sábado, 28 de março de 2009

Proximidade

Como eu adoro a fúria,
inscrita nos seus olhos.
E a distante bruma,
que separa nossos corpos.

Mas como eu sinto falta,
daqueles que empurro:
Das pontes mais altas,
depois erguendo muros.

Se me odiar tanto melhor,
mas que bom que me ama.
Se eu o afastar tanto melhor,
mas que bom que minha voz...
Indecisa voz, ainda o chama.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Queda

No precipcio do tempo
fez questão de agarrar-me,
as mãos incertas contendo,
minha queda e partida.

Então no giro do tempo,
me soltou no abismo.
Assim já não entendo,
aonde me quer na sua vida.

domingo, 22 de março de 2009

Mudanças de Curso

IV

-Então é a vez do Valete? – Katana murmurou, antes venha aqui garoto.
-Algum problema? – Valete perguntou caminhando até a mulher.
-Me dê sua mão...
Katana rasgou um pedaço do próprio Kimono para estancar o corte na mão de Valete, ela tinha um fraco por heróis de donzelas. Fora assim que se apaixonara por Ás, ele a salvara uma vez de um agressor, dali em diante não tinha mais volta de seus sentimentos. Valete agradeceu com um sorriso, abriu e fechou a mão algumas vezes como quem testa os movimentos depois deu um pulo para trás animado. Deu risada da ironia de lutar com a mão machucada como Dama fizera, piscou um olho para a garota que retrucou com uma careta.
-Quem vai ser?
-.... – Ninjato se moveu antes de Sabre, o baixinho parecia ter gostado da velocidade do oponente.
-Eu não gosto de lutas, então vamos acabar logo com isso, está bem? – Valete sugeriu tentando tirar a franja do rosto.
-Como alguém que não gosta de lutas se uniu ao Nocaute? – Sabre murmurou confuso.
-Eu também não entendo... – Dama murmurou abraçada às próprias pernas.
-Ele e o irmão costumavam ser arruaceiros, brigavam todos os dias por diversão. Foi assim que o Valete aprendeu a lutar...
O Ás podia saber a introdução, mas a história real era muito maior que aquilo, como muitos outros gêmeos ele era muito apegado ao irmão, dividiam os acertos, erros e a baderna como uma pessoa só. Eles eram muito bons em brigar, especialmente porque um protegia a retaguarda do outro, eram inseparáveis e competentes quando estavam juntos, mas ninguém fica junto para sempre. Por mais que fossem gêmeos, não eram a mesma pessoa para ter a mesma vida ou morte.
-Irmão, não são os caras de ontem...? – ele perguntou apontando um bando de garotos na esquina, pareciam esperar.
-Ben, vá para casa... – o outro mandou.
-O que? Nós dois podemos...
-Vá logo! – o irmão retrucou o empurrando no chão. – ANDA!
Os gritos chamaram a atenção do grupo, mas ele não correu, não conseguia sequer pensar em deixar o irmão sozinho contra aquele bando. Seu irmão tentou o proteger, acabou sendo o que mais apanhou, lembrava de mal conseguir ver com os olhos inchados quando ouviu o estalar de ossos quebrando, mesmo depois que não se mexia mais, continuaram chutando seu irmão. Até que alguém apareceu. Talvez tenha sido a única coisa que os impediu de ter a mesma vida e morte, talvez era isso que alguns chamavam de encruzilhada.
-Covardes não merecem piedade.
Foi assim que Valete conheceu o Nocaute, Rei em particular. Não era o irmão mais velho que morreu numa briga idiota, mas por algum motivo se davam bem. Ele nunca mais puxou brigas, apenas as apartava e quando necessário se defendia, ao mesmo tempo queria ser mais forte. Imaginava que se fosse mais forte, seu irmão não teria morrido daquele jeito, completamente arrebentado. Dama nunca tinha visto o Valete lutar, mas parecia apenas fugir como ela, com a diferença que era muito mais rápido e Ninjato usava duas espadas! Nem imaginava que o loiro sorridente poderia ser tão bom assim em evitar brigas, coisa que fizera desde que o irmão morreu.
-Se continuar assim ele vai...
-Ganhar. – Rei cortou a frase da garota.
