quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Estrela

10
-Caçadores de demônios... Ukko, você está... – parecia procurar um adjetivo para escorrer por sua lingua como veneno – Velho. E você parece o mesmo menino de sempre, Tapio, correndo atrás de coisas que não existem.
-Eemeli, você está monstruoso. – Ukko murmurou de volta.
-Mestre Eemeli? – Tapio perguntou embasbacado, ele deveria estar morto há anos.
-Infelizmente para vocês a terra ainda não me engoliu. – Eemeli passou a lingua pelos lábios como quem saboreia o gosto das próprias palavras – Sabe, Ukko, sempre pensamos que se perdessemos o controle seriamos apenas mais um demônio. Mas é tão mais que isso...
-Mais um demônio? Não. – Ukko falou dando um passo a frente. – Uma abominação da natureza.
-E isso faz de você o que, velho amigo? Um projeto de abominação?
-Tapio, vá atrás de Louhi. Ela vai precisar de você
-Mestre...
-É melhor ouvir ele, Tapio. Antes que você perca a chance de dizer adeus a pequena Louhi. Como vai aquele animal selvagem, Ukko? Espero que você não tenha esperado demais dela, ela poderia não aguentar.
Tapio saiu correndo no momento em que Eemile virou o rosto para Ukko, mas pegou aquelas palavras no ar, animal selvagem. Como ele fora o único a não perceber que ela não era humana? Louhi devia se sentir só, esmagada entre grupos diferentes, sem fazer parte de nenhum, que imagem ela enxergava toda vez diante do espelho? Será que se via como ele via Eemeli? Um homem de cabelos já brancos, mas cujo rosto permaneceu jovem, marcas negras subindo pelo pescoço, dentes proeminentes, olhos curvos e brilhantes. Sombras se espalhando pelos braços, escapando pela manga comprida do casaco escuro, sombras que tomavam formas que andavam entre trapos e espinhos. Como será que ela achava que ele a via?
-Eemeli. Então você agora é um interventor para o outro time? – Ukko perguntou deixando as marcas de selos em seu corpo aparecerem, marcas que lembravam correntes.
-Não, Ukko. Eu estou formando meu próprio time e desde que nossos antigos alunos concordem eles terão uma longa vida ao meu lado, exceto os sacerdotes... Eles seriam um incômodo. E a pequena Louhi também.
-Você não passa de um erro, agora, Eemeli. Tentar matar Louhi, seria outro...
-Como eu poderia confiar em alguém que não é humana nem monstro?
-Pergunte isso olhando pro espelho, talvez descubra a resposta. – Ukko sugeriu.
-Você sempre foi o grande Ukko, o Exterminador. Eu me reservo o prazer de exterminar você... – Eemeli estendeu a mão, sombras, trapos e espinhos, na escuridão nada parecia com nada. – Pode ser fácil ou díficil.
-Você sempre teve um fraco pelos trabalhos fáceis. Atacando um velho assim...
Tapio não sabia o que estava acontecendo enquanto corria, mas ouviu claramente um grito que só podia ser de Ukko prestes a matar alguma coisa, antes que percebesse estava cercado por criaturas que se escondiam nas sombras, só teve tempo de se jogar no chão. Se aquele tipo de armadilha barata, de seres inferiores fosse o ferir, então era tão bom quanto nada. Batendo as mãos contra o solo fez brilhar um selo e lanças de luz saíram de suas costas como um porco espinho perfurando as sombras que se dissolveram. Não podia perder tempo, tinha que achar Louhi. Quem Eemeli teria enviado para matá-la? A resposta veio como um relâmpago na escuridão, cortando o céu num brilho frio.
-Esteri... – Tapio murmurou tentando conter as batidas exaltadas de seu coração, sentiu um arrepio subir pelos seus braços.
-Tapio... Quanto tempo... – que tipo de voz a luz tinha? Tranquila e morna, esse era o tipo de voz que Esteri tinha, a criança mais meiga e gentil que passou pelos antigos mestres e ainda assim se tornara uma assassina.
