não era nenhum prazer e nenhuma dor, não era nada além de seu trabalho. Lembrou do sorriso de Munya, nunca ia sorrir daquele jeito, não, seu sorriso era uma provocação maquiada. Os olhos frios de Will, queria ser mais como ele, conseguir fazer as coisas sem pensar duas vezes e sem arrependimentos. Queria ser mais como Soner, conseguir pensar primeiro em seu trabalho, assim o resto importava menos, não doía tanto. Os cabelos loiros puxados para trás, naúsea de toque e saliva, ela também já foi uma criança, mas agora aquilo era passado. Amor era uma ilusão para alguém como ela.
-É assim que você gosta?
-É... – claro que não.
Aqueles sobre a morte, realizam os desejos dos que estão prestes a morrer, podem trabalhar com pessoas boas ou ruins, decidem através de julgamento próprio quantos desejos realizar. Beg nunca realizou mais que um desejo por pessoa. Esperam a pessoa que recebeu o desejo morrer antes de escolher outra pessoa, eles não são humanos, pois não vivem nem morrem. Apenas trabalho, numa vida que não é uma vida, recebendo ordens dos chefes, algo incompreensivel normalmente.
-Beg? – era Munya que veio recebê-la. – Já é tão tarde, você está bem?
-Claro, anjo. – Beg falou sorrindo e abraçando a garota.
-O So...- Munya não conseguiu falar, Beg quase a sufocou no abraço de Beg que a esmagava contra si.
-Você devia ir dormir, já está tarde... – a loira falou subindo as escadas, no topo delas estava Will de braços cruzados. – Algum problema, irmãozinho?
-Tirando o fato que minha irmã está deprimida e é praticamente uma prostituta, problema nenhum. – Will falou estendendo a mão para ela. Ela deu risada, por debaixo daquele jeito insensivel, rude e sádico ela sabia que o que ele queria dizer era que estava preocupado com ela. Ou pelo menos esperava aquilo. – Vem cá...
-Não precisa. – ela falou dando um beijo no rosto dele. – Eu estou bem.
-Beg... – ele murmurou a encarando. – O que eu faço com você?
-O que você quer fazer, bonitão? – ela perguntou dando risada e piscando um olho.
-Não tem graça.
-Eu já sou bem grandinha, não precisa se preocupar comigo. Você já tem alguém pra cuidar... – Beg indicou as escadas. – Boa noite, irmãozinho.
-Boa noite, Beg.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Melhor ou pior? =X

5.
Munya fazia apenas movimentos lentos com seu corpo, toda vez que virava sentia uma nova dor lhe percorrer, fechava os olhos tentando não sentir nada, mas era impossivel. Cada brisa que entrava pela janela lhe lembrava a respiração de Mac e a fazia encolher, quando encolhia voltava a sentir dor então virava, e tudo começava de novo. Sentiu uma mão pegar seus cabelos e fechou os olhos, os lábios tremendo com lágrimas caindo, alguém desmanchava suas tranças, uma mão pesada. Puxões de cabelo, como podia se enganar tanto quanto a alguém?
-.....hmn...
Não abria a boca, então só emitia sons meio animalescos vindos da garganta, mãos que a levantavam, os pulsos ainda estavam marcados, as costas, as pernas. Quanto tempo fazia? E tudo ainda doía, não conseguia parar de lembrar da foto rasgada. Mãos pesadas lhe seguravam sentada, tirando o vestido em trapos, mas ainda não abriu os olhos, estava presa dentro de suas más recordações, então sentiu algo fresco em suas costas e ombros,o que era? Seda?
-Você é mesmo estúpida... – conhecia aquela voz, saíra do transe e da dor por um segundo, abrindo os olhos encarou Will, o que ele estava fazendo ali? Estava em seu quarto.
-.... – duas lágrimas caíram, não tinha vontade sequer de chorar mais.
-Você está um caos também. – ele falou ajeitando os cabelos dela atrás dos ombros, o toque dele era pesado, mas... – Dá próxima você devia me ouvir, novata.
-Hmn.... – ela baixou o rosto, a respiração estava fraca.
-Você por acaso consegue sentir? – ele perguntou, ela simplesmente levantou a cabeça, o rosto contorcido em dor. Ele soltou um longo suspiro para o lado, será que ela não conseguia fazer nada? – Não tem jeito... Soner!
Ela ficou lá, emudecida e dolorida, olhando para Will enquanto passos vinham pelo corredor, Beg não estava lá, apenas ela, Will e Soner, seu instrutor. O homem sempre sério não estava diferente naquele momento, por que nenhum dos dois demonstrava sequer simpatia? Oras, era culpa dela ter sido idiota, não ter ouvido quem fazia aquilo há anos. Soner se aproximou e ficou olhando a garota, uma camisa de seda sobre seus ombros, as marcas de pancadas, dentes, mãos entre outros espalhadas.
-Você devia ir falar com os chefes. – Will falou encarando o homem. – Ela não serve.
-Tão cedo? – o outro perguntou, Munya sentiu um aperto.
-Ela nem viu que ele era um psicótico, é tão estupida que depois de tanto tempo continuava sem ver quanto tempo ele tinha de vida. – Will falou, não podia ser gentil nem naquela hora? A dor parecia crescente.
-Não é hora para falar assim, Will. Pessoas cometem erros. – Soner falou lançando um olhar para a menina, encolhida de olhos fechados, como quem espera outra pancada fosse de quem fosse.
-Eu já falei, ela não é como nós, não vai conseguir. Vá falar com os chefes o lugar dela não é aqui.
Por que Will parecia tão sério? Tão bravo? A única coisa normal era que ele continuava insensivel, continuava a tratando como uma debil mental, mas Soner não a defendeu como fazia normalmente justificando que ela ainda era nova naquilo, baixou o rosto e respirando fundo se virou para ir embora. Os chefes, então era aquilo? O que ia acontecer? Ser mandada embora? Não sabia o que acontecia, mas se aquele não era o lugar dela, para onde iria se não tinha outro lugar? Não queria aquilo, não queria ser aquela falha que além de não fazer nada, quando tudo dava errado nem conseguia abrir a boca. Will não teve tempo de segurá-la, Munya pulou da cama abraçando Soner antes que ele saísse pela porta, estava quase caindo, tudo doía era dificil ficar em pé.
-Munya... – Soner virou o rosto para olhar a menina que chorava.
-Sua idiota, você não serve pra esse trabalho ia acabar em situações iguais ou piores toda hora! – Will a falou segurando os braços dela, mas ela se encolheu apertando Soner. Will parou, vendo as marcas nos braços dela não teve coragem de puxá-la. – Estupida.
-Munya.... – Soner se virou segurando com cuidado ela por perto a levando de volta para a cama, a ajudou a sentar. – Não importa se você entende e aprende, se você não consegue fazer o que nós fazemos.Will está certo, talvez essa vida não seja para você.
-Escute seu instrutor. Você nunca vai ser como nós, desista... – Will deu as costas, Soner devia cuidar daquilo agora, não era mais problema dele.
-Não! – ela gritou, era a primeira vez q ele a ouvia falar depois que a viu sair correndo.
-Teimosa! – ele gritou de volta.
-Eu... – ele paralisou, Soner estava perdido, mas ele tinha paralisado, lágrimas que caíam em olhos resplandecentes. Tão linda quando chora. – Eu posso não servir pra nada, mas eu quero continuar aqui...
-Masoquista... – Will rangeu os dentes e foi na direção dela, apenas com um gesto de espantar insetos para Soner – Sai daqui, instrutor...
-O que você vai fazer?
-Sai.
Munya estremeceu, Soner parecia ao mesmo tempo preocupado e aliviado de deixar o quarto, ninguém sabia o que Will iria fazer, exceto ele mesmo. Quando a porta fechou Munya ouviu o barulho da tranca, suas lágrimas secaram na antecipação, seu corpo ainda doía e Will não sorria mais, apenas aqueles olhos escuros maldosos, apenas aquele jeito de demônio em corpo de homem. O assistiu começar a abrir a camisa e algo dentro de si encolheu.
-O que...
-Cala a boca... – ele mandou sério jogando a camisa para o lado. – Não foi você que disse? Masoquista idiota, mesmo não servindo pra nada quer continuar aqui? Você sabe o que isso quer dizer?
-Eu não sou... – ela falou se escolhendo ele a empurrou deitada com um gesto rapido e ela fez uma careta sentindo dor nas costas. – Masoquista. Para!
-Não. – ele falou a segurando deitada. – Se você ficar aqui, do jeito que você é vai ser sempre assim... Você é tão fraca e estupida, que vai ser sempre assim.
-Will... – ela falou tentando empurrar ele, mas ele segurou os braços dela acima da cabeça.
-Sabe o que quer dizer? Que você vai ser sempre um brinquedinho, vão fazer o que bem quiserem com você e do mesmo jeito que eu estou fazendo agora...- cada palavra tinha uma pausa, cada palavra era intercalada com uma mordida que ele fazia questão de dar onde já estava marcado, as caretas de dor dela ou o corpo que encolhia não pareciam querer dizer nada. – Você só vai perceber quando é tarde demais e não vai poder fazer nada.
-Para, por favor... – ela pediu chorando, mãos pesadas, seu corpo doía.
-Parar? Você acha que aquele cara ia parar só porque você está chorando?
-Mas você não é ele!
-Não. – Will concordou mordendo a boca dela que soltou um grito surdo. – Está entendendo agora? Pare de ser teimosa...
-Não... – ela falou fechando a boca, os olhos cheio de lágrimas que não desciam.
-Eu não vou parar até você mudar de idéia, idiota... – ele falou e ela soltou um grito, o barulho de tecido rasgando pela segunda vez a fez tremer inteira.
-Will!
Soner estava de pé no meio do corredor, tomava com goles lentos um copo de uísque enquanto olhava para um ponto fixo na parede, assistiu Beg subir as escadas correndo, ela provavelmente ouvira os gritos de longe, ele teria ouvido. Segurou a mulher loira pelo braço, a manteve abraçada como quem tenta prender e ser consolado ao mesmo tempo, mas ela se debateu.
-O que está acontecendo? É a Munya gritando?! – Beg perguntou aos berros.
-Era... – Soner falou, os gritos não eram continuos, vinham e voltavam, intercalados com gemidos e outros sons. Will era muito frio.
-O que está acontecendo aqui?!
-Will está com ela. Ele a salvou de um estuprador homicida e falou para eu dizer para os chefes que ela não servia, mas ela não quis...
-E ele está tentando convencer ela assim? MALDITO! – Beg falou como quem vai invadir o quarto, mas Soner a segurou. – O que você está fazendo? ME SOLTA! ISSO É ERRADO, SONER!
-Eu sei. – ele falou deixando o copo cair e se quebrar. – Mas veja como Will, se ela ficasse aquilo podia acontecer de novo, e de novo, e talvez coisa pior... Eu acho que ele gosta dela, por isso quer que ela suma.
-Gosta dela? Aquele sádico vai deixar ela em pedaços! – Beg falou tentando se soltar.
-Essa não é a intenção dele, Beg.
-Você é SURDO? – Ela perguntou ao mesmo tempo em que outro grito ecoou. – MUNYA!
-Ela não vai te ouvir...
-ME SOLTA!
-Não posso...
-Como vocês podem fazer isso com ela?! – Beg perguntou tremendo.
-Eu não posso, por isso eu estou aqui. – Soner falou a abraçando junto ao peito, só agora ela notou que ele também estava tremendo. – Se você for lá agora, vai ser pior, Beg.
-Ela é só uma criança, Soner... – Beg murmurou sentindo a mão dele tocar uma marca em suas costas.
-Você também era...
Por algum motivo, lá dentro ela já tinha dado seu último grito, o corpo já estava tão quente e dormente que não sentia mais dor nenhuma, nem os dentes dele, nem seu toque pesado, nada. Ele nem precisava mais segurar ela, com os braços estirados, unhas cravadas no lençol, ela não conseguia chutar, empurrar ou qualquer outra coisa, o rosto rubro e os olhos perdidos. Calor. Já sentira aquele calor, antes, os lábios dele no seu pescoço, diferente das mãos ele tinha o beijo leve.
-Desiste?
-Não... – ela respondeu encolhendo os braços, conseguiu segurar o rosto dele, olhos negro como abismos, pensava se era possivel suicidar neles.
-Você é mesmo masoquista, não é? Criança idiota... – ele murmurou contrariado, será que ela não podia simplesmente jogar a toalha.
-E você é um sádico maldito... – ela respondeu sorrindo.
-Por que você está sorrindo? – ele perguntou olhando feio.
-Não dói mais. – ela falou dando risada ao mesmo tempo que chorava. – Eu não sinto mais nada, só calor...
-Nada é? – ela soltou um gemido sob o toque e dentes dele. – Estou ouvindo o nada. Desiste que você se livra...
-Não, azar o seu criança idiota... Não vai se livrar de mim. – ela falou dando risada até sentir ele lhe morder de novo, mordeu os lábios.
-Achei que você queria se livrar de mim... – ele falou.
-Eu não ligo se você me machucar ou me fizer chorar, Will. Mas eu não vou a lugar nenhum... – por que ela continuava sorrindo?
-Para com isso....
-O que?
-Sorrir... Para... – ele falou com os olhos encolhidos.
-Tenta me fazer parar. – ele também sorriu dessa vez.