-Mas, Rei....
-O Valete tem seu próprio jeito de resolver as coisas, ele não gosta de lutas, então quando tem que lutar geralmente dá um golpe só.
Um golpe só... Ela não entendeu no começo, mas conseguiu ver melhor quando depois de cruzar as espadas e abrir a guarda Ninjato deu o espaço perfeito para um golpe certeiro, Valete fechou os dois punhos um ao lado do outro e acertou em cheio do coração do nanico que saiu voando como se fosse uma bola de volei que acabara de receber um corte. Ninjato não levantou, tossiu algumas vezes e tremeu ainda no chão e depois perdeu a consciência, Florete foi ter certeza de que ia ficar tudo bem. Parado na posição do soco, Dama podia ver claramente os musculos que ele exercitava todos os dias.
-Pensei que não gostasse de lutas... – Katana murmurou encarando o jovem, Florete fez sinal de que o baixinho ia viver.
-Se eu pudesse voltar o tempo, Katana, eu teria passado a vida inteira sem dar um soco sequer. Mas agora já é tarde demais para escolher uma vida pacifista completa. – Valete falou puxando o nó do tecido em sua mão. – Muito obrigado.
-Todos tem um motivo para lutar... – ela falou isso praticamente para si própria.
O fato era que ela não lembrava porque começou a lutar, pegou de volta o pedaço de Kimono sentindo o cheiro de sangue nele, assistindo Valete sorrir enquanto se afastava, mas parecia perturbado. Katana quase pôde ver nos olhos dele o irmão morrendo na cama do hospital ao lado da sua. Ainda assim havia motivos para lutar, motivos para ser forte e motivos para... Do que estava tentando se convencer? Sabre notou o olhar consternado de sua chefe e se levantou se adiantando.
-Vou acabar com isso, Katana. – ele prometeu.
-Sabre... – ela murmurou saindo de seus pensamentos.
-Vem logo... Rei. – Sabre chamou puxando sua espada.
-Basta! – Katana falou se levantando - Cancelo as lutas, vão embora!
-Katana...
-Agora! – ela gritou e Ás chamou suas cartas. – Saíam do meu território...
-Com licença... – Ás pediu ao sair.
Katana não os olhou, deu as costas para os visitantes que partiam, Florete notou o estado debilitado da mente de sua lider, entendia bem as nuances de uma mulher perturbada. Sabre não fazia idéia do que estava acontecendo e quando se aproximou dizendo que teria ganho facilmente ela o acertou em cheio com a bainha de sua espada. O encarou por um momento com os olhos finos o dissecando, ele soube que ela poderia matá-lo por dizer a coisa errada naquele momento, entao apenas baixou o rosto em submissão.
-Florete, leve Ninjato ao hospital... – ela mandou abaixando sua espada. – Sabre.
-Sim, Katana?
-Nunca mais me questione... – ela murmurou o vendo levantar-se devagar ainda de cabeça baixa. – Entendido?
-Sim.
-Eu sei muito bem do que você é capaz e do que você não é... – ela falou tocando o rosto dele com um sorriso. – Mas eu lhe asseguro. Não preciso de você para defender minha honra.
-Sim, Katana... – ele a assistiu ir embora, como uma miragem o deixando para morrer de cede no deserto, apenas quando sabia que ela não podia mais ouvir murmurou – Meu amor...
Não se pode brincar com lâminas afiadas, mais cedo ou mais tarde acaba-se cortando a si próprio e então é tarde demais. O Clube das Espadas surgiu para dissecar as vontades e habilidades de cada um, surgiu porque ela precisava arrancar com sua lâmina o que quer que ainda houvesse de Ás dentro de si, mas nunca conseguira. As cicatrizes se amontoaram e sua lâmina mudou de cor, mas era impossivel retirar a vergonha e a tristeza que a envenenavam. Só restava uma coisa para fazer e sabia muito bem o que era, assim que Ninjato voltasse do hospital, iria deixar aquele Clube, aquela gangue, para sempre.
-Você sempre me exila, Ás... – ela murmurou abraçando a espada.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Importância

