domingo, 15 de fevereiro de 2009

Boas ações

II
Quem a via no galpão não podia imaginar como eram as manhãs dela, a saia listrada e a camisa social presa com um laço, a mochila num ombro e as meias três quartos. Estudava num colégio só para garotas, morava nos dormitórios e fugia todas as tardes para o Nocaute Deck, às vezes tinha vontade de começar a arrebentar as coisas antes de chegar lá, mas se continha. Dama era a aluna da última fileira, ficava nos fundos da sala esperando o tempo passar sem que ninguém falasse com ela. Geralmente olhando pela janela, ou então abrindo e fechando os punhos debaixo da carteira.
-Delilah! Nós vamos ao cinema, quer vir conosco? – uma garota perguntou sorridente.
-Uma comédia romântica estréia hoje! – a outra completou animada.
-Não. Eu não gosto de filmes. – ela respondeu enquanto guardava suas coisas.
-Mas vai ser divertido...
-Deixa, ela não quer. Tchau, tchau!
-Tchau.
Era verdade que ela não gostava de filmes, mas aquele não era o real motivo, ouvira os professores avisando as alunas para tentarem "inclui-la" assim que mudou para aquele colégio, como se fosse alguém necessitada ou digna de pena. Ouviu todo aquele discurso sobre a morte de seus pais e como era dificil para ela, como se alguém soubesse. Não queria esmolas afetivas de ninguém, estava muito bem como estava, se trocava depressa e então pulava o muro, fugia daquele lugar como diabo foge da cruz. Seus pais não estavam mortos de verdades, só era mais fácil falar isso do que tentar explicar.
-Mamãe...?
-Não, é a vovó, Delilah. A mamãe não vai voltar e o papai também não.
-Por que?
-Você tem que ser forte de agora em diante, está bem? Seja uma boa menina e seja forte.
-Vovó...
Ainda lembrava do pedido de sua avó, mais uma ordem do que uma sugestão, fora o último dia tranquilo de sua vida, dali em diante se tornara dormente. Não podia chorar ou sentir dor, afinal a mandaram ser forte. Lera em algum lugar que a força vem de alguém para proteger, ela não tinha ninguém para proteger, mas também não podia ser fraca, se prendia naquele dilema racional ao mesmo tempo que esmurrava garrafas. Não queria ter quem proteger, se alguém precisava de proteção era porque era fraco e ela não queria ficar perto de pessoas fracas, não queria ficar perto de pessoas que se machucam.
-Me passa logo sua carteira almofadinha! – um muleque falou chutando outro encima da máquina que vendia refrigerantes.
-O que foi, vai chorar com a mamãe? – outro perguntou.
-Por favor, eu não gosto de brigas...
Era muita covardia cercar alguém daquele jeito, ainda mais um garoto que mal enxergava visto o tamanho das lentes de seu óculos, ainda mais um garoto que parecia ter saído de alguma sátira nerd. Era ritual seu comprar um refrigerante ali e ir até o galpão bebendo, eles estavam no caminho, mas não gostava de se intrometer nos problemas dos outros. Ficou parada olhando por debaixo da aba do boné enquanto o que pedira a carteira dava mais um chute. Por que as pessoas não resolviam os próprios problemas?
-Arg!
-Hey, tem um xereta! – um dos garotos falou apontando para ela, parecia não ter visto que era uma garota, era mesmo dificil com o boné e aquelas roupas largas – O que você quer, cara?
-Um refrigerante. – respondeu encolhendo os ombros.
-Me ajuda! – o garoto de óculos pediu estendendo a mão, mas um dos covardes pisou nela.
-Não adianta pedir ajuda pra outro fracote, otário!
-Fracote...? – o problema se tornou dela imediatamente.