-Esteri... o que você...?
-Você não ia entender, Tapio. – ela falou escondendo as mãos atrás das costas enquanto olhava para o lado, o rosto corado. Cabelos negros cacheados num rosto arredondado como se fosse uma criança ainda. – Você não sabe como é sentir um demônio dentro de você... Também está procurando a Louhi? Podemos procurar juntos...
-O que vocês querem? Me diga Esteri. – ele pediu entristecido.
-Liberdade. – ela falou sorrindo – Humanos vivem suas vidas, demônios vivem as suas vidas... Nós não deviamos ficar nos jogando no meio tentando resolver os problemas dos outros.
-Aonde está sua irmã, Esteri?
-Heli morreu... – Esteri falou deixando escapar uma lágrima, sua irmã era sua guardiã, sempre estavam juntas. – Num dos trabalhos... Então o mestre Eemeli me consolou, eu nunca imaginei que ele ainda estivesse vivo.
-O que vocês vão fazer, Esteri?
-Me desculpe, Tapio. Mas para sermos livres, primeiro eu preciso acabar com todos os caçadores de demônios... Você e todos os outros sacerdotes têm que morrer. – ela começou a chorar. – Me desculpe mesmo...
-Se está tão triste não devia fazer isso. – ele murmurou erguendo as mãos com as contas.
-Não devia, mas eu quero... Eu quero outra vida...
-Matar parece um péssimo jeito de conseguir isso.
Tapio não teve muito tempo pra admirar o que acontecera com Esteri, estava ocupado conjurando uma barreira ao redor de si quando as lágrimas da garota congelaram, assim como seus braços de onde brotaram lâminas de gelo, mesmo atrás de sua barreira podia sentir o frio apesar das lâminas não o terem machucado. O triângulo de luz iluminava a imagem congelada e cheia de espinhos de Esteri, um único selo em forma de flor marcado em sua testa. Ao olhar para o chão notou o gelo se espalhando a partir dos pés dela, caminhando na sua direção, envolvendo a floresta num abraço mórbido.
-Não adianta, Tapio. Eu sinto muito, mas sua barreira não vai funcionar... – Esteri afirmou com uma expressão chorosa.
-Eu não quero brigar com você, Esteri.
-Eu também não queria brigar com você, Tapio... Eu vou te congelar vivo, porque não quero destroçar você... Você foi sempre muito gentil comigo... – ela sorriu tristemente, um sorriso debil de um demente seria a descrição exata.
-Eu não posso morrer tão fácil, Esteri. Ainda tenho coisas pra fazer...
-Tapio! – ela gritou quando ele deu um soco na própria barreira, a luz se esmigalhou como cacos de vidro voando na direção dela que se protegeu com mais gelo. – Não me machuque! Eu queria que você não complicasse as coisas!
-Eu vou libertar você, Esteri. E sei que Heli vai recebê-la de braços abertos...
-Você não mata nem insetos, Tapio...
-Louhi... – Esteri e Tapio pareciam surpresos com a voz que chegava de tão perto, ninguém a viu chegar até ali.
-Eu lembro de você, a que cantava com a irmã... – Louhi murmurou levantando a saia para pegar Aku. – Parece que é sério. Eu reparei que tinha alguém tentando matar Ukko e decidi voltar, mas não sabia que eram velhos conhecidos...
-Sinto muito, Louhi, mas...
-Me poupe. – Louhi pediu estapeando o ar. Os olhos de Louhi pareciam enxergar mais do que o rosto gentil e choroso de Esteri – Você veio por mim, não foi? Então para de se distrair com ele...
-Está bem. – Esteri falou abaixando as mãos de gelo afiado. – Monstros primeiro.
-Monstros? Claro... – Louhi baixou o rosto.
-Louhi, não! – Tapio estendeu a mão para ela, mas Aku que tinha se tornado um bastão o empurrou para longe num movimento só. Sentiu o impacto doloroso nas suas costelas ouvindo uma estalar. – Louhi...
-Que horror... – Esteri murmurou levando as mãos ao rosto, seu espanto aumento ainda mais quando Louhi puxou de volta o bastão. – Eu estou... com medo...