Talvez eu sinta sua falta,
Por isso relembre tanto,
Todas suas palavras.
Talvez nem tanto.

Talvez eu o tenha amado,
Por isso relacione tanto,
O que vejo com seu retrato.
Ou Talvez nem tanto.

Se eu tivesse entendido,
Que não quer dizer falta,
Nem amor pouco ou tanto.

Que simplesmente dito:
Adeus. Não há mais volta.
E então não importa tanto.

Fraqueza

III
A história do Clube das Espadas é interligada a do Nocaute Deck, a fundadora e líder da gangue, Katana, tinha uma queda abismal por Ás durante muito tempo, mas suas ideologias eram diferentes. No Nocaute Deck eram permitidas no máximo armas contundentes, mas prevalecia a luta corporal, por isso eles se separaram e ela fundou o Clube das Espadas sob o nome de Katana. Funciona como outras gangues, fazem serviços para gente sem escrupulos, comandam um bairro inteiro, se metem em brigas e cobram impostos pela segurança local. Ninguém sabia exatamente o que Ás sentia pela mulher, mas todos sabiam que havia muito mais do que ouviram falar.
-Então vocês foram surrados por uma pessoa só? Só pode ter sido alguém do Nocaute, vocês estavam muito perto do galpão deles. – Katana murmurou, os olhos puxados encarando os três garotos. – Foi muita idiotice de vocês e até mereceram, mas não posso deixar isso assim, afinal vai parecer uma fraqueza de todos nós.
-Eu sinto muito, Katana! Nós vamos pegar aquele cara e acabar com ele!
-Até parece, vocês iam ser espancados de novo. – era Sabre quem comentava, usava um terno que lembrava os da nobreza em séculos passados na época da cavalaria. – Eu devo fazer algo, Katana?
-Não, Sabre... – a mulher falou levando a manga do kimono até a frente do rosto, era um hábito que tinha ao pensar. – Antes quero ter certeza de que foi alguém do Nocaute.
Ela falou se levantando, os cabelos esvoaçavam ao vento, tinha uma presença um tanto quanto romântica para aqueles que nunca a viram em ação. Sabre tivera o prazer, o prazer de ver os olhos estreitos dela acharem o local exato, abrirem uma fenda e fazer voar sangue em seu rosto. Ela sempre carregava sua katana consigo, mas raramente a desembainhava, geralmente uma ou duas porradas com ela guardada já era o bastante para fazer-se ouvida.
-Senhora Katana! – era a voz de florete vindo da entrada, justo quando ela iria se retirar aos seus aposentos. – Temos visitas!
-Quem?
-Ás, do Nocaute Deck. – o rapaz gritou. – E três outros...
-Convide-os a entrar. – Ela falou voltando a se sentar, ia ser uma tarde longa pelo visto, não restavam mais dúvidas.
-Você!
Claro que a vítima é a primeira a apontar o culpado, não foi dificil reconhecer Dama e apontar na direção dela, estava logo atrás de Ás, entre Rei e Valete. Katana meramente colocou sua espada de lado e fez um gesto de saudação com a cabeça, Sabre e Florete ficaram ao lado dela como guarda costas e os espancados, bem, foram empurrados para o lado enquanto os visitantes paravam na frente da líder. Por um momento o silêncio marcou o lugar, Katana não podia evitar olhar para Ás e pensar que ele continuava o mesmo homem que ela amou, mas que agora era seu inimigo, a honra de seu grupo tinha sido atacada, por mais que os três garotos fossem mais peões do que peças importantes de sua estratégia.
-O que os trás aqui, Ás? – ela perguntou, a mão não deixava a espada, o kimono azul deixava seu rosto mais pálido.
-Os seus rapazes... – ele indicou os três garotos surrados – Tiveram um certo desentendimento com uma de minhas cartas e eu vim resolver isso, antes que se torne um problema, de maneira amigável e respeitosa. Você devia manter seu pessoal longe do meu galpão...
-Você entende que não posso deixar isso passar em branco? Eu entendo que eles andaram um pouco demais, mas foi sua carta que os machucou e não o contrário...
-Entendo. – Ás olhou de leve para Dama que apenas soltou um longo suspiro como quem está entediado - Alguma sugestão?
-Estes são suas cartas reais? – ela perguntou analisando os três. – Façamos um duelo então, mano-a-mano, entre nossos três melhores. Garoto... Vá chamar Ninjato. Os perdedores ficam sob as ordens dos vencedores.
-Entendo, a desvantagem nas armas é provinda da ofensa de mais cedo. – Ás murmurou contemplando a situação.
-De maneira alguma, se quiserem podem usar armas brancas, mas entendo que não faça parte do estilo do Nocaute Deck. – ela comentou levanto a manga do kimono até a frente do rosto. – Ou os tempos mudaram?
-Os tempos sempre mudam, pessoas é que são teimosas.
-Chefe... – Dama murmurou se levantando – Eu vou primeiro. E senhora, Katana...Sinto muito por tê-la ofendido, mas eu não me arrependo de ter surrado aqueles idiotas covardes. Você devia escolher melhor seus subordinados...