Tava demorando...

4.
O que estava acontecendo? Tudo que lhe diziam, tudo que lhe explicavam, ela guardava em sua memória elefantica, lembrava tudo que Soner lhe ensinou ou explicou, mas simplesmente não conseguia fazer nada além de lembrar. Não via quanto tempo faltava, não conseguia dizer se alguém era bom ou ruim em menos de alguns dias, se sentia uma falha no sistema. Por que estava ali? Será que aquilo tudo fazia algum sentido? Não parecia fazer pelo menos, acabou suspirando.
-Munya, você está bem? – ele era sempre tão gentil e preocupado, quanto tempo fazia? Alguns dias, talvez uma semana e pouco.
-Estou, Mac, obrigada. – ela falou sorrindo de maneira distraida.
-Munya, vem comigo? Eu quero te mostrar uma coisa... – ele falou a puxando pela ponta dos dedos, mas ela parou ao ouvir uma voz vinda de trás dele.
-Aí está você anjinho com deficit mental... – era Will, desagradavel e inoportuno como sempre, imediatamente o nivel de irritação dela subiu, combinado com a frustração.
-O que você quer?
-Amigo seu...? – Mac perguntou olhando de um pro outro.
-Ela mora comigo, é meu saco de pancadas verbal particular. – Will respondeu apontando para ela.
-Isso é...
-Ignora ele! – Munya falou puxando Mac pega mão, a presença de Will só podia piorar as coisas. Mas não conseguiu fugir, o agradabilissimo a segurou pelo braço. – O que você quer?
-Pergunta errada. – Will falou, Mac parecia perdido e desconcertado.
-Eu não tenho tempo para suas brincadeiras. – Munya respondeu rangendo os dentes.
-Não é brincadeira, eu demorei para te encontrar. Vem comigo.
-Eu estou ocupada...
-Tudo bem. – era Mac, coçando a cabeça meio sem jeito – Nos vemos depois?
-Mac...
-Se cuida... – o ruivo falou se afastando, parecia deslocado naquela conversa.
Ela estendeu a mão tentando segurar o nada enquanto o via se afastar, baixou o rosto triste por ele por um momento, mas qualquer sentimento saudosista que tivesse desapareceu logo em seguida. Will começou a rir, e a risada se tornou uma gargalhada, de forma que ecoava, aquilo a irritou profundamente a fazendo querer pular no pescoço dele e lhe torcer até os ossos estalarem!
-Não tem graça! – Ela gritou.
-Não precisa ficar tão brava, só porque ele é covarde.
-Você nem conhece ele! – Munya gritou se virando, já ia correr atrás de Mac quando ele a segurou pelos cotovelos, a respiração dele em sua nuca a fez arrepiar.
-Não vá atrás dele... – por que de repende parecia um pedido?
-Por que, não?
-Ele não é o que você pensa, além do mais faz dias e você nem sabe o quanto vai demorar para ele morrer, você não é nenhum pouco boa nisso. – Agora parecia mais com ele, a chamando de idiota daquele jeito.
-Nem por isso vou desistir! – ela falou se soltando e saiu correndo.
Ouviu um resmungo: criança teimosa. Mas não se importou, como ele podia falar tão rápido que Mac não era o que ela pensava, até tinha esquecido do que Soner lhe contara sobre Will, na raiva que estava só sabia correr, acabou alcançando o rapaz algumas quadras depois, ele pegava uma lata de refrigerante de uma das máquinas de venda, parecia distraido com algum tipo de pensamento, olhava para o nada enquanto abria o lacre. Chegou com passos lentos até ele, não sabia bem o que falar.
-O que está fazendo aqui? – ele perguntou olhando por cima do gole.
-Você não queria me mostrar algo? – ela perguntou chutando uma pedra invisivel no chão.
-Claro. Que bom que você veio... – ele falou segurando a mão dela, podia sentir o toque dele. Tão leve, não eram as mãos rudes e pesadas do Will, lembrou de Beg, tentou não sentir nada, mas não conseguia. – Mas e seu companheiro...?
-Will? Esquece ele, é um idiota...
Ela ficava encarando Mac por horas seguidas, procurando algo nele que denunciasse o fim de sua vida, mas tudo que via era um rapaz ruivo com rosto sardento e sorriso desconcertado. Nem prestou atenção que caminho estavam fazendo até entrar numa viela escura, não fez perguntas, continuou procurando o dia da morte dele em qualquer pedaço do que ele era, sem sucesso. Ele abriu a porta de uma casa escura e escondida, era um lugar isolado e decadente, imaginava como ele podia viver lá, devia ser solitário.
-Essa é minha casa. – ele falou fazendo sinal para que ela entrasse.
-É sempre tão escuro assim aqui? – Munya perguntou, não conseguia enxergar direito.
-Já vou acender as luzes... – ele falou fechando a porta.
Ela demorou para entender o cenário, não porque continuasse escuro, mas por sentir seus dois braços puxados para o meio das costas, era uma sala comum e desleixada, revistas espalhadas com mulheres na capa, garrafas vazias de bebida, um sofá velho e um radio jogado no canto. Ela demorou para entender o que ele estava fazendo até sentir os dentes dele mordiscando seu pescoço, os braços presos pelas mãos dele.
-Mac, o que você...Ahhh... – ela não conseguiu completar a frase, ele puxou a cabeça dela pra trás a arrastando até o rádio. – Para com isso, Mac!
-Parar o que? – ele ligou o som alto. A música cobrindo as vozes, não que fosse preciso naquele final de mundo – Achei que você gostasse de mim...
-Eu gosto, mas... – ela mordeu os lábios ao sentir ele puxar de novo sua cabeça, ele encaixou os dentes entre seu ombro e pescoço. – Mac!
-Mas o que...? Como amigo? Não assim? Não como homem? – ele a virou e empurrou contra a parede, ela nunca tinha visto antes, mas ele tinha olhos muito tenebrosos, escondidos pelo sorriso desconcertado, aquelas perguntas e aquele olhar, era como se nem fosse para ela.
-Mac...
-Eu não quero ouvir. – ele falou tampando a boca dela com uma das mãos enquanto a outra segurava seus braços, tão pequena, era tão facil de manter parada. – Ai! – ela o chutou já que os braços estavam presos. – Para com isso!
-Humhnumhhh! – só saiam sons de sua boca, mas não não ficava quieta.
-Chega! – ele gritou a batendo contra a parede, sentiu a dor da pancada, não era como Beg, não conseguia não sentir. – Fica quieta...
Sentia a dor, mas não era só isso, era medo e respulsa, além da óbvia raiva de ter acabado naquela situação. Will tinha avisado, falou para ela não ir, falou que ele não era o que ela pensava, mas ela não ouviu, achou que era só mais uma das irritâncias dele. Ouvia o barulho de tecido rasgando, mas já não enxergava direito pelos olhos encharcados, sentia nauseas alimentadas por toques e saliva, não adiantava espernear, ele era mais forte. Parecia ter oito braços a segurando, enquanto os outros lhe expunham a pele, puxavam as tranças, apertavam o corpo. A nausea crescente a fazia querer desmaiar, sombras de fotografias na parede, quem era aquela mulher cuja foto fora rasgada ao meio?
-Will... – ela murmurou chorosa com o rosto virado pro teto, ele estava com o rosto mais abaixo, na altura de seu coração como se fosse abrir seu peito e devorar seu interior.
-É o nome daquele cara...? – Mac perguntou apertando os pulsos dela presos em suas costas, mas ela não respondeu, os lábios tremiam, queria não sentir nada. Mas ele lhe mordia deixando marcas entre o vermelho e o prpura – Você está me deixando muito triste, assim, sabia? Eu não gosto de ficar triste...
-Quem gosta?
-Diabos... – Mac virou o pescoço tão rápido que parecia que ia quebrar, a voz de Will vinha da porta, quando ele tinha entrado? – O que você está fazendo aqui?
-Pra quem não gosta de tristeza você não parece de importar com uma criança chorando.
-Não estou vendo nenhuma criança aqui e ela veio porque quis, vai embora... – Mac mandou apertando ainda mais o corpo dela, Munya fechou os olhos, as lágrimas caíram.
-Eu já falei, ela é meu saco de pancadas particular. Um garotinho mimado e que não sabe tratar uma mulher como você, não vai estragar meu brinquedo... – Mac encolheu, será que só agora ele notara o sorriso demôniaco de Will? Ou só agora que o homem era três dele? De qualquer forma, parecia ter medo. – Qual seu desejo?
-O que você vai fazer? – Mac perguntou apertando Munya contra seu peito, como um cão que protege um osso.
-O que você deseja mais que tudo? – Will perguntou se agachando, encarava o rapaz, muleque idiota, ambos ignoravam as lágrimas do corpo semi dormente de Munya, ela sequer reagir, parecia petrificada, as marcas, as lágrimas, tudo paralisado com olhos abertos que não piscavam.
-... – Foi quase ininteligivel o que Mac murmurou de cabeça baixa, mas Will pareceu entender, afinal estendeu a mão para ele.
-Eu troco por ela.
-Mas...
-Pegar ou largar...

