domingo, 22 de março de 2009

Mudanças de Curso

IV

-Então é a vez do Valete? – Katana murmurou, antes venha aqui garoto.
-Algum problema? – Valete perguntou caminhando até a mulher.
-Me dê sua mão...
Katana rasgou um pedaço do próprio Kimono para estancar o corte na mão de Valete, ela tinha um fraco por heróis de donzelas. Fora assim que se apaixonara por Ás, ele a salvara uma vez de um agressor, dali em diante não tinha mais volta de seus sentimentos. Valete agradeceu com um sorriso, abriu e fechou a mão algumas vezes como quem testa os movimentos depois deu um pulo para trás animado. Deu risada da ironia de lutar com a mão machucada como Dama fizera, piscou um olho para a garota que retrucou com uma careta.
-Quem vai ser?
-.... – Ninjato se moveu antes de Sabre, o baixinho parecia ter gostado da velocidade do oponente.
-Eu não gosto de lutas, então vamos acabar logo com isso, está bem? – Valete sugeriu tentando tirar a franja do rosto.
-Como alguém que não gosta de lutas se uniu ao Nocaute? – Sabre murmurou confuso.
-Eu também não entendo... – Dama murmurou abraçada às próprias pernas.
-Ele e o irmão costumavam ser arruaceiros, brigavam todos os dias por diversão. Foi assim que o Valete aprendeu a lutar...
O Ás podia saber a introdução, mas a história real era muito maior que aquilo, como muitos outros gêmeos ele era muito apegado ao irmão, dividiam os acertos, erros e a baderna como uma pessoa só. Eles eram muito bons em brigar, especialmente porque um protegia a retaguarda do outro, eram inseparáveis e competentes quando estavam juntos, mas ninguém fica junto para sempre. Por mais que fossem gêmeos, não eram a mesma pessoa para ter a mesma vida ou morte.
-Irmão, não são os caras de ontem...? – ele perguntou apontando um bando de garotos na esquina, pareciam esperar.
-Ben, vá para casa... – o outro mandou.
-O que? Nós dois podemos...
-Vá logo! – o irmão retrucou o empurrando no chão. – ANDA!
Os gritos chamaram a atenção do grupo, mas ele não correu, não conseguia sequer pensar em deixar o irmão sozinho contra aquele bando. Seu irmão tentou o proteger, acabou sendo o que mais apanhou, lembrava de mal conseguir ver com os olhos inchados quando ouviu o estalar de ossos quebrando, mesmo depois que não se mexia mais, continuaram chutando seu irmão. Até que alguém apareceu. Talvez tenha sido a única coisa que os impediu de ter a mesma vida e morte, talvez era isso que alguns chamavam de encruzilhada.
-Covardes não merecem piedade.
Foi assim que Valete conheceu o Nocaute, Rei em particular. Não era o irmão mais velho que morreu numa briga idiota, mas por algum motivo se davam bem. Ele nunca mais puxou brigas, apenas as apartava e quando necessário se defendia, ao mesmo tempo queria ser mais forte. Imaginava que se fosse mais forte, seu irmão não teria morrido daquele jeito, completamente arrebentado. Dama nunca tinha visto o Valete lutar, mas parecia apenas fugir como ela, com a diferença que era muito mais rápido e Ninjato usava duas espadas! Nem imaginava que o loiro sorridente poderia ser tão bom assim em evitar brigas, coisa que fizera desde que o irmão morreu.
-Se continuar assim ele vai...
-Ganhar. – Rei cortou a frase da garota.
-Mas, Rei....
-O Valete tem seu próprio jeito de resolver as coisas, ele não gosta de lutas, então quando tem que lutar geralmente dá um golpe só.
Um golpe só... Ela não entendeu no começo, mas conseguiu ver melhor quando depois de cruzar as espadas e abrir a guarda Ninjato deu o espaço perfeito para um golpe certeiro, Valete fechou os dois punhos um ao lado do outro e acertou em cheio do coração do nanico que saiu voando como se fosse uma bola de volei que acabara de receber um corte. Ninjato não levantou, tossiu algumas vezes e tremeu ainda no chão e depois perdeu a consciência, Florete foi ter certeza de que ia ficar tudo bem. Parado na posição do soco, Dama podia ver claramente os musculos que ele exercitava todos os dias.
-Pensei que não gostasse de lutas... – Katana murmurou encarando o jovem, Florete fez sinal de que o baixinho ia viver.
-Se eu pudesse voltar o tempo, Katana, eu teria passado a vida inteira sem dar um soco sequer. Mas agora já é tarde demais para escolher uma vida pacifista completa. – Valete falou puxando o nó do tecido em sua mão. – Muito obrigado.
-Todos tem um motivo para lutar... – ela falou isso praticamente para si própria.
O fato era que ela não lembrava porque começou a lutar, pegou de volta o pedaço de Kimono sentindo o cheiro de sangue nele, assistindo Valete sorrir enquanto se afastava, mas parecia perturbado. Katana quase pôde ver nos olhos dele o irmão morrendo na cama do hospital ao lado da sua. Ainda assim havia motivos para lutar, motivos para ser forte e motivos para... Do que estava tentando se convencer? Sabre notou o olhar consternado de sua chefe e se levantou se adiantando.
-Vou acabar com isso, Katana. – ele prometeu.
-Sabre... – ela murmurou saindo de seus pensamentos.
-Vem logo... Rei. – Sabre chamou puxando sua espada.
-Basta! – Katana falou se levantando - Cancelo as lutas, vão embora!
-Katana...
-Agora! – ela gritou e Ás chamou suas cartas. – Saíam do meu território...
-Com licença... – Ás pediu ao sair.
Katana não os olhou, deu as costas para os visitantes que partiam, Florete notou o estado debilitado da mente de sua lider, entendia bem as nuances de uma mulher perturbada. Sabre não fazia idéia do que estava acontecendo e quando se aproximou dizendo que teria ganho facilmente ela o acertou em cheio com a bainha de sua espada. O encarou por um momento com os olhos finos o dissecando, ele soube que ela poderia matá-lo por dizer a coisa errada naquele momento, entao apenas baixou o rosto em submissão.
-Florete, leve Ninjato ao hospital... – ela mandou abaixando sua espada. – Sabre.
-Sim, Katana?
-Nunca mais me questione... – ela murmurou o vendo levantar-se devagar ainda de cabeça baixa. – Entendido?
-Sim.
-Eu sei muito bem do que você é capaz e do que você não é... – ela falou tocando o rosto dele com um sorriso. – Mas eu lhe asseguro. Não preciso de você para defender minha honra.
-Sim, Katana... – ele a assistiu ir embora, como uma miragem o deixando para morrer de cede no deserto, apenas quando sabia que ela não podia mais ouvir murmurou – Meu amor...
Não se pode brincar com lâminas afiadas, mais cedo ou mais tarde acaba-se cortando a si próprio e então é tarde demais. O Clube das Espadas surgiu para dissecar as vontades e habilidades de cada um, surgiu porque ela precisava arrancar com sua lâmina o que quer que ainda houvesse de Ás dentro de si, mas nunca conseguira. As cicatrizes se amontoaram e sua lâmina mudou de cor, mas era impossivel retirar a vergonha e a tristeza que a envenenavam. Só restava uma coisa para fazer e sabia muito bem o que era, assim que Ninjato voltasse do hospital, iria deixar aquele Clube, aquela gangue, para sempre.
-Você sempre me exila, Ás... – ela murmurou abraçando a espada.

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