Ela não era do tipo que deixava uma provocação passar, por mais que não se interessate por oponentes covardes e débeis como aqueles, não podia deixar uma ofensa tão pessoal passar. Não levou muito tempo para conseguir seu refrigerante, apenas o tempo de dois chutes nas costelas e alguns socos no rosto, ignorou completamente o garoto de óculos horrorizado encolhido no chão. Não podia se dar ao luxo de ser fraca, nem mesmo nas ilusões de um covarde, isso ela não admitia.
-Vo-vo-você...
-De nada. – ela falou revirando os bolsos, faltava um real para o refrigerante. – Tem um real?
-Ah...um... – ele estendeu a nota tremendo.
-Obrigada, depois eu te devolvo. – ela falou colocando na abertura para notas.
-Não! Não precisa! Muito obrigado...
-Pelo que?
-Me ajudar...
-Eu não te ajudei, eu só odeio que me chamem de fraca. – ela falou pegando a latinha e dando as costas para o garoto, tomava em goles largos, ela não tinha intenção nenhuma de ajudar ele.
A chegada no galpão foi a mesma de sempre, mas o cenário estava diferente, todos sentados em caixotes ou no chão, apoiados na parede num quase circulo torto com Ás que geralmente ficava isolado num canto por perto. Ela parecia a última a chegar e não sabia o motivo da pequena reunião, jogou a lata no lixo e se aproximou de todos, ficando entre Rei e Valete como de costume nessas horas. Sentia a tensão no ar e imaginou que o dia se tornaria ruim muito rápido.
-Eu soube que você fez uma boa ação hoje, Dama. – Ás comentou, era um homem de barba mal feita que já mostrava os primeiros fios de cabelo branco, precoces, mas ainda assim brancos.
-Boa ação? – ela lembrou do garoto surrado, mas ficou quieta.
-Os ladrõezinhos que você espancou há menos de meia hora atrás já foram reclamar com os respectivos superiores. Você sabe quem são?
-Idiotas menos fracos? – ela perguntou ajeitando o boné, deixando transparecer os olhos.
-Não, o Clube de Espadas. – Ás falou de maneira séria – Quer me contar sua versão?
-Eles estavam no caminho da máquina de refrigerante espancando algum inapto físico, eu estava esperando eles acabarem até um me chamar de fraca, depois disso não preciso dizer o que aconteceu, não é? – um murmurio de concordância percorreu o círculo, conheciam bem a Dama do baralho.
-Que coisa, já fazia quase uma semana que nós não tinhamos que brigar com uma gangue de delinquentes... – Dez comentou, fez um risco em seu calendório no bloco de anotações que sempre carregava.
-Nós podiamos resolver isso diplomáticamente, não podiamos? – Valete sugeriu.
-Tudo isso por causa de um refrigerante...? – Nove não entendia, estava chocado.
-Se quiser, chefe... – Dama murmurou e apontou para si mesma – Eu vou até lá resolver, vocês não têm nada a ver com isso.
-Você é uma de nós, Dama. A responsabilidade é de todos, tenho certeza que a Katana também pensa assim...
-Então o que vamos fazer? – Rei perguntou.
-Eu vou com as cartas reais até lá, os outros fiquem em grupos até amanhã. – Ás falou colocando a jaqueta e rangendo os dentes. – E Dama...
-O que?
-Da próxima ache outra máquina de refrigerante...
-Tá.

Um comentário:

Ceci disse...

Nossa,qnto tempo faz que não venho aqui?=S
muuuitooo...to aproveitando um momento sozinha em casa e to tentando tirar o atraso mas sei que não vou conseguir ler tdo agora..mas pelo menos acontinuação da historia eu tinha que ler :)

vc colocou uma Delilah aiiiiiiiii!=D
E ela ainda citou um dos meus generos favoritos de filme aheusahaua
E mais uma vez posso notar o seu toque no texto (obvio,ele é seu =x)...com a mulher/menina forte,valentona que até faz uma boa ação...mas 'daqueele' jeito ne?rsrs (ta,eu seii..nao foi boa açao,foi como forma de nao levar desaforo pra casa,mas mesmo assim!)

posso não comentar em tdos os poemas mas pode ter certeza que eu deixo uma marquinha qndo eu ler ta?
beeijão!
;**