segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sob o Mar (Final)

Ahti nunca imaginou que nadaria tão livremente pelo mar aberto, serpenteando como feixes de luz ao lado de Hella, não estavam só, para um lado e outro às vezes notava uma luz solitária e imaginava porque antes tudo parecia tão escuro. Mas a resposta veio num suspiro ao pé de seu ouvido, Ori respondeu: se você se perde da luz, tudo que vê é escuridão e tudo que sente é medo.
-Hella, aonde estamos indo?
-Você vai ver! Você vai ver! – ela respondia o puxando pelo braço. – Já estamos chegando...
-Aquilo é...? – Ahti apertou os olhos.
-Ziya... – Hella e Ori murmuraram felizes ao mesmo tempo.
Ahti nunca vira tantas cores e tanta luz antes, no começo machucou seus olhos, mas depois se acostumou e não lembrava de nada mais lindo em sua vida. Até as pedras e o coral reluziam, completando a harmonia das algas e anêmonas, dos peixes e esponjas. Mergulharam entre as luzes até chegar a uma rocha aonde Hella debruçou-se sorridente.
-Ó visitas. – a estrela do mar murmurou se arrastando até Hella sobre a pedra. – Lembro de você...
-Olá! – Hella cumprimentou. – Trouxe um amigo.
-Mais um mal educado! – a esponja gritou. – Se visita alguém se apresente!
-Ah... Ahti. – o tritão respondeu assustado olhando da estrela para a esponja.
-Não se incomode com ela, sempre foi assim rabugenta. – a estrela garantiu – Pensei que fosse voltar para casa, sereia Hella, o que faz aqui de novo?
-Apenas segui Ori... Sem dúvida e sem medo. – Hella respondeu e puxou Ahti pelo braço – E eu queria mostrar Ziya pra ele...
-Pensa que somos uma atração? – a esponja rangeu se encolhendo.
-Parece que ele já vê e ouve, mas não entende. – a estrela comentou. – Mas não é preciso entender...
-Não? – Ahti perguntou virando para Hella.
-Não. É mais uma questão de crença... – a sereia respondeu.
Houve silêncio enquanto o tritão observava os arredores, toda aquela luz, toda aquela paz, toda aquela certeza serena de absolutamente nada e estranhamente tudo. Era uma sensação morna e reconfortante que não sabia descrever ou compreender, mas se não precisava... Apenas aceitou e deixou a luz passar por si e ao redor, voltando de seus devaneios com a estrela do mar e Hella rindo, enquanto a esponja resmungava.
-Não dêem risada! Isso é muito importante! – a esponja brigou.
-Desculpe... – Hella pediu se controlando. – Não consegui evitar...
-Então é isso... – Ahti murmurou e todos se viraram como quem pergunta para ele – Nenhuma dúvida, nenhum medo... Apenas luz... Nada de mal.
-Não, não, não, menino. – a estrela do mar balançou suas pontas – O mal, o bem, sempre existiram... E sempre vão, assim como a luz faz sombras e nas sombras brilha a luz. Ori não quer dizer nada disso.
-Mas então... de que adianta a luz? – ele perguntou, se não fazia nada além de acalmar e consolar, se o perigo e a maldade eram inevitáveis, não era melhor ficar em Helmi?
-Tolo! – a esponja gritou se esticando.
-Ahti, sem a luz não podemos ver... Conhecer...Estamos presos e assustados, isso é maneira de viver? – Hella perguntou – Cabeça dura. Coisas ruins vão acontecer e você não pode evitar isso...
-E por que não?!
-Porque elas também fazem parte da vida. – Hella sorriu tranquilamente tirando o colar e o atirando entre as pedras. – Você aprende com elas e cresce com elas... Assim como as boas...
-O que você está fazendo aquele colar... – ele ia nadar quando ela o segurou.
-Eu não preciso dele para saber onde estou indo, Ahti.
-Ziya não trouxe a luz para salvar ninguém... – a estrela do mar contou – Ela trouxe a luz para que cada um pudesse escolher seu caminho.