Banho com a Beg xD

3.
-Aqui está, você deixou isso cair. Devia tomar mais cuidado...
Aquela era qual, a quarta? Talvez quinta, ou sexta pessoa que ela pensava em escolher e ir contar para Soner, mas ele sempre chegava antes! Chegava como quem não queria nada, fazia algum tipo de favor e então perguntava: Qual seu desejo? E ela não podia fazer nada, afinal fora proibida de falar com quem escolhesse, só podia observar. Morrendo de irritação soltou um berro no meio da rua, depois cobrindo a boca saiu correndo envergonhada para se esconder num beco, quanto tempo ia demorar? Parecia que ele fazia de propósito, devia ser de propósito aquele maldito, fazia semanas que começara a procurar.
-Assim eu nunca vou achar alguém... – e se encolheu quase no chão, o rosto cabisbaixo, imaginando o que o instrutor devia estar fazendo naquele momento. Trabalhando? Ou passeando com a Beg.
-Com licença, você está bem? – era um rapaz, não parecia muito mais velho que ela, os cabelos ruivos brilhavam contra o sol e perguntava em tom calmo e gentil.
-Humn... – ela cobriu a boca, apenas fez que sim com a cabeça.
-Achei que estivesse passando mal. – ele falou coçando a cabeça, soltou um suspiro aliviado. Ela fez que não com o rosto. – Não pode falar...?
-... – ela apenas olhou para o chão, queria falar alguma coisa, mas o instrutor disse para não dizer nada e ele, ele parecia bom.
-Não devia ficar nesse tipo de lugar, é perigoso. – ele fez carinho em sua cabeça como quem avisa a uma criança sobre estranhos e lugares escuros. – Quer que eu a acompanhe até em casa?
-... – ela não sabia se fazia que sim ou que não, apenas apontou para ele, depois para o chão e por fim fez sinal de 5 com os dedos.
-Aqui....5 horas? Você vai ficar aqui até as cinco?
-hmn... – ela fez que não frenéticamente, apontou para si mesma e depois para ele, juntou as duas mãos e apontou para o chão.
-Nós dois aqui?
-... – fez que sim. Depois fez 5 com os dedos e girou a mão como quem diz depois.
-Nos encontrarmos amanha as 5 aqui? – ele perguntou dando risada, ela fez que sim. – Está bem.
Ela levantou num pulo sorridente e acenou adeus, saiu correndo sem olhar para trás antes que Will a visse e mais uma vez roubasse a pessoa que ela escolheu. Ele parecia bom, não parecia? Afinal tinha se preocupado com ela, não tivera muito tempo de analisar, estava preocupada demais com Will aparecer do nada! Correu para casa mais rápido do que correra há muito tempo, aquela pressa em entregar sua "lição de casa" a lembrou de algo, sua cabeça girava depressa enquanto corria, não enxergava direito por onde andava.
-Olha por onde anda! – sua mente estalou, quando deu por si tinha cruzado com Soner numa esquina. – Por que tanta pressa?
-Instrutor, eu achei!
-Falou com a pessoa?
-Não, do jeito que você mandou. – ela falou, por algum motivo não ficara sem fôlego, era como se seu corpo sequer pudesse cansar-se.
-É alguém bom? – ele perguntou.
-Sim...Ele é bom. – essa resposta não foi tão convincente, a verdade é que apesar dele ter sido gentil ela não sabia.
-Você viu quanto tempo ele tem de vida?
-Não... Eu não vi. – Ela falou baixando o rosto, ainda não sabia como ele e os outros podiam saber quanto tempo faltava para uma pessoa morrer. – Como...
-Passe algum tempo com ele, converse, não importa. Venha me avisar quando descobrir quanto tempo ele tem de vida, se eu achar que é pouco o bastante você pode perguntar qual o desejo dele.
-Você não vai me ensinar a ver? – ela perguntou estranhando.
-É diferente para cada um, descanse por enquanto. E Munya...
-Sim?
-Fiquei sabendo que os últimos que você escolheu o Will realizou os desejos. – Soner comentou sério olhando algo a esmo – Se ele fizer isso de novo, você vai ter que começar de novo.
-O que? Mas, não é justo! Ele faz de propósito!
-Provavelmente. – Soner respondeu e repousou a mão na cabeça dela – Mas é bom você aprender as poucos como observar as pessoas, com mais prática vai poder escolher bem mais rápido. Will é muito instintivo e empático, ele conhece uma pessoa só de olhar para ela e ficar alguns instantes ao seu lado.
-E transforma isso num pesadelo de criticismo... – ela resmungou.
-Ainda assim, você precisa melhorar suas habilidades de observação e empatia. – Soner falou ajeitando as tranças dela.
-Está bem, instrutor Soner.
O dia correu mais rápido do que ela esperava, descansou horas na banheira de água quente tentando relaxar toda a frustração dos últimos tempos, estava quase dormindo lá dentro quando a porta se abriu, já ia gritar, até ver que era Beg e não Soner, ou pior Will. A mulher loira estava num robe branco, sorria de maneira distraida e maternal para ela, Beg sempre a tratava como um anjinho ou ursinho de apertar, mas não sabia o que ela queria ali.
-Posso me juntar a você? Não aguento mais esperar um banho! – Beg falou se aproximando da banheira, de fato era possivel, a banheira era enorme e Munya era pequena.
-Claro, aconteceu alguma coisa? – Munya perguntou olhando os cabelos encharcados da mulher.
-Tomei um banho de champanhe. – Beg explicou tirando o robe e entrando na água quente, seu rosto corou na hora como se de repende ela se sentisse bem. Munya ficou constrangida, não por Beg estar lá com ela, mas pelo corpo que ela tinha. Enquanto ela, bem... Não tinha nada demais. – Que delicia... Quer que eu lave suas costas, anjinho?
-Não precisa! – Munya exlcamou quase mergulhando debaixo da água e espuma, porque estava tão constrangida de repente?
-Então posso pedir pra você me ajudar com as minhas? – Beg perguntou com um sorriso pedinte, olhos enormes como os de um cão sem dono.
-Cla-claro....
-Obrigada, Munya! – mas a garota paralisou quando a loira se virou de costas para ela, ficou parada com a esponja na mão e o olhar petrificado – As marcas?
-O que aconteceu? – não conseguia desviar os olhos de marcas vermelhas e roxas nas costas de Beg, parecia que tinha levado uma surra.
-Ossos do oficio, meus clientes estão entre as pessoas mais despreziveis que existem...
-Por que?
-Bem, existem pessoas boas e más então...
-Não. Por que pessoas assim ganham desejos? Elas não merecem! – Munya exclamou, o olhar de Beg lhe sorria, seu rosto estava gentil e animado como sempre. – Não tem graça!
-Anjinho... – Beg falou puxando Munya e a abraçando, lhe fez carinho na cabeça para que se acalmasse, acalentando suas preocupações. – Esse mundo não é justo, seja na vida ou na morte, mas... Mas, às vezes, as pessoas merecem uma chance.
-Chance de melhorarem? – Munya perguntou, seus olhos brilhavam, lágrimas e espumas na banheira quente.
-Eu acredito que sim. São as ordens dos chefes...
-Dói muito? – Munya perguntou vendo Beg se afastar e recostar na outra lateral da banheira.
-Não, nós só... Só sentimos o que queremos sentir. – Beg falou sorrindo. – Então eu não sinto dor...
-Como você faz isso? – Munya perguntou se inclinando.
-É só questão de concentração e vontade. – Beg respondeu, deu uma risada baixa. – Tente depois. Nós usamos muito isso, para não sentir nada por quem vai morrer, nem dor, nem calor, nada. Ajuda a manter tudo como realmente é, um negócio.
-Tão impessoal e...
-Desumano. – Beg completou sorrindo – Não tem jeito, afinal eles se acabam muito rápido.
-Mas você e o instrutor...
-Ele é outra história.... – Beg falou virando o rosto, parecia evocar lembranças. – Eu não consigo me concentrar perto dele.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Estalo mental