Tapio sabia muito bem quais eram os sete selos de Louhi, mas nunca a vira usar todos. Era justificado, o selo na testa de Esteri era o de uma feiticera que vivia nas montanhas de gelo, ele nunca vira um selo tão poderoso, talvez mais que os sete de Louhi juntos. As marcas pelo corpo dela, as asas de metal que saíram bruscamente respingando sangue ao redor e aquele rosto, com olhos prateados que brilhavam e dentes afiados, marcas negras em seu rosto como uma máscara. As marcas eram parte de selo, mas aqueles olhos e os dentes, aqueles eram de Louhi, ele sabia agora. Aquela era Louhi esse tempo todo?
-Que tipo de monstro você é? – Esteri perguntou lançando pedaços de gelo sobre Louhi como uma garota que atira objetos numa barata. Todos bateram contra as asas de metal que se fecharam na frente de seu corpo, uma pequena fresta se abriu permitindo ver o rosto.
-Primeiro Selo. Troll... – Louhi murmurou a resposta.
-Por isso ela é tão forte e dificil de machucar. – Tapio murmurou, daquilo ele sabia.
-Segundo Selo. Lobisomen... – ela continuou indiferente, a corrente de Aku se enroscou em seu braço, formou uma manopla no lugar do bastão.
-Impossivel...
Lobisomens eram uns dos monstros mais rápidos que existiam, dificeis de encontrar por se fazerem de humanos tão bem. A idéia de alguém conseguir capturar um e lacrá-lo tendo apenas o selo de um troll era irreal. Esteri não quis ouvir o resto, cada vez atirando mais gelo em Louhi que nem ao menos se mexia como se tudo aquilo fosse fútil demais para uma reação. Tapio, no entanto, teve que fazer uma barreira para não ser acertado pelos ricochetes, ela continuou falando. Terceiro Selo, sereia, não era mera alteração da sua voz que permitia indução, as unhas ficavam afiadas e fortes como garras, assim como os dentes fortes o bastante para roer ossos de homens.
-Quarto Selo, Espectro. – não sentir dor, não fazer barulho. – Quinto selo, Corvo.
-Essas asas são amaldiçoadas... – Esteri murmurou, corvos eram maus agouros, dificílimos de matar, diziam que suas asas tinham o peso da sentença de um condenado.
-É um bom escudo, pior não fica...
Tapio pensou alto, lembrava de ter sido contra aquilo, mas Louhi insistiu, pois não queria matar o corvo. Um corvo não é como outros demônios, ele não simplesmente fica quieto e responde aos selos como os outros, por isso quando Louhi chegava naquele selo o resultado era machucar a si mesma. Não conseguia calcular a dor daquelas asas saindo das costas dela rasgando a pele, mas também não conseguiu calcular muita coisa. Esteri acabou indo parar no topo de uma coluna de gelo lançando verdadeiras espadas cristalinas, mas Louhi continuava como se nada tivesse acontecido.
-Sexto Selo, Feiticeira. – feiticeiras tem corpos frágeis por natureza, mas a manipulação de energia e matéria que elas fazem as tornam muito perigosas, ao ponto de em alguns casos poderem se regenerar. – Sétimo Selo...
-Jalmari, a pantera... – Esteri murmurou reconhecendo os olhos, eram os mesmos. – Você... é mesmo filha dele...
-E Aku... – Louhi murmurou erguendo a mão direita, a manopla de metal frio. – Agora pare de brincar, Esteri. Ou você não vai ter nenhuma chance.
-Mesmo que não brinque ela não tem chance, mestra... – Aku riu-se.
O sacerdote reconheceu medo genuíno nos olhos de Esteri quando Louhi ergueu a mão, ele lembrava bem do sétimo selo, uma pantera velha, mas que mesmo assim deixou Louhi de cama por uma semana e ele por quase um mês repousando depois de fazer o selo. Ele nunca poderia imaginar que o monstro que agia como um predador sem consciência era pai de Louhi, apesar daquilo explicar como ela caçava tão bem. Mas não era só aquilo, Jalmari podia ser uma lenda entre os monstros, uma lenda velha ainda assim uma lenda, mas Aku era a antiga arma do Exterminador. Logo o medo se encolheu e Esteri sorriu.