Ahti não disse nada por algum momento, tudo fazia sentido e naquele mar de escolhas e liberdades Hella parecia perfeitamente confortável. Entretanto olhar o rosto da sereia o fazia imaginar que inevitavelmente ela iria se machucar, iria sofrer, coisas ruins iriam acontecer e enfurecia pensar que nada podia fazer sobre isso. Ela sorria e então ele entendeu que não precisava fazer nada, mas podia fazer tudo ao seu alcance se quisesse, podia ir com ela ou observá-la de longe. Nadaram em círculos as possibilidades.
-Hella... – ele engoliu em seco – Onde você está indo?
-Onde...? – ela o olhou por um momento.
-Vou deixá-los a sós... – a estrela murmurou se contorcendo para longe.
-Finjam que não estou aqui! – a esponja gritou.
-Qual seu caminho? – ele perguntou.
-Eu não sei ainda. – ela respondeu remexendo nos cabelos. – Mas eu tenho certeza que vai ser ótimo quando eu chegar no fim.
-Entendo... – ele murmurou virando-se.
Ela não mudara nada, desde que era criança, ainda nadava pro lado que tinha vontade, sem olhar para onde estava indo, serpenteando e dançando entre as correntes de água. Hella, ninguém nunca conseguiu acompanhar, controlar ou prever, era simplesmente como ela era, livre nas águas. Soltou um suspiro e já começava a se afastar quando sentiu um par de mãos o segurar pelos ombros.
-Onde você está indo? – ela perguntou.
-Sair do seu caminho. – ele respondeu sem virar o rosto nadando.
-Ahti... – ela murmurou torcendo os lábios. – Ahti!
-Divirta-se Hella... – ele murmurou sem olhar para trás, um nó na garganta.
Nadou em linha reta e por algum motivo tudo parecia mais escuro, não ouvia mais aquela voz suave ao pé do ouvido, acabou parando ao ver uma ressoante luz azul à sua frente, um enorme cristal com uma sereia adormecida dentro, a luz tremulava e parecia começar a ceder, cada vez mais fraca e incerta. O rosto dela era lindo, mas de seus olhos pareciam escorrer lágrimas, coisa que Ahti jamais vira, mas reconhecia como lindas e tristes e um aperto partiu seu peito.
-Sabe por que ela nunca levantou? – a estrela do mar perguntou, estava junto ao cristal.
-Não...
-A luz pode mostrar o caminho e ele pode ser qualquer um, mas... Todos nós só conseguimos ir até uma certa distância sozinhos. Ziya só conseguiu chegar até aqui.
-Entendo... – na verdade nem estava prestando atenção.
-Ela parece a pequena Hella, não parece? – a estrela comentou.
-Hella? – Ahti levantou o rosto para observar a sereia no cristal.
-Mas Hella tem você, então pode continuar... – a estrela completou.
-Eu?
-Vocês vieram juntos até aqui, não vieram?
-Idiota... – ele murmurou ao mesmo tempo em que Ori ao seu ouvido. – Hella!
Nadou o caminho de volta, mas ela não estava lá. Perguntou a esponja que se inclinou na direção em que a sereia seguiu, resmungando que ele era muito indeciso. Quanto mais se afastava de Ziya, mais tudo escurecia e por algum motivo não conseguia encontrar a luz de Hella, era como se o oceano tivesse apagado. Começava a ficar nervoso e uma sensação desconfortável tornava difícil respirar.
-Hella! Hella! – era como falar com o vazio.
-Ahti... – Ori chamou. – Aqui, Ahti...
Seguiu a voz que vinha de si mesmo, sem saber para onde o levava, até que encontrou uma fenda entre rochedos, dentro dela encolhida estava Hella, os olhos fechados e mãos unidas, estática com uma expressão tranqüila e ao mesmo tempo fria. A pegou pelos braços a puxando para fora das rochas e segurou no colo enquanto afastava os cabelos do rosto. O abrir dos olhos dela fora o resplandecer das profundezas através de um foco de luz.
-Hella... Vem comigo?
-Onde? – ela perguntou virando o rosto.
-Onde você quiser... – ele respondeu sorrindo.
-Ahti... – ela murmurou sorrindo, o rosto brilhando nas profundezas.
-Vem comigo? – ele perguntou de novo.
-Onde você quiser! – ela respondeu o tomando nos braços.

THE END

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