2
Soner passou o dia inteiro fora, ela entendia, tinha que buscar o alvo de sua instrução, mas o que não entendia era porque Will se prendera em casa com um olhar fixo num ponto morto da parede. Ela ficava aflita, não sabia exatamente o que estava acontecendo, então olhava para todos os cantos em busca de alguma luz, mas a única luz que ganhava eram raios de sol que machucavam seus olhos. Que tipo de pessoa os chefes mandaram? Que tipo de desejo os fizeram escolher mais alguém depois de tanto tempo.
-Entendeu? – Soner perguntava de maneira séria.
-Sim, só escolher uma pessoa por vez e esperar ela morrer antes de escolher outra. – era uma voz de menina, uma voz de criança, uma voz... Ele não sabia explicar, talvez fosse inocência, ou talvez fosse ignorância.
-Isso mesmo, como você escolhe a pessoa fica por sua conta. Mas...
-Ela tem que ser uma pessoa boa. – completou antes do instrutor dizer, aprendia rápido, seu mundo se tornara rápido. Como ele era antes? Não lembrava. – Instrutor...
-Pode me chamar de Soner. – ele falou dando um tapinha de leve na cabeça dela, como se fosse um cachorro.
-Soner. Não tem limite pra que tipo de desejo eu posso realizar? – ela perguntou, imaginava que pessoas boas não pediriam nada estranho ou impossivel, mas ainda assim, era muito ampla a pergunta: qual seu desejo?
-Alguns, nós temos regras... Mas falamos disso depois, vou te apresentar pros donos da casa antes. – Soner falou a empurrando portão adentro pelas costas.
-Está bem!
Ela parecia bem animada, realmente como uma criança. Não entendia como alguém tão nova podia ter sido escolhida, mas já que aconteceu tinha que lidar com aquilo, a sala estava silênciosa, apesar da presença senhorial de Will sentado no sofá com os braços no encosto, apesar de Beg recostada num canto olhando pela janela. Silêncio sepulcral que só era quebrado pelos passos barulhentos da recém chegada e seu instrutor.
-Soner... essa é...? – Beg ficou olhando com rosto abestalhado.
-Munya, muito prazer. – ela se apresentou fazendo uma mesura, usava um vestido preto com rendas.
-Munya, é? – Will falou se levantando e olhando para a garota – O que é isso, mistura de mugido com descontentamento?
-Ora seu... – a tempora dela ficou em evidência, a animação virou irritação.
-Seja bem vinda, Munya. É esse mesmo seu nome? – Beg perguntou, chegou mais perto para analisar, sabia que ele também tinha notado.
Apesar de agora estarem presos em longas tranças os cabelos eram os mesmos, o mesmo perfume das flores do caixão, aqueles olhos claros, azuis limpidos e lacrimais também eram os mesmos. Aleijado, de fato não era um nome que condizia com o que ela se tornara, por isso outro nome, Desejo. Mas será que ela não lembrava? Muitos demoravam para lembrar, muitos só lembravam de alguma coisa, outros jamais lembravam do que eram antes de morrer e se tornarem, bem, aquilo.
-Sim. – ela respondeu com um sorriso.
-Muito prazer! – Beg falou abraçando a menina que emitiu uma exclamação, podia se perder nas curvas dela, e era quente e estranho, mulher loira assustadora. – Sinta-se em casa, anjo!
-Como assim sinta-se em casa? Ela devia trabalhar meio periodo como empregada pra pagar a estadia... – Will comentou acidamente.
-Empregada!?
-Não dê ouvidos pra ele, Munya. Ele só gosta de ser desagradavel... – Beg falou a puxando pela mão, tinha o toque leve. – Venha vou mostrar seu quarto!
-Não vai não. – Will interrompeu.
-O que foi agora, Will? – Soner perguntou, seu rosto sério que até agora apenas observava demonstrava a intenção de intervir se fosse necessário. – Algo contra minha aluna?
-Não, deixa que eu cuido do anjinho...
Por que de repente ela tinha medo? O olhar sério de Soner parecia meramente formal, mas aqueles olhos negros num sorriso a amedrontaram! Will devia ser o diabo, ele parecia o diabo, aqueles cabelos brancos saídos de algum mago maligno da era medieval a deixavam apreensiva. Soner contara para ela que ia morar com outros como eles, irmãos, uma era gentil e divertida, mas o outro era um pirralho insuportável, mas ambos eram experientes e podiam ensinar muito a ela. Se fosse daquele cara com olhar de demônio, sorriso malicioso, não queria aprender!
-Eu não preciso de cuidados, obrigada! É só apontar a direção... – ela falou dando alguns passos na direção da escada.
-Apontar? – Will repetiu em forma de pergunta, a pegou no colo depois esticou o indicador escada acima – Primeiro você sobe...
-Ei! Me poe no chão!
-Não se preocupe, você é tamanho infantil não pesa nenhum pouco. – ele falou subindo as escadas, lá embaixo Beg dava risada e Soner apenas observava com seu tipico rosto sério que nada demonstra.
-Não é isso! Eu sei andar! – ela falou esperneando.
-Não, você sabe bater os pés, é muito diferente. – Will comentou e então indicou com a cabeça a esquerda. – A primeira porta é o quarto da Beg, não entre lá de manhã a menos que queira se assustar.
-Isso não é muito gentil sabia? – Munya reclamou.
-Não é minha culpa se a verdade não é gentil, anjinho... – ele falou chutando a segunda porta para que abrisse. – Esse vai ser seu quarto, muito tempo atrás uma outra garota ficava aqui.
-Garota? – Munya perguntou, curiosidade infantil em seus olhos, era mesmo tamanho infantil, cabia como um brinquedo nos braços dele. Não tinha reparado que ele era bem maior até mesmo que Soner até aquele momento.
-Claudia. – ele falou parando de andar, ambos se encaravam por algum tempo. – Ela ficava linda quando chorava.
-Sádico! – Munya gritou.
-Essa é sua cama... – ele a soltou a deixando cair no colchão sob seus braços.
Ela se levantou para gritar com ele, mas por algum motivo a voz não saiu, ela lá estatelada, de alguma forma parecia familiar e então o grito morreu em sua garganta, como uma lembrança antiga em sua mente. Ficou olhando para ele que simplesmente olhava de volta, até que ele começou a dar risada, ela não entendeu o porque e ingenuamente perguntou se tinha acontecido alguma coisa com os olhos.
-Já ficou sem voz? – ele perguntou se inclinando na direção dela – Eu costumo ter esse efeito em mulheres, mas não tão rápido...
-Cala a boca! – ela falou jogando o travesseiro nele, algo em sua cabeça estalou.
-É... – ele foi interrompido.
-Munya. – Era Soner na porta do quarto.
-Eu! – ela falou levantando com um pulo e indo na direção dele com um sorriso.
Will não era aquele tipo de homem, sério e próprio, adequado a situação e de poucas palavras. Não era do tipo que ao aparecer alguém ia correndo sorrindo em sua direção, provavelmente ele nunca iria ser, por isso que não gostava do namorado da irmã? Não, tinha que ter outro motivo que inveja. Um motivo que não fosse também ciúmes daqueles sorrisos cálidos que ele recebia de graça.
-Tenho lição para você... – ele falou colocando as mãos nos bolsos. – Vá achar alguém que você queira para realizar o desejo, não fale com a pessoa em hipótese alguma. Apenas encontre alguém na multidão. Está bem?
-Certo. – Munya falou fazendo sinal de positivo com a cabeça.
-Não esqueça que ela tem que ser boa! – Soner lembrou vendo a menina sair correndo pelo corredor.
-Sim, senhor!
-Will... – Soner murmurou se virando para o outro que tinha aproveitado a interrupção para deitar na cama e encarar o teto. – O que você quer com a minha aluna?
-Por que? Vai realizar meus desejos, instrutor? – o outro perguntou zombando.
-É meu trabalho cuidar dela também. – Soner falou o encarando com seriedade.
-O que eu iria querer com uma criança idiota que nem ela? – muita coisa, mas ninguém precisava saber daquilo.

Aqueles sobre a morte

1
-Beg... – a voz era forte, grave que fazia tremer os cristais finos das taças sobre a mesa, as mãos pesadas segurando as suas espalmadas na toalha, sua boca na altura de seu ouvido marcava sua presença. – Eu senti sua falta.
-Soner... – ela mal conseguia pronunciar o nome dele.
-Me diga, Beg... Qual seu desejo?
A temperatura subia a niveis alarmantes, mesmo depois dele desencostar de seu corpo e dar a volta na mesa, mesmo depois de procurar incessantemente recuperar seu fõlego com respirações fundas, ela ainda podia sentir aquele calor se espalhando por seu corpo. Debaixo daqueles olhos negros, Beg sabia que havia maravilhas luminosas, debaixo daquele rosto sério havia, muito tempo atrás, um sorriso de uma noite inteira.
-Pensei que estava ocupado demais pra mim... – ela murmurou, puxou um cigarro do centro da mesa, mas ele o tomou de suas mãos o atirando para o lixo. – Odeio quando você desperdiça tabaco.
-E eu odeio quando você desperdiça o gosto da sua boca com um cigarro. – ele retrucou de maneira séria. – Eu fui transferido para instrutor, então meu tempo se expande a medida que vou ter alguém para explorar.
-Quem é a vítima? – Beg perguntou tomando longos goles de água, ainda estava quente.
-Ainda está sendo restabelecida na realidade nova, devem estar trocando o nome dela. O antigo significava aleijado, péssimo nome para um de nós, não acha? – ele estendeu a mão segurando a dela. – Você ainda não respondeu, não me faça implorar, Beg.
-Acho que implorar, último e vontade são nomes mais condizentes... – Ela murmurou, apertou a mão dele, seus olhos faíscavam como quem planeja. – Eu desejo sua companhia. Mais nada...
-Exatamente o que eu desejo. – ele falou dando um beijo saudoso nela.
Quanto tempo passara desde que a vira pela última vez? Décadas e ela continuava linda como sempre, com os mesmos olhos verdes pecaminosos, a mesma aura de mulher do diabo, concedendo os desejos as criaturas mais vis que pisavam na terra. Mas quem podia culpá-la por fazer seu trabalho? Ele não podia, ainda mais ele que realizava desejo de almas decadentes que muitas vezes sequer era dignas de tal presente. Como escolher o menos pior para realizar um desejo? Era dificil, para eles que trabalhavam com o lado podre da humanidade.
-Como está, Will? – ele perguntou olhando pela janela do restaurante.
-A mesma lingua ferina e o mesmo jeito de trabalhar, ele não mudou nada. – Beg comentou dando risada.
-Ele tem sorte, não são todos que acabam como nós, menos ainda os que continuam com a familia. – Soner sempre parecia triste ao falar de familia, talvez por seu último desejo: um dia com sua familia. – E ainda fica com os melhores clientes.
-Inveja não cai bem em você. Por que não fica conosco? A casa é enorme, tem espaço para mais dois...
-Dividir uma casa com seu irmão, proposta pouquissimo tentadora. – Soner comentou meneando com a cabeça.
-E dividir uma cama comigo? – ela perguntou com um sorriso incitante.
-Ainda estamos falando da mesma coisa?
-Me diz você. Estamos?
Pouca gente tem direito a um último desejo, mas há uma regra quanto a desejos, se eles forem interessantes o bastante para chamar a atenção dos chefes, o dono do desejo pode ser convidado para se juntar a eles. Aqueles sobre a morte, não são mais pessoas já que não estão vivos, nem mortos. Vagam pela terra seguindo ordens de algo acima do compreensivel, escolhendo pessoas no meio da multidão, cujo tempo esta correndo, e fazendo a simples pergunta:
-Qual seu desejo?
Naquele momento era Will que perguntava para Soner, ambos partilhavam uma séria antipatia. Para Soner a situação era que aquele pirralho, era o capeta irritante que infelizmente nascera na mesma familia que a mulher a quem amava. Para Will a situação era mais simples, como um bom irmão ele simplesmente odiava o cara que dormia com a irmã dele, apenas para fingir que protegia a irmã ou que tinha ciúmes dela.
-Soner vai ficar conosco, ele acaba de virar instrutor...
-Então Soner e algum novato idiota vão ficar conosco, é isso? – Will perguntou soltando um longo suspiro – Você devia mandar eles para uma creche isso sim.
-Ironico ouvir isso do mais novo nesta sala. – Soner retrucou, ambos se encararam de maneira que pareciam voar faíscas do fuzilamento visual.
-Porque eu estava preocupada? Mesmo depois de décadas vocês ainda se adoram!
Claro que ela estava sendo sarcástica, mas por mais que ambos trocassem faíscas, farpas e o que mais estivesse disponivel do ramo do ataque verbal, nunca tivera reais motivos para se preocupar com o relacionamento dos dois. Foi direto para o quarto entrar num banho para lhe refrescar o calor e as idéias, imaginava quem seria que viria morar com eles, especialmente com Soner. Imaginava que talvez fosse uma mulher, que tipo de mulher? Podia não ter ciumes de pessoas vivas, mas pessoas como eles era outra história. Quando estendeu a mão para a toalha, era alguém que a passava.
-O que foi?
-Você se lembra da última vez?
-Lembro.
-Acha que vai acontecer de novo, Beg?
-Eu não sei, Will.
-Se acontecer, é só você desejar.
-O que?
-É só você desejar, que se acontecer de novo... – Will ajudou ela a se enrolar na toalha, os olhos pareciam meio perdidos entre passado e presente – Eu mato ele. Boa noite, Beg.
-Boa noite, Will.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Truque

