quarta-feira, 7 de maio de 2008

Meu coração dói...

"17 anos, foi o tempo que eu falei pra minha mãe que ia esperar até decidir se queria ou não dormir com alguém, se ia ou não beber sem estar com ela ou meu pai e mais recentemente foi no meu aniversário desses dezessete anos que decidi: vou contar pra ela. Não por medo da reação, longe disso, mesmo por que os dias que mais me diverti com minha mãe foi saindo com ela, o amigo do colégio e o namorado dele, e a outra amiga de colégio dela com o marido, todos rindo, conversando inclusive com a filha da amiga de treze anos que participava mais timidamente das conversas agradáveis e familiares, reuniões casuais e ao meu ver ternamente acolhedoras diferente da propaganda mal feita sobre gays, lésbicas e bissexuais. Mas não esperei o aniversário, estava lá sentada com ela almoçando no shopping quando simplesmente saiu:
-Falando na L., você sabe que eu gosto de mulher né mãe?
Mantia a calma, uma análise fria como um psicologo admirando seu paciente que primeiro abre a boca, depois arregala os olhos e por ultimo vai tentando se recompor, não sabia o que eu estava procurando naquele rosto tão familiar, mas não tirei os olhos dele. Ela continuou comendo, encolheu os ombros e me mandou ser feliz, mas por baixo da voz meio pausada e receosa as mãos delas ainda pareciam perdidas procurando o garfo, baixei os olhos e continuei comendo, não sabia se estava feliz ou triste com a reação dela só sabia que não gostava do jeito desconfortável que ela parecia estar na cadeira.
-Por que você gosta de mulher? - ela não resistiu e perguntou inclinada na minha direção.
-Por que você gosta de homem? - perguntei despreocupada em tom mais de humor do que de real pergunta, ela voltou a se encostar na cadeira e ficou olhando para todos os lados.
Depois ela voltou ao seu ar divertido e distraído de sempre, acabamos o almoço e fomos andando de braços dados como sempre fazemos na direção da próxima loja que ela queria ver, no meio do corredor com uma revista enrolada do nada senti ela batendo com a revista no meu braço, não fiquei brava, nem por motivo de dor e sim por surpresa comecei a falar ai ai no meio de um riso enquanto ouvia ela falar: por isso que você quis ir na parada! Segurei o braço dela, coisa que nunca fiz antes, fiquei lá segurando ela nos braços, encarei ela e respondi: não, não foi. E não fora por isso mesmo.
Mas me arrependi, não por dizer a verdade, mas por tê-la segurado, como se só de encostar nela ela tivesse desmoronado! Ela é menor que eu, e olhando ela lá embaixo com um jeito de criança, os olhos meio tristes meio desesperados, soltei ela, a peguei pela mão e fomos caminhando, depois de alguns passos ela tinha se recomposto mais uma vez. Passou, mas por algum motivo ainda ouvia os comentários ora e outra vindos dela, se ela contou pro meu pai nem cheguei a perguntar ou saber.
Chegou um dia que eu esperava muito, dia de ver a L, eu feliz da vida me troquei, ela tinha deixado eu sair, afinal apesar de não ser mais criança tampouco sou adulta, pedi com educação e agradeci depois da permissão. Vi ela no quarto, entrei e lhe dei outro beijo no rosto de bom dia... E de novo do fundo daqueles olhos que me olharam desde sempre, o mesmo jeito meio de criança, meio choroso e desesperado:
-Meu coração dói.
-Por que?
-Por que minha filha se interessa por meninas.
-E dai?
Ela me desmontou com aquele olhar, não quis continuar a conversa e fui tomar café, depois fiquei do lado dela mesmo odiando assistir rede globo que era o que ela estava fazendo, deixei ela abraçar meu braço enquanto eu esperava a hora de sair, tentando não pensar na cara que ela fez.
O tempo passou, hora de sair, dei um tapinha na perna dela como sempre faço quando vou sair de algum lugar, ela apertou meu braço com mais força. Olhou pro meu pai e mandou ele me segurar, eu sorri. Meu pai, quase dois metros de altura, olhando tudo por trás dos óculos com o mesmo controle que muitas vezes é visto como frieza e arrogância igual eu aprendi a fazer, ele apenas sorriu balançando o controle remoto e perguntou o por que.
-Pra ela não sair.
Me levantei, nem comentei o que ela tinha dito, dei um beijo de tchau no meu pai e depois dois na minha mãe, prometi que ligava quando chegasse e que voltava cedo antes mesmo do sol pensar em se por. Mais tarde no onibus não conseguia parar de pensar, não conseguia parar de rever o jeito com que minha mãe me olhou, não conseguia parar de lembrar o quanto eu via pouco a L, pensei tanto sem querer que pus meu amor pelas duas numa balança, imaginando se ela pendia pra algum dos lados...

O que quase pensei em voz alta era que sentia muito, sentia muito por pensar tanto, sentia muito por não ser a filinha perfeita da mamãe, mas era assim que eu era. Sentia muito pelas coisas nem sempre ser o que se quer e ainda menos serem o que parecem! Sentia ainda mais por não entender, o que afinal ela quer? Que eu a deixe triste como meu irmão deixa por não lhe contar nada, ou que minta para ela ficar feliz? Na verdade nem precisava mentir, apenas escolher o que contar... Ela bem sabe que eu gosto de homens, alguns ao menos, mas eu amo mulheres.

O que quer afinal? A mentira, a verdade ou não quer nada?"

Nenhum comentário: