sexta-feira, 6 de março de 2009

Fraqueza

III
A história do Clube das Espadas é interligada a do Nocaute Deck, a fundadora e líder da gangue, Katana, tinha uma queda abismal por Ás durante muito tempo, mas suas ideologias eram diferentes. No Nocaute Deck eram permitidas no máximo armas contundentes, mas prevalecia a luta corporal, por isso eles se separaram e ela fundou o Clube das Espadas sob o nome de Katana. Funciona como outras gangues, fazem serviços para gente sem escrupulos, comandam um bairro inteiro, se metem em brigas e cobram impostos pela segurança local. Ninguém sabia exatamente o que Ás sentia pela mulher, mas todos sabiam que havia muito mais do que ouviram falar.
-Então vocês foram surrados por uma pessoa só? Só pode ter sido alguém do Nocaute, vocês estavam muito perto do galpão deles. – Katana murmurou, os olhos puxados encarando os três garotos. – Foi muita idiotice de vocês e até mereceram, mas não posso deixar isso assim, afinal vai parecer uma fraqueza de todos nós.
-Eu sinto muito, Katana! Nós vamos pegar aquele cara e acabar com ele!
-Até parece, vocês iam ser espancados de novo. – era Sabre quem comentava, usava um terno que lembrava os da nobreza em séculos passados na época da cavalaria. – Eu devo fazer algo, Katana?
-Não, Sabre... – a mulher falou levando a manga do kimono até a frente do rosto, era um hábito que tinha ao pensar. – Antes quero ter certeza de que foi alguém do Nocaute.
Ela falou se levantando, os cabelos esvoaçavam ao vento, tinha uma presença um tanto quanto romântica para aqueles que nunca a viram em ação. Sabre tivera o prazer, o prazer de ver os olhos estreitos dela acharem o local exato, abrirem uma fenda e fazer voar sangue em seu rosto. Ela sempre carregava sua katana consigo, mas raramente a desembainhava, geralmente uma ou duas porradas com ela guardada já era o bastante para fazer-se ouvida.
-Senhora Katana! – era a voz de florete vindo da entrada, justo quando ela iria se retirar aos seus aposentos. – Temos visitas!
-Quem?
-Ás, do Nocaute Deck. – o rapaz gritou. – E três outros...
-Convide-os a entrar. – Ela falou voltando a se sentar, ia ser uma tarde longa pelo visto, não restavam mais dúvidas.
-Você!
Claro que a vítima é a primeira a apontar o culpado, não foi dificil reconhecer Dama e apontar na direção dela, estava logo atrás de Ás, entre Rei e Valete. Katana meramente colocou sua espada de lado e fez um gesto de saudação com a cabeça, Sabre e Florete ficaram ao lado dela como guarda costas e os espancados, bem, foram empurrados para o lado enquanto os visitantes paravam na frente da líder. Por um momento o silêncio marcou o lugar, Katana não podia evitar olhar para Ás e pensar que ele continuava o mesmo homem que ela amou, mas que agora era seu inimigo, a honra de seu grupo tinha sido atacada, por mais que os três garotos fossem mais peões do que peças importantes de sua estratégia.
-O que os trás aqui, Ás? – ela perguntou, a mão não deixava a espada, o kimono azul deixava seu rosto mais pálido.
-Os seus rapazes... – ele indicou os três garotos surrados – Tiveram um certo desentendimento com uma de minhas cartas e eu vim resolver isso, antes que se torne um problema, de maneira amigável e respeitosa. Você devia manter seu pessoal longe do meu galpão...
-Você entende que não posso deixar isso passar em branco? Eu entendo que eles andaram um pouco demais, mas foi sua carta que os machucou e não o contrário...
-Entendo. – Ás olhou de leve para Dama que apenas soltou um longo suspiro como quem está entediado - Alguma sugestão?
-Estes são suas cartas reais? – ela perguntou analisando os três. – Façamos um duelo então, mano-a-mano, entre nossos três melhores. Garoto... Vá chamar Ninjato. Os perdedores ficam sob as ordens dos vencedores.
-Entendo, a desvantagem nas armas é provinda da ofensa de mais cedo. – Ás murmurou contemplando a situação.
-De maneira alguma, se quiserem podem usar armas brancas, mas entendo que não faça parte do estilo do Nocaute Deck. – ela comentou levanto a manga do kimono até a frente do rosto. – Ou os tempos mudaram?
-Os tempos sempre mudam, pessoas é que são teimosas.
-Chefe... – Dama murmurou se levantando – Eu vou primeiro. E senhora, Katana...Sinto muito por tê-la ofendido, mas eu não me arrependo de ter surrado aqueles idiotas covardes. Você devia escolher melhor seus subordinados...
-Eles terão sua punição no devido tempo. – a mulher respondeu. – Florete...
Foi aberto espaço do salão, de um lado Katana e Sabre, na parede oposta Ás, Rei e Valete, todos admiravam Florete com sua espada de esgrima afiada e Dama que estalava os dedos, nunca tinha lutado com alguém armado antes, com exceção de um bêbado com uma garrafa, parecia complicado. Ele era uma versão estranha de um esgrimista, a regata justa e os longos cabelos castanhos com caixos presos por uma fita, usava luvas brancas que pareciam não ter real utilidade, ela só tinha suas roupas, o boné e as ataduras em suas mãos.
-Isso são ferimentos? – ele perguntou puxando a espada.
-Não é nada...
-Vou ser gentil. – ele prometeu com um sorriso.
Começou antes do que ela podia imaginar, seu boné foi jogado longe quando só deve tempo de pular para trás, estava acostumado com brutos entre outras coisas, mas Florete era rápido e deveras gracioso em seus movimentos. Ela só podia fugir, não conseguia chegar perto para um soco e o barulho da espada fina cortando o ar a deixava preocupada. O primeiro golpe veio como uma picata de abelha, aqueceu a pele e doeu, mas era mais incômodo do que qualquer outra coisa, um corte na altura do ombro. Parecia um souvenir ou um cumprimento.
-Interessante. – Sabre murmurou para Katana. – É a primeira pessoa que sequer mudou de expressão depois de cortada por ele.
-Você sabe como ele é com mulheres... – ela sorriu em resposta.
Florete também notou, não era qualquer um na sua frente, o rosto sério e concentrado não mudou, como se nem tivesse sentido a lâmina agora manchada de sua arma, aquilo o desconcentrou, a deixou chegar perto o bastante para um chute que ele bloqueou com um braço enquanto o outro a tentou cortar de cima para baixo, mas cortou apenas o enorme agasalho. Ela já ia correr de volta para atacá-lo quando ele guardou a espada, sentindo algo estranho se revirando dentro de si.
-Eu me rendo. – ele anunciou com uma mesura.
-O que? – ela não entendeu parada no meio do movimento.
-Perdão, mileide. – Florete falou com mais uma mesura – Se tivesse me avisado antes talvez seria diferente, mas é incrivelmente rude lutar tão desigualmente com uma dama, ele podia ver claramente pelos punhos dela que haviam cortes abertos e não era só isso, desde que ele cortara a blusa deixando mais evidente que ela era uma garota, ela parecia ter se desconcentrado também.
-Que hora pra ser cavalheiro. – Sabre resmungou baixando o rosto, mas na verdade tinha vontade de rir.
-...Desigualmente? – ela repetiu rangendo os dentes, acabou de arrancar a blusa e jogou para trás.
-Ela vai pirar de novo, não é? – Valete comentou com um sorriso nervoso.
-As regras são as mesmas... – ela virou a aba do boné para trás – Não me venha com cavalheirismo agora, eu não estou interessada! Pega de volta sua espada!
-Você não está entendendo sua situação? – ele perguntou espantado.
-Não interessa a situação. – ela falou erguendo o punho, parecia ter voltado ao foco e estar muito brava – Só preciso te acertar uma vez direito e essa espada de brinquedo não vai te ajudar mais.
-Perdão pela ofensa, mileide. – ele falou vendo a fúria nos olhos dela, sentiu vontade de sorrir, mas não queria ofendê-la de novo – Como quiser...
Não demorou nada, afinal de contas Florete era rápido, ela não conseguiu o acertar do jeito certo, apensar dele ter ganho um roxo na perna e outro na cara, ela chegou perto demais e ele colocou a ponta da lâmina em seu pescoço. Acabou. Simples assim, mas ele sorriu e falou que ela era espirituosa o bastante para que respeitasse aquela partida, talvez quando ela crescesse pudesse derrotá-lo. O tempo dela se render, foi o tempo de Ninjato chegar, era um baixinho com duas espadas ninja nas costas e cara de poucos amigos.
-Florete, acabe logo com isso. – Katana mandou.
-Acabar...? – Valete repetiu em pergunta.
-Foi um prazer mileide... – Florete murmurou puxando alguns centimetros a espada e depois... – O que...?
-Por um momento achei que você fosse matar ela, há há há... – Valete comentou, tinha ido parar ao lado de Dama e a ponta da espada cravou em sua mão. – Bobagem a minha, não é?
-Essa luta não é sua, Valete! – Katana gritou.
-Essa luta já acabou. – Valete falou sorrindo. – Não faz sentido continuar depois que o resultado já está determinado...
-Você é bem rápido... – Florete comentou guardando sua arma, sentou do lado de Katana, parecia levemente aliviado, não que fosse realmente matar Dama, ainda sentia aquela sensação estranha lhe percorrendo. Sorrio para a garota que rangia os dentes como um animal acuado.

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