Entre artes e brincadeiras,
oficios e passa tempos tolos.
Eis que aprendi o truque,
de no silencio, fingir de morto.

Mordiscando minha pele,
pra saber se ainda vivo.
Procurando meu pulso,
coração com quem convivo.

Você não vei ver,
meus olhos mexendo.
Você não vai ter,
calor me envolvendo.

Eu aprendi muito bem,
meu grande e último truque.
Fingindo de morto, vem
Sem do coração nem o batuque.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Babe, what do you know about pain?

Esse sorriso pra você,
Ele é só seu.
Esse meu sorriso que você,
Foi quem me deu.


Ele é uma mentira,
Fruto da minha vontade.
Ele é pura birra,
De não dizer a verdade.


Que eu no fundo,
Sem motivo algum.
Estou triste, no mau mundo.
Sem você e mais nenhum.


Quisera eu a redenção,
De poucas palavras sinceras.
Quisera eu a salvação,
De sentimentos de tantas eras.


Uma vez você me inqueriu,
Sobre as estrelas obscuras.
Eu não vi nada essa noite,
Estava no lado negro da lua.


Mas desse lado, sem luz,
Sem sorriso ou calor.
Eu posso ver todo horizonte,
Do mundo que você conduz.


O que você sabe sobre a dor?
Ela é só uma forma, um jeito,
De mostrar ao distraido sonhador,
Que algo importa...
Que alguém se importou.

Aliança perolada

Com gentileza e carinho,
Assim ninguém se aborrece.
Não é força, com jeitinho,
Assim me amas e padece.


Padece aos poucos das dores,
Sagrada patologia romântica.
Esmurra facas, tapas de flores,
Dos contos nada idêntica.


Minhas frases mal formadas,
Juras que mentem no altar.
Meus sorrisos, lágrimas contadas,
Que te afogam sem pensar.


Com gentileza e carinho,
Assim eu mato aos poucos.
Amores fortes, amores roucos,
Que sussurram pelo caminho
Juras aos surdos, pérolas aos porcos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Estrada

Mentiras mal contadas,
Que nem precisava contar.
Já que nós dois sabemos,
O quanto ela é errada.


Ofensas atiradas, sem pontaria,
Sem motivo pra essa ira.
Só porque nós sabemos,
Que alivio trás a birra.


Que sorrisos tortos,
Rostos deformados.
De sentimentos que não valem.


Que olhares mortos,
Gestos remotos.
De pessoas que não valem.


Obra mal feita, do homem
Ou de Deus que já morreu.
Desvios, esquerda e direita,
De uma estrada onde se perdeu.

A resposta

No topo das escadas, que levam ao templo de todas as almas, que levam ao começo de todo fim, ao fim de todo o começo, no topo das escadas do céu e paraíso. No topo haviam olhos azuis pálidos, que encaravam com curiosidade santa a imensidão abaixo, imensidão que recepcionava e engolia, que atraia e amedrontava, imensidão de pequenos pontos que se moviam na terra, realidade humana. Esses olhos piscavam de vez em quando, perdendo pequenos momentos e grandes desastres, mas jamais desviavam para o céu infinito, pois do céu já sabia tudo.
-Luy, você ainda está aí? – era uma voz fria e distante, uma voz dura feito pedra.
-Gethin... Eu não quero estar em outro lugar, além de...
-Aí?
-Lá embaixo. – Luy falou apontando para os degraus que desciam indefinidamente, até a imensidão de pequenos pontos que se moviam, pequenas e insignificantes vidas dali de cima, como seriam de lá debaixo?
-O que tem lá embaixo? – Gethin perguntou se sentando nos degraus também, olhava procurando algo que não conseguia identificar, qualquer coisa que chamasse a atenção: mas nada chamava a atenção, eram apenas pontos.
-Eu não sei, mas você não tem curiosidade? – os olhos azuis de Luy brilharam, imaginava que lá podia ser diferente de tudo que conhecia.
-Não. Pra que descer se todo mundo de lá debaixo quer subir? Não faz sentido, se fosse bom todos ficariam lá.
-Mas, Gethin... Eles também não sabem como é aqui até chegar, talvez lá seja melhor eles só não saibam!
-Exatamente.
-Então concorda comigo? Descer é...
-Idiotice.
-Mas...
-Luy, seu argumento serve para os dois lados. Você não sabe se lá é melhor, nem sabe se é bom, você só quer descer sem nenhum bom motivo.
-Descobrir não é um bom motivo?
-Não.
-Por que? – Luy insistiu.
-Luy, você é do pilar da luz certo?
-Certo...
-Por ser do pilar da luz você não enxerga os tons escuros, você não consegue ver o que está por trás da luz, você não sabe... Você não sabe o que é mal, por isso assume que tudo seja bom.
-E você assume que tudo seja mal, só porque é do pilar das sombras!
-Exato. Nenhum de nós está certo, mas também nenhum de nós está errado. – Gethin se levantou dando as costas para a escadaria. – Você pode fazer o que quiser, Luy, mas não há nada pra você lá embaixo... Não é seu mundo.
-Há sim. – Luy teimou sorrindo para a imensidão enquanto se levantava. – Lá embaixo, está a resposta...

domingo, 23 de novembro de 2008

Last Will

5.
-Eu não entendo...
Ela podia murmurar aquilo pra ela mesma, com lágrimas nos olhos, ela podia gritar se quisesse, mas não fazia muita diferença. Eu não vou me controlar, o que era controle? O que ela tinha feito? O jeito dele a deixava apreensiva, se encolheu contra a parede mordendo o lábio, aquele olhar malvado e sorriso zombeteiro, uma lágrima escorreu e ele se inclinou para ela.
-Eu falei pra parar... – ele murmurou e ela fechou os olhos, sem saber o que esperar, sentiu algo quente eu seu rosto, bem abaixo do olho, ele lambeu e engoliu sua lágrima, como se fosse um doce.
-O que você ta fazendo? – ela perguntou abrindo os olhos para os dele, os cabelos claros dele bagunçados davam um ar de anjo a ele, mas parecia mais o diabo com aquele jeito maligno.
-Qual seu desejo, mestra Claudia?
-Eu não sei... – ela falou colocando a mão onde os lábios dele tocaram.
-O que você deseja? – ele perguntou de novo, ela não tinha como fugir, cercada por ele e prensada contra a parede.
-Eu não sei!
-Qual seu desejo?
-Para de me perguntar! Eu não sei... – ela falou balançando o rosto – Já tentou se perguntar o que você ia querer se fosse morrer? O que vale mais que o resto? Eu não sei!
-Eu nunca vou morrer, não sou humano. – ele respondeu afastando os cabelos da frente de rosto dela, o segurou parado na frente do seu. – Não precisa ser algo que valha mais ou menos, apenas faça um desejo...
-Pra que a pressa? Eu vou morrer quando? Hoje? Amanhã...
-Eu não posso te dizer...
-Por que não? Só pra eu passar todo dia perguntando se é esse?! – ela gritou, lágrimas caiam por seu rosto, ele repetiu o gesto de engoli-las. – Por que você está fazendo isso comigo?
-Eu não posso te dizer, porque eu não quero pensar nesse dia. Eu quero saborear até a última das suas lágrimas... – ele murmurou com os lábios ainda no rosto dela, como achava lindo quando ela chorava. – Você é linda, meu anjo. Qual seu desejo?
-Eu não quero mais chorar, seu sádico filho da mãe... – Claudia falou o empurrando com as mãos e baixando o rosto, suas mãos tremiam e ele as segurou com seu toque pesado.
-O que você quer? Deseje... – ele insistiu a olhando tremer de raiva, ou seria de desconsolo? Não sabia dizer, só sabia que ela tremia.
-Eu quero... Eu desejo.... – ela murmurou tentando achar as palavras – Que você pare de me fazer chorar, que você me faça sorrir. Eu desejo que você me faça sorrir, porque eu não quero gastar os últimos da minha vida chorando por causa de um idiota!
-Seu desejo é uma ordem... – ele murmurou e ergueu a cabeça dela, o sorriso maldoso.
-O que você... – mas ela não conseguiu completar a pergunta.
Ele a beijou e ela sentiu o corpo todo esquentar, como acontecia quando Beg a abraçava ou beijava, ao contrário de suas mãos pesadas o beijo dele era leve e gentil. Não sabia muito bem como ou quando aquilo tinha acontecido, mas toda a raiva que sentia dele ficou ainda maior, raiva de que agora que percebera o quanto se divertia com ele, iria morrer. Não dava pra explicar como alguém podia sorrir depois de saber que ia morrer, mas dias depois num caixão florido o corpo de Claudia ainda sorria, um sorriso pacifico e gelado, doce como suas lágrimas.
-Qual foi o último desejo dela? – Beg perguntou na entrada do cemitério, esfregava os próprios braços para espantar o frio da morte.
-Não é da sua conta. – Foi tudo que ele respondeu conforme ia embora sorrindo, acabou dando risada de como ela fora irritante, o obrigou a fazê-la sorrir sendo que ele adorava quando ela chorava.
-Will... Você não contou pra ela, contou?
-Eu não sou indiscreto que nem você, sei guardar as coisas pra mim mesmo. – ele retrucou levando o indicador aos lábios – Que seja nosso segredinho. Está bem?
-Está bem...
Ele ainda lembrava nitidamente, de tê-la carregado no colo, como uma criança que não consegue andar sozinha, ela cabia folgadamente em seus braços. Se fechasse os olhos ainda podia ver o rosto dela se virar num sorriso, podia sentir as voltas de seus cabelos entre seus dedos, era como um pequeno anjo, que fizera passagem rápida na terra, chorando e sorrindo de um jeito que ninguém mais conseguia. Podia ouvir a voz dela, comentando de maneira distraida:
-Eu sou mesmo burra, podia ter desejado viver mais...
-Podia. – ele comentou analisando o rosto dela que dava risada. – Qual a graça?
-Você não pode morrer certo?
-Certo.
-Aleluia vou me livrar de você! – ela exclamou dando risada, ele também sorriu assistindo uma lágrima dela cair ao mesmo tempo que ela ria.
-Azar o seu, criança idiota... – ele murmurou provando o último gosto do choro dela.

