sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Entremundos (1)

Num universo infinito, com tempo infinito, todas as coisas são possíveis em todos os tempos. Provável ou não, foi assim que aconteceu...

Não havia nada pior para Maia do que acordar de manhã e nada melhor do que ir dormir novamente mais tarde, tudo que estava no meio disso era caos, bizarro e ocasionalmente perigoso. Apesar de alguma forma ter sobrevivido todo àquele tempo, às vezes se perguntava se não estava em coma em alguns hospital delirando enquanto alguém lia histórias para ela. Mas não havia muito conforto nisso, afinal delírio ou não era sua rotina, agora mais uma vez acordava com o cabelo embaralhado na frente do rosto e procurando o despertador para silenciá-lo.
-Quietoooooo... – pedia apertando o aparelho, para depois notar que era o telefone que tocava e a voz de sua amiga insistia com a secretária eletrônica.
-Maia! Acorda dorminhoca, já são quase onze horas! Tome um banho e se vista, você tem que buscar sua roupa e se embonecar a festa começa as 18:00 em ponto! Não ouse se atrasar!
Não estava tão animada assim para uma festa à fantasia, mas considerando que era outubro e para pessoas normais só nesse período podem ser, parecer e ver coisas esquisitas concordou. Colocou um par de luvas brancas e um conjunto azul e branco que comprara com um enorme laço em suas costas e um pequeno numa gargantilha em seu pescoço. Jurava que comprara orelhas de bicinho também, mas não sabia aonde as colocara. Se olhou no espelho várias vezes durante o dia e aquilo era mais normal que grande parte de sua vida, não que para Sunshine fizesse qualquer diferença.
Era sua melhor amiga, mas provavelmente nunca ia entender, aceitava e ouvia tudo, mas não entendia. Era normal demais, descolada demais, popular demais, entrosada demais. E às vezes, Maia não podia negar, por trás de todo aquele brilho e sorrisos calorosos, queria enforcá-la.
-Maia? – ela riu-se colocando os óculos escuros no topo da cabeça – Eu não te avisei? Ninguém vai vir de fantasias!
-... – a ameaça de morte entalou na garganta – Não, não avisou...
-Ahhh... Me desculpe! – Sunshine pediu puxando a amiga pelo braço – Por que não pega alguma roupa no meu quarto? Qualquer uma, fique à vontade!
Quando fechou a porta do quarto não foram roupas que avistou, de pé dentro do espelho estava uma figura que levitava cristais com as mãos, os olhos róseos assim como seus cabelos reluziam conforme movia-se ali dentro e Maia quis voltar para a cama. Sabia que mais uma daquelas coisas improváveis, geralmente impossíveis, estava prestes a acontecer.
-Olá, Maia. – ela saudou com um sorriso – Roupa interessante, avistei uma parecida em...
-Não quero saber! – exclamou tampando os ouvidos – Nada de cair em buracos de coelho, escorregar por arco-íris, perder-se na neblina, nada, nada, nada!
-Não vejo nenhum portal aonde você possa cair ou atravessar por acidente aqui. – a outra respondeu olhando ao redor do quarto.
-Então o que você está fazendo aqui, Michi?
-Bem, você não vai parar em nenhum lugar que não deve, mas... – ela levou a mão aos lábios depois estendeu um cristal através do espelho. – Não é a única que atravessa portais...
-Alguém se perdeu por aqui de novo?
Maia pegou o cristal e o levou até o rosto, olhando através dele viu uma mulher de olhos reluzentes que lembrava uma feiticeira tribal, talvez alguma outra coisa. De qualquer forma não tinha um rosto muito amigável e logo jogou o cristal de volta através do espelho, cruzando os braços para Michi. Aquilo não parecia alguém que se perdia e caía sem querer em outras realidades que não lhe pertenciam.
-Magnhild cruzou um portal para o seu mundo ontem à noite. – Michi anunciou. – Ela não pertence a este lugar e deve cruzar de volta.
-Não é seu trabalho não ter deixado ela cruzar para começo de conversa? Ou guiá-la de volta que nem você sempre fez comigo? – Maia perguntou impaciente.
-Infelizmente ela é uma feiticeira muito poderosa que não quer voltar e ela própria criou o portal. Demorei algum tempo para controlá-lo.
-E o que eu tenho a ver com isso?
-Ontem ela causou uma tempestade, está se adaptando ao seu mundo e em breve pode causar muitos problemas, queria sua ajuda em fazê-la voltar pelo portal. – ela anunciou muito tranquilamente. – Só alguém que conhece outros mundos como você pode me ajudar...
-Por que você não saí daí e faz seu trabalho você mesma?
-Todo tempo que gasto procurando Magnhild deixo portais sem supervisão, assim que deixar meu posto dezenas podem atravessar portais que não devem e causar catástrofe em vários mundos. Muitos podem se machucar e até morrer...
-E como eu vou lidar com essa Magn...sei lá o que? Eu sou só uma humana e...
-Confio em você, Maia. Pegue esse cristal, ele vai mostrar como encontrá-la.
Maia segurou mais um cristal, o brilho rosado a fazia lembrar de contos de fadas madrinhas, princesas, bailes... Noções românticas de infância, que na dela foram seriamente deturpadas. Aquele pequeno pedaço de cristal era uma das chaves de Michi, permitia ver através de portais nos mundos, várias vezes Maia os usara para conseguir achar o caminho de volta ao planeta terra, realidade humana. Agora deveria achar uma feiticeira invasora e convencê-la a voltar... Era por isso que odiava acordar.

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