-Eles terão sua punição no devido tempo. – a mulher respondeu. – Florete...
Foi aberto espaço do salão, de um lado Katana e Sabre, na parede oposta Ás, Rei e Valete, todos admiravam Florete com sua espada de esgrima afiada e Dama que estalava os dedos, nunca tinha lutado com alguém armado antes, com exceção de um bêbado com uma garrafa, parecia complicado. Ele era uma versão estranha de um esgrimista, a regata justa e os longos cabelos castanhos com caixos presos por uma fita, usava luvas brancas que pareciam não ter real utilidade, ela só tinha suas roupas, o boné e as ataduras em suas mãos.
-Isso são ferimentos? – ele perguntou puxando a espada.
-Não é nada...
-Vou ser gentil. – ele prometeu com um sorriso.
Começou antes do que ela podia imaginar, seu boné foi jogado longe quando só deve tempo de pular para trás, estava acostumado com brutos entre outras coisas, mas Florete era rápido e deveras gracioso em seus movimentos. Ela só podia fugir, não conseguia chegar perto para um soco e o barulho da espada fina cortando o ar a deixava preocupada. O primeiro golpe veio como uma picata de abelha, aqueceu a pele e doeu, mas era mais incômodo do que qualquer outra coisa, um corte na altura do ombro. Parecia um souvenir ou um cumprimento.
-Interessante. – Sabre murmurou para Katana. – É a primeira pessoa que sequer mudou de expressão depois de cortada por ele.
-Você sabe como ele é com mulheres... – ela sorriu em resposta.
Florete também notou, não era qualquer um na sua frente, o rosto sério e concentrado não mudou, como se nem tivesse sentido a lâmina agora manchada de sua arma, aquilo o desconcentrou, a deixou chegar perto o bastante para um chute que ele bloqueou com um braço enquanto o outro a tentou cortar de cima para baixo, mas cortou apenas o enorme agasalho. Ela já ia correr de volta para atacá-lo quando ele guardou a espada, sentindo algo estranho se revirando dentro de si.
-Eu me rendo. – ele anunciou com uma mesura.
-O que? – ela não entendeu parada no meio do movimento.
-Perdão, mileide. – Florete falou com mais uma mesura – Se tivesse me avisado antes talvez seria diferente, mas é incrivelmente rude lutar tão desigualmente com uma dama, ele podia ver claramente pelos punhos dela que haviam cortes abertos e não era só isso, desde que ele cortara a blusa deixando mais evidente que ela era uma garota, ela parecia ter se desconcentrado também.
-Que hora pra ser cavalheiro. – Sabre resmungou baixando o rosto, mas na verdade tinha vontade de rir.
-...Desigualmente? – ela repetiu rangendo os dentes, acabou de arrancar a blusa e jogou para trás.
-Ela vai pirar de novo, não é? – Valete comentou com um sorriso nervoso.
-As regras são as mesmas... – ela virou a aba do boné para trás – Não me venha com cavalheirismo agora, eu não estou interessada! Pega de volta sua espada!
-Você não está entendendo sua situação? – ele perguntou espantado.
-Não interessa a situação. – ela falou erguendo o punho, parecia ter voltado ao foco e estar muito brava – Só preciso te acertar uma vez direito e essa espada de brinquedo não vai te ajudar mais.
-Perdão pela ofensa, mileide. – ele falou vendo a fúria nos olhos dela, sentiu vontade de sorrir, mas não queria ofendê-la de novo – Como quiser...
Não demorou nada, afinal de contas Florete era rápido, ela não conseguiu o acertar do jeito certo, apensar dele ter ganho um roxo na perna e outro na cara, ela chegou perto demais e ele colocou a ponta da lâmina em seu pescoço. Acabou. Simples assim, mas ele sorriu e falou que ela era espirituosa o bastante para que respeitasse aquela partida, talvez quando ela crescesse pudesse derrotá-lo. O tempo dela se render, foi o tempo de Ninjato chegar, era um baixinho com duas espadas ninja nas costas e cara de poucos amigos.
-Florete, acabe logo com isso. – Katana mandou.
-Acabar...? – Valete repetiu em pergunta.
-Foi um prazer mileide... – Florete murmurou puxando alguns centimetros a espada e depois... – O que...?
-Por um momento achei que você fosse matar ela, há há há... – Valete comentou, tinha ido parar ao lado de Dama e a ponta da espada cravou em sua mão. – Bobagem a minha, não é?
-Essa luta não é sua, Valete! – Katana gritou.
-Essa luta já acabou. – Valete falou sorrindo. – Não faz sentido continuar depois que o resultado já está determinado...
-Você é bem rápido... – Florete comentou guardando sua arma, sentou do lado de Katana, parecia levemente aliviado, não que fosse realmente matar Dama, ainda sentia aquela sensação estranha lhe percorrendo. Sorrio para a garota que rangia os dentes como um animal acuado.