Carreira...

4.
Depois do dia feliz no parque, o cotidiano voltou, perguntas que ela não sabia responder e momentos de irritação, falta de tato da parte dele ou o problema era ela? Não sabia explicar, mas com o tempo de sentia mais em casa, mesmo que fosse só até seu ultimo desejo. Beg aparecia regularmente, lhe abraçava e apertava, fazia carinho em sua cabeça e agia como se ela fosse um tipo de mascote ou coisinha fofa apertável, já estava se acostumando e até que gostava da presença da mulher. Pelo menos na maior parte das vezes...
-Beg, é você? – Claudia perguntou ouvindo barulho do outro lado da porta, quando abriu cobriu a boca com as mãos e os olhos arregalaram – Beg! Você está bem?
-Estou... – a loira respondeu tirando a blusa completamente ensanguentada.
-O que aconteceu? Você precisa ir pra um hospital!
-Eu estou ótima, obrigada por se preocupar, anjo. – ela falou, a pele lisa apesar de manchada não mostrava nenhum ferimento enquanto ela se trocava. – O sangue não é meu...
-O-O... que... – Claudia andou pra trás, sentiu medo, muito medo.
-Não precisa se assustar, Claudia. Está tudo bem... Vem cá... – mas Claudia saiu correndo das mãos estendidas da outra. – Claudia não foge!
-Fica longe de mim!
-Claudia! Você não entende!
-PARA!
Claudia foi derrubada no chão, Beg se jogou em cima dela e a segurava pelos braços, a garota esperneava e chacoalhava o rosto completamente apavorada, tanto sangue não podia ter vindo de lugar nenhum! Beg estava ofegante de persegui-la pela casa, demorou a falar e era dificil segurá-la agindo daquele jeito, onde estava Will? Ele seria útil, devia conseguir segurar Claudia com uma mão só.
-Se acalma, Claudia! Eu não vou te fazer mal...
-Eu não confio em você!
-Anjo! – Beg gritou e encarando com um sorriso, continuo de maneira mais calma – Eu sou incapaz de fazer mal a você, por favor se acalme. Eu gosto muito de você, Claudia, e se você deixar eu explicar, talvez você ainda goste de mim...
-Mas...
-Não precisa ter medo... – Beg deu um beijo caloroso na testa de Claudia que sentiu o corpo todo relaxar, Beg era uma pessoa tão calorosa. – Não fica assim, anjo. Está tudo bem...
-Aquele sangue todo... – Claudia começou a chorar, não podia evitar.
Beg acabou por ver o que fizera Will conceder três desejos aquela menina, os olhos brilhando em lágrimas e os caixos bagunçados, aquela cena meiga e triste era tão linda que doía. A mulher levou Claudia abraçada até um canto, ficaram as duas sentadas no chão, com Claudia abraçada sendo consolada pelas mãos delicadas e leves de Beg, parecia uma criança sendo ninada, se sentia uma criança.
-O Will te contou o meu trabalho?
-Mais ou menos... – Claudia respondeu com a voz fraca.
-Eu e o Will, somos do mesmo ramo, mas temos clientes diferentes por assim dizer. Ele presta serviços a pessoas bem melhores... – Beg murmurou lamentando-se.
-Serviços...?
-Você acredita em último desejo, Claudia? – Beg perguntou e a menina fez cara de quem não entendia a pergunta – Não importa, não acontece com todo mundo, mas... Antes de morrer, algumas pessoas tem direito a um último desejo. Ou dois, ou três, depende de quem os oferece.
-Eu não entendo...
-Nós somos como espiritos, Claudia, eu e o Will. Nós escolhemos pessoas perto da morte e realizamos seus desejos antes que elas morram, o último que realizei acabou morrendo comigo ainda por perto por isso eu estava ensanguentada. – por que ela não sentia medo? Por que não gritava? Por que não corria? Estava petrificada. – Entendeu, anjo?
-Três... Desejos...
-Eu sinto muito, anjo. Ninguém devia ser avisado antes da hora, mas eu não suportei você com tanto medo de mim. – Beg falou fazendo carinho em Claudia.
Ela ia morrer? Simples assim? Tão jovem? Sem causa ou razão aparente? Simplesmente dormir um dia sem acordar no segundo, sem perguntas e sem respostas, sem nada! Uma imensidão, tantos sonhos altos que jamais ia alcançar, acabaria despencando para sempre. Se agarrou a Beg com lágrimas que congelaram dentro de seus olhos, não queria morrer, por mais que não tivesse nenhum grande plano, ou resposta para sua vontade, queria viver. Não queria simplesmente sumir desse mundo, sem mais nem menos, com ou sem três desejos.
-Como...?
-Nem nós podemos dizer... – Era a voz de Will, de pé olhando as duas no chão, olhava para as manchas de sangue no corpo da irmã e para as lágrimas nos olhos de Claudia. – Que idiotice contar pra ela.
-Will eu... – Beg começou a falar mas levou um tapa forte e alto na cara, seu rosto virou vermelho vivo onde Will acertou.
-Nunca mais se meta no que não lhe diz respeito. – ele ralhou.
-IDIOTA! – Claudia gritou virando um tapa na cara dele que tinha abaixado para bater na irmã, purpura de raiva – Só covardes batem numa mulher, sabia?!
-Parem com isso os dois! – Beg falou ficando entre os dois raivosos – É minha culpa tudo isso, e eu sinto muito, irmãozinho. Por favor, não fique brava com ele, anjo... Não deixe minhas mancadas afetarem vocês tanto, está bem? – ela deu um beijo na bochecha de cada um – Eu tenho que voltar ao trabalho...
Depois que Beg foi embora um silêncio sepulcral, termo adequado, se instalou. Will sentou no chão de frente para Claudia e os dois ficaram lá, numa mistura de olhares e desvios de atenção, por quanto tempo exatamente ela não sabia dizer, era tudo surreal demais, imaginar que existiam pessoas ou criaturas que realizavam desejos aos que iriam morrer, de acordo com o julgavam adequado. Clientes diferentes, que tipo de pessoas Beg devia visitar e realizar desejos? Quanto tempo será que ela tinha para descobrir o que desejava mais que tudo antes de morrer?
-Pare de pensar nisso. – Will falou finalmente quebrando os pensamentos de Claudia ao meio.
-É engraçado, eu nunca achei que fosse morrer tão cedo. – Claudia falou enxugando uma lágrima que caiu por acidente.
-Para...
-O que? – Ela perguntou esfregando os olhos.
-Para agora... – do que ele estava falando? E estava muito sério também.
-Por que ta me mandando parar? – ela não entendia.
-Porque se você não parar agora, eu não vou me controlar...

sábado, 22 de novembro de 2008

Alturas

3.
-Você demorou tanto pra isso...? – não era bem descrença, era mais desapontamento, Will parecia que estava entrando num estado profundo de depressão e desprezo pela escolha de Claudia.
Fora algo pensado depois de quase morrer sufocada na casa dele, toda hora tendo que cruzar com um cara rude meio vestido e dar de cara com portas que não permaneciam trancadas, ela precisava de um pouco de ar livre. Quando ainda era bem pequena seus pais a levavam até lá, ela tinha lembranças vagas do lugar, mas era divertido, disso ela lembrava. Quanto tempo que não ia a um parque de diversões? Nunca mais foi. Agora caminhava como uma garotinha feliz, seu segundo desejo, passar o dia no parque de diversões e só voltar para casa depois que não conseguir mais parar de sorrir. O que por si só era bem dificil, já que ele vivia irritando ela.
-O que você tem contra parques de diversão? – ela rebateu olhando a roda gigante de aproximar no horizonte, imaginava como seria ver a cidade dali de cima, tudo tão pequeno, uma queda tão grande.
-Eu não estou acostumado com esse tipo de desejo. – ele respondeu virando o rosto, não entendia o que tinha de tão divertido naquele lugar, mas todos pareciam felizes. – Você é mesmo uma criança, não é, anjinho?
-Para de me chamar assim!
-Não dá pra evitar, os apelidos que a Beg dá são contagiantes. – ele falou continuando a andar até a bilheteria. – Criança paga meia, não?
-Eu não sou criança... – ela resmungou entre dentes.
-Aonde você quer ir primeiro? – ele perguntou olhando ao redor.
-Montanha Russa!
-Você consegue entrar?
-Como assim?!
-Essas coisas tem limite de tamanho, não tem? – ele passou a mão por cima da cabeça dela, ela mal batia na metade do torso dele, ele era enorme e ela era baixinha.
-É CLARO QUE EU CONSIGO!
Fez questão de esfregar na cara dele como ela ficava acima da marca vermelha na regua na entrada do brinquedo, mas isso só fez ele rir da cara dela apontando um pivete que era bem maior e passou correndo. Sentou no último carro, cantarolava enquanto ele era puxado pelos trilhos, para depois soltar do fundo da garganta os gritos mais altos que conseguia, ele tapou os ouvidos, como fazia quando Beg gritava. Mas então, na maior descida, quando ela tremeu e o rosto mostrou medo de verdade, o braço dele deu a volta no ombro dela a puxando pra perto, até que o carro parou.
-Você está bem? – ela estava com o rosto baixo, não conseguia ver o rosto dela, mas ela estava tremendo – Crianças só deviam ir no carrosel.
-Que divertido! Vamos de novo! – ela levantou um rosto resplandecente entre sorriso e risada, agitava os braços como uma garotinha que brincava empolgada com alguma coisa.
-Se é o que você quer...
Ele ficou seguindo ela, de um lado para o outro, até acertou alguns objetos empilhados para ela conseguir um animal estufado com algodão que ela ficou apertando entre os braços. Parecia mesmo uma criança feliz, um anjinho, tão inocente e ignorante, uma benção num mundo como aquele. O céu começava a se colorir, laranja e amarelo no horizonte, as luzes da roda gigante acenderam e os olhos dela brilharam em resposta, as primeiras estrelas da noite.
-Vamos!
-Você já não cansou de pular de um lado pro outro?
-Mas não fomos na roda gigante ainda... – ela resmungou apertando o bicho de pelucia perto do rosto, os cabelos cacheados e os olhos mareados, lembrava daquela imagem triste dela chorando, tão lindo.
-Está bem. – ele a puxou pela mão e ela seguiu contente sorrindo, só agora tinha notado, que a mão dele fechada e cobria toda a sua. Era ela que era muito pequena ou ele que era muito grande?
-Não tem quase ninguém acho que vamos ficar sozinhos no carro... – ela falou sentando perto da janela de vidro, lá era tão espaçoso, devia caber umas oito pessoas. – Será que ela roda muito rápido?
-É uma roda gigante, não um twister... – ele retrucou insultando a inteligência dela.
-Eu sei disso!
Subia tão devagar, a escuridão não deixava ver quem estava nos outros carros, mas as luzes iluminavam os arredores e a cidade brilhavam com a chegada da noite. Ia subindo e podia ver cada vez mais, descobrir cada vez mais, mas também crescia o frio e imaginava a queda. Seus pais a levaram lá, pouco antes de irem viajar, viajar para longe, viajar para o alto e despencar das nuvens, despencar até morrerem. Se encolheu apertando o banco com as duas mãos, seus olhos se estreitaram e antes que percebesse Will a havia puxado pelos cotovelos e colocado sobre o colo.
-Idiota, por que quis vir aqui se tem medo de altura? – ele perguntou a abraçando, estava gelada.
-Eu não tenho medo... – ela teimou esperneando.
-Quer que eu te solte então? – ele perguntou com um tom maldoso e ameaçador, ela fez que não com a cabeça em gestos bruscos. – Foi o que eu pensei...
-Will...
-O que?
-Como você sabe que alguém quer algo? – ela perguntou se deixando ser abraçada, de alguma forma era como voltar ao colo do seu pai, estava segura, e ao de sua mãe, estava quente, e ao mesmo tempo a um lugar estranho, estava diferente.
-Faz parte do meu trabalho. – ele respondeu, olhando pela janela, parecia entendiado.
-Você gosta do seu trabalho?
-É só um trabalho...
-Se não gosta, por que faz?
-Eu não falei isso... – ele a encarou, os olhos brilhantes dela o lembraram de algo. – Você ainda tem um desejo. O que você deseja, Claudia?
-Por que está perguntando agora? – ela perguntou se endireitando.
-O que você deseja...? – ele insistia em a encarar.
-Eu...
-O que? Peça... – por que ele estava sussurrando? E por que ela tinha corado.
-Não sei! – ela levantou num pulo, a roda gigante tinha parado em terra firme mais uma vez e ela saiu do carrinho correndo, apertando seu bichinho de pelucia, como podia se sentir confortável em um momento e esmagada no outro? – Vamos pra casa...
-Claudia...
Ela foi parada, pelos cotovelos, como da primeira vez, e igual daquela vez sentia a respiração dele quente em seu pescoço, ou seria no seu ouvido? Aquela voz entrando pelos seus poros e se alojando dentro de sua cabeça, por que não conseguia calar? Por que não conseguia se soltar? Fechou os olhos como quem tem medo do que está por vir, um arrepio percorrendo suas costas.
-Se acalme, boba... – ele soltou os braços dela – Eu só faço o que você desejar, mestra Claudia. – do que ela tinha medo afinal? Do que ele fazia, ou do que ela podia desejar? Não sabia, não sabia, não sabia.

Banho de água fria...

2.
Já pensou? Já sabe? Decidiu? Qual seu desejo? O que você quer? O que você espera? Já sabe, Claudia? Não aguentava mais tantas perguntas, elas ficavam ecoando em seus ouvidos mesmo depois dela bater a porta na cara dele para que calasse a boca ou mandá-lo sair de perto, de alguma forma acabara numa armadilha ecoante. A casa dele. O lugar era enorme e cheio de objetos, quadros, instrumentos, entre outras coisas que dão status, mas não calor, se trancava no banheiro para ter um pouco de paz.
-AAAAH! O que você está fazendo?
-Você estava aí, é? – ele comentou com descaso depois de destrancar a porta e entrar com uma toalha jogada por cima do ombro.
-Por que você acha que a porta estava trancada!
-Já acabou? – ele perguntou encarando ela e jogando a toalha encima da pia.
-O que você está fazendo? – ela perguntou petrificada enquanto ele começava a tirar as roupas.
-Eu quero tomar banho.
-ESPERA EU SAIR PELO MENOS!
Ela gritou quase o atropelando e batendo a porta, será que ele não tinha o minimo senso de limites e cortesia? Claro que não. Vivendo naquele lugar sem contato humano só podia ser mesmo um completo idiota social. As aulas tinha acabado e um grande vazio se instalou em seu corpo, a incerteza do que fazer, continuar aprendendo, ganhar tempo consigo mesma, perder tempo por aí, trabalhar ou descansar, continuar ou recomeçar. Ela não sabia de nada, como fazer um pedido, um desejo, se não sabia o que queria?
-Idiota... – murmurou se jogando no sofá de cara na almofada.
Com o rosto enterrado na maciez e na escuridão Claudia quase encontrava um pouco de paz, mas dentro de sua cabeça podia ouvir o barulho de água correndo, sentir os olhos dele a encarando e seus lábios perguntando o que ela desejava. Ouviu um ranger de porta e apertou a almofada com força, poderia se sufocar daquele jeito, apesar de ser uma idéia idiota. Passos... Paz... Passos que levavam a paz embora.
-WILL! Cade você amorzinho? – que voz era aquela? Amorzinho? Tudo bem que ele era bonito, jovem e aparentemente rico, mas estava longe de ser um amor. – WILL! TEM ALGUÉM DESMAIADO NO SEU SOFÁ!
-Eu não desmaiei! – Claudia protestou se levantando, o rosto amassado e os cabelos bagunçados. – Para de gritar, ele está no chuveiro não vai ouvir...
-Que rostinho meigo! – era uma mulher loira, adulta e de formas genorosas, olhos incitantes de um verde pacaminoso e lábios vermelhos, usava um vestido justo e quase pulou em cima de Claudia para abraçá-la. – Qual seu nome, anjinho?
-Anjinho?
-Você é realmente diferente de quem eu costumo ver por aqui. Me chamo Beg, muito prazer.
-Nome estranho. Claudia... – a garota se apresentou, a outra a olhava como que fascinada por alguma coisa, devia ser tão maluca quanto o dono da casa. O que ela seria para ele?
-Então, meu anjo.... – ela falou se aproximando, por um momento Claudia achou que fosse ganhar um beijo dela – Qual seu desejo? Me conta...
-Beg, você vai assustar a menina...
-Olha quem fala seu nean... – ela não conseguiu acabar quando se virou ele estava ainda encharcado com a toalha amarrada na cintura, berrou e cobriu o rosto com a almofada como se fosse uma criança – SERÁ QUE É DIFICIL SE VESTIR!
-Que lindinha, ela é tão inocente! – Beg achou graça.
-Eu estou na minha casa, se eu quiser andar sem roupas eu ando.
Ele respondeu bruscamente andando até Beg que correu para abraçá-lo, Claudia apenas espiava por cima da almofada os dois tinham movimentos parecidos, casuais e graciosos. Por que eles ficavam tão bem juntos? Os abraços se encaixavam, mesmo com toques minimos, pareciam partes de uma mesma realidade que ela não conhecia, era como assistir duas correntes de vento se entrelaçando, uma pena que o resultado fosse um furacão. Um furacão em sua cabeça que virou para o outro lado, se sentia o patinho feio entre os cisnes.
-O que você quer afinal, Beg? – ele perguntou com a mão na cintura dela, por algum motivo ela tinha a mania de só falar com ele recostada em seu ombro, como que sendo consolada.
-Eu acabei de chegar depois de realizar os desejos mais sórdidos de um sujeito, eu me sinto tãããão suja! – ela resmungou o apertando.
-E desde quando isso é problema meu?
-Você é tão insensivel, irmãozinho! Devia cuidar melhor de mim, só eu te conheço tão bem e ainda assim te perdoo por ser insuportavelmente rude! – irmãozinho? Claudia sabia que era feio ouvir a conversa dos outros, mas eles que estavam falando alto do lado dela, então não era sua culpa.
-Você é a mais velha pode muito bem se cuidar.
-NUNCA LEMBRE UMA MULHER QUE ELA É MAIS VELHA SEU CRÁPULA!
-Que exagero, para de gritar...- ele falou tampando os ouvidos com as mãos.
-E você está fazendo seu trabalho? Um de cada vez? – ela perguntou lançando um olhar na direção de Claudia que sentiu algo esquentar sua nuca, estava falando dela?
-Claro. Mas eu não posso voltar a trabalhar até ela fazer mais dois desejos...
-Uma criança... – Beg sentou ao lado de Claudia no sofá a abraçando com um dos braços, sorria de maneira quase maternal e quase psicótica – Tão meiga, duvido que saiba aproveitar esses desejos como podia. Divirta-se, pequena Claudia, eu vou deixar vocês a sós, tenho trabalho pra fazer. Tchau tchauuu...
Ela deu um beijo forte na bochecha de Claudia, ficou a marca do batom vermelho em sua face que esquentou, por algum motivo aquele beijo fez seu rosto queimar, ficou assistindo a bela mulher sair andando dali, tão misteriosa e sem qualquer explicação, assim como entrou. Continuava deliberadamente olhando na direção oposta de Will, não queria ter que ficar vendo ele quase sem roupa, era constrangedor e não se sentia a vontade sozinha com ele daquele jeito.
-No que exatamente ela trabalha? – Claudia perguntou tentando quebrar o silêncio enervante.
-Ela dá prazer as pessoas mais maliciosas e dissimuladas que já pisaram na terra, garantindo a ida deles para o inferno. – Will respondeu, soltou um sorriso sacana ao notar a expressão da garota. – Você pensou uma prostituta, não foi?
-Vo-você q-que está d-d-dizendo que...
-Calma, meu anjinho... – ele falou fazendo carinho na cabeça dela com um olhar maldoso, seu toque era pesado, mas também era gentil. – Você não está muito errada de pensar isso...
-E você...?
-O que tem eu? – ele perguntou parando ereto.
-Você também...?
-Por que? Está interessada, meu anjinho? – ele perguntou se inclinando na direção dela, uma gota dos cabelos dele caiu em sua perna e um arrepio subiu como um choque pelo seu corpo.
-CLARO QUE NÃO, IDIOTA! – ela falou jogando a almofada nele e saindo correndo.
-Ela é tão temperamental... – ele falou jogando a almofada de volta no sofá, seus olhos brilharam com um sorriso, ele era paciente, estava sendo divertido esperar ela se decidir. Tão sensivel ao toque e as palavras, com reações tão fortes, fazia ele imaginar...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

11 e 1/2

Algum tempo atrás,
Eu pensaria no que dizer.
Mas agora já é tarde,
Você não vai me entender.

E agora eu só sei,
Fazer as coisas por você.
Porque o resto, garota,
Eu não me importo em fazer.

Algum tempo atrás,
Eu pensaria no que dizer.
Mas agora eu aprendi,
Você sempre vai me entender.

E agora eu só sei,
fazer as coisas por você.
Porque o resto, garoto,
já é tarde pra fazer.

Já é tarde da noite,
E o tempo já passou.
Sei, entendo, faço.
Garota, garoto, tudo que sobrou.

Three Wishes

1.
Como ela ficara tão atrasada? O último trabalho do último ano apertado contra seu peito na capa vermelha dura, pessoas desviando de sua corrida desvairada pela calçada, o trânsito era muito lento e ela tinha pouco tempo. Algo bateu nela, algo numa velocidade tão grande quanto a de seus pés na bota sem salto, algo grande e rigido, como a capa dura de seu trabalho, algo que não caiu como ela.
-Olha por onde anda! – os dois gritaram ao mesmo tempo, só então ela viu o trabalho dobrado ao meio, completamente inutilizado. – AAAAAAAAAAAAAAAAH!
Era isso então? Perder todo um ano de trabalho por causa de um acidente de transito? Seus olhos castanhos escondidos atrás dos caixos negros demonstravam terror, ao mesmo tempo que brotavam lágrimas. Ele não sabia se tampava os ouvidos ou se saía correndo, analisava a situação com a frieza de olhos escuros como as sombras e cabelos pálidos como a neve, se abaixou e colocou a mão sobre a boca dela para que parece de gritar e resmungar.
-Isso não ajuda e é irritante, sabia? – ele falou, tinha um tom arrogante e impertinente.
-Nhaaa... – ela mordeu a mão dele que caiu sentado pra trás no susto – OLHA O QUE VOCÊ FEZ! – e acertou o ar entre eles com o trabalho amassado – Agora eu to ferrada....
-Você que trombou em mim. – ele falou virando o rosto como quem analisa a situação, na verdade estava olhando como ela ficava bonita com aquele rosto choroso e desolado.
-Esquece! – ela gritou levantando num pulo e saindo pisando forte na direção contrária.
-Esquecer? – a voz dele estava no ouvido dela, a puxou pelos cotovelos de encontro a si, tinha um sorriso arrogante no rosto – E eu estava pensando em tentar me redimir. Mas já que você quer que eu esqueça... – soltou os braços dela.
-Se redimir? Ta brincando! Você...
-Três desejos... – ele falou a encarando quando ela se virou irritada, sorria para ela como se fosse dono do mundo ou se achasse algum tipo de genio, ela não podia estar mais irritada.
-Claro, e meu nome é Aladim. – ela falou se virando enquanto andava.
-Então, mestre Aladim. – ele falou a seguindo com as mãos no bolso da calça social – Eu posso saber qual seu desejo, que é também uma ordem, para acabarmos logo com isso?
-Para de brincadeira! Você acabou de arruinar meu dia! – ela gritou.
-Estou falando sério. – ele falou levantando o rosto dela com a ponta do dedo – O que você quiser, peça...
-Então conserta isso e faz eu conseguir apresentar a tempo, genio... – ele falou fechando a cara, preferia ela chorando.
-Só isso? – ele perguntou tomando o trabalho da mão dela. – Vem... – e a saiu arrastando pelo pulso.
Foram poucas perguntas, se ela tinha o arquivo em algum lugar e quando era a apresentação, ela não entendeu bem como, mas estava com um trabalho novo na mão que ele pagou e sentada num conversivel enquanto ele dirigia acima do limite de velocidade até seu colégio, não chegou no horário marcado, mas ele sussurrou alguma mentira nos ouvidos dos supervisores. Antes dela conseguir entrar na escola foi pega pelos cotovelos mais uma vez, sentiu o sorriso dele na sua nuca.
-Faltam dois. Até mais tarde, mestre Aladim... – aquilo foi um sopro? Ou era a respiração dele lhe causando arrepios?
O sorriso arrogante queimava seu corpo de raiva, mas tudo acabara dando certo, quando ele soltou seus braços saiu correndo de novo, dessa vez sem trombar em ninguém. Não perguntou o nome dele, mas aquele rosto de gente importante, as roupas de granfino e aquele sorriso de olhos escuros a atormentaram o resto do dia. No caminho pra casa ouvia os passos dele a arrastando, ainda tinha a marca no pulso para provar que não fora alucinação sua. Quando chegou em casa, a casa vazia aonde morava com companhia apenas de móveis e retratos, ficou sentada na janela sentindo a brisa da tarde acalmar seus nervos.
-Já alcançou sua cota de gritos?
-Ahn?
O que ele estava fazendo ali? Parado na frente da sua janela, com aquele sorriso irritante como quem zomba dela e ridiculariza, mas não estava nervosa dessa vez, tinha tudo dado certo. O ano acabava e aquilo a deprimia, não gostava do fim das coisas, mas por algum motivo ele fazia a depressão ir embora e dava lugar a completa irritação e desprezo por uma criatura tão prepotente pisar na terra. Então por que não gritava enraivecida?
-O que foi, mestre Aladim? – ele perguntou encostando a testa na dela depois de puxa-la pelos braços. – Febre?
-Para de me chamar assim, não é meu nome! – ela falou o empurrando.
-Quer que eu a chame como? – ele perguntou de maneira casual.
-Claudia... – ela respondeu e logo completou – Mestra Claudia, pra você...
-Está bem, mestra Claudia. O que este servo pode fazer por você? – ele se debruçou na janela, sorria como uma criança, os olhos brilhavam de maneira inocente, mas por algum motivo ela enxergava um demônio esperando a chance de atacar!
-Primeiro me diga seu nome...
-Qual você quer que ele seja? – a volta do sorriso zombeteiro, arrogante e irritante!
-O de verdade!
-Isso não é muito especifico. Pode me chamar de Will. – ele falou pulando a janela para dentro da casa, olhava ao redor por cima do nariz. – Que lugar mais deprimente...
-Não fale assim da casa dos outros! – ela gritou se levantando num pulo – E invasão é crime sabia?
-Não estou invadindo, essa casa também é minha agora, apesar de não me orgulhar de um lugar tão minusculo, apertado e vazio. – ele parecia uma metralhadora de criticas.
-Su-sua...? – ela já estava a beira da gaguice de raiva.
-Claro, eu vou ficar por perto até acabarem os seus desejos. – ele respondeu de maneira natural sentando no sofá. – Alguma idéia de qual é o segundo já?
-E por que você tem que ficar aqui pra isso?!
-Se preferir você pode mudar pra minha casa, que é bem melhor que esse projeto de abrigo para mendigos. E eu tenho que ficar por perto, para quando você quiser algo eu poder atender e assim acabarem logo seus desejos. – ele explicou e em seguida... – Até um macaco entenderia isso mais rápido.
Macaco? Como aquilo tinha acontecido? Como aquele cara tinha ido parar na sua casa daquele jeito? Como tinha acabado na presença de algo que a irritava tanto e ao mesmo tempo não conseguia parti-lo ao meio?! Rendição, sentia que qualquer ação ou reação sua piorava as coisas, então a bandeira branca foi hasteada. Se recusava a lutar contra o rei da impertinência, mas teria que suportá-lo.

As I Wish

Don't do it too fast,
don't do it too slow.
It's not supposed to last,
just enjoy this show.

Soft lips, my skin,
gentle touch, stay still.
Pacience wears thin,
don't hold my thrill.

Just do it as I wish,
Or I will regret it.
My fauvorite dish.

Do it only as I wish,
Or you will regret it.
My fauvorite dish.

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Como eu quero

Não faça muito rápido,
não faça muito devagar.
Não foi feito pra durar,
apenas aproveite o show.

Lábios macios, minha pele,
toque gentil, fique quieto.
Paciência se acaba,
não segure minha emoção.

Só faça como eu quero,
ou irei me arrepender.
Meu prato favorito.

Só faça como eu quero,
ou você vai se arrepender.
Meu prato favorito.

Espera

Quando quiser dominar o mundo,
vou esperar seu sucesso.
E assistir de camorote,
sua ascensão e progresso.

Quando você quis encontrar,
algo nunca antes visto.
Esperei e desejei boa viagem,
mas nada além disto.

Quando decidiu casar-se,
com aquela russa loura.
Lhe dei os parabens,
e esperei divorciar-se.

E agora que no chão,
me pede amor e perdão.
Espera. Espera um dia,
eu querer amar você de novo.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Encore

A primeira vez foi ruim,
não sabia bem o que fazer.
Você também perdida,
não cansava de dizer:

"Com o tempo melhora..."

O tempo não melhora nada,
a segunda foi, se possivel, pior.
Meio cansada, meio morta.
E ninguém pediu encore.

"É só coincidência..."

Seja o que for, eu persisti,
talvez por burrice mesmo.
Burro, e brasileiro, não desiste,
continua atirando a esmo.

"O problema não é você..."

Não era mesmo eu, fato,
era você o lado estragado.
Por que advinha, amor?
Sem você, seja quem for,
quero de novo, e de novo, e de novo...