-Que alivio! Assim o mestre Eemeli não deve ter problemas. – Esteri comentou sorrindo e levando as mãos ao coração. – Você é mesmo um animal, Louhi... Se não teve piedade nem do próprio pai eu que não terei de você!
-Louhi!
Foi a última coisa que ouviu de Tapio antes de ignorar a presença dele por completo, carregado pela rajada de vento, neve e pedras pesadas de granizo, o metal de suas asas estalava conforme congelava e teve que batê-las com força para soltar o que o gelo juntara. Louhi se movia com a facilidade que outros não tinham, Esteri não era de se mover, ela deixava o gelo e a neve fazerem todo o trabalho e aquilo funcionaria. Mas desde Aku lhe congelar de dentro pra fora, o frio de Esteri parecia irrelevante e dançar entre a neve estava parecendo estranhamento divertido e romântico.
-Mestra, você consegue se ver nessas colunas de gelo? – Aku perguntou enquanto desviavam de estalagmites cristalinas e afiadas.
-Consigo... – Ela falou olhando o próprio reflexo.
-Olhe melhor... – ela sentiu a mão dele a puxando, podia ver nos reflexos do gelo a imagem de Aku a conduzindo a dançar entre o gelo que a atacava. – Já me reconhece?
-Dr...Aku... – ela murmurava enquanto dançava. – Dr... Aku... la...
-E você? Pode se reconhecer? – ele perguntou a encarando, sentia as mãos dele deslizarem pelo seu pescoço. – Um miado, um rugido... Você daria um excelente bichinho de estimação, minha mestra.
-Aku... – ela chamou.
-Eu vou cuidar de você, mestra. Minha mascote... – ele falou sorrindo, podia ver no gelo os olhos vermelhos brilhando – Essa cadela tem que aprender uma lição.
-Tão frio... – Louhi começava a sentir os braços e pernas congelando.
-Eu entendo. Não se preocupe, vou te esquentar... – ele garantiu. – Você não precisa de mais nada, mestra...
A floresta se tornara um jardim congelado de reflexos gélidos, Louhi nem notara que estava com os olhos vazios já há algum tempo, que seu corpo se movia sozinho, que sua vontade era apenas uma chama morna de calor. Toda consciência que tinha estava aprisionada entre blocos de gelo e sopros de neve, já não era humana há tanto tempo, que aquela consciência parecia banal, cada vez mais distante e isolada. Nunca fora humana. Olhos prateados brilhando para o céu noturno, só enxergou de verdade quando estava na mesma coluna de gelo que Esteri, ela estava em seus braços, perfurada nas costas pelas pontas de suas asas, Aku como uma garra cravada nas costelas dela.
-A estrela da manhã, brilha se desmanchando, como cristais de gelo sob o sol. – ela cantarolou baixinho encarando os olhos que escureciam de Esteri, lábios que tremiam tão próximos. – Brilhe mais um pouco, para aquecer o frio, que vem com a manhã. Brilhe para se despedir da escuridão, que desmancha meu eu, me deixe sã. Minha estrela da manhã...
-Estrela da manhã... – Esteri murmurou. – Brilhe se desmanchando... Cristais de gelo...
Louhi chegou a sentir o braço de gelo afiado de Esteri lhe perfurar a barriga, mas não soltou a jovem, esperou que ela finalmente fechasse os olhos para a deixar cair no chão, o gelo se derreteu, escorrendo como o sangue morno. Com a mão direita segurava fechado o ferimento, um frio formigante se alastrando. Nunca fora humana de qualquer jeito, então porque se sentia tão monstruosa naquele momento? Por outro lado Esteri, parecia mergulhada numa paz luminosa.

2 comentários:

Ceci disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ceci disse...

Disfarçaaa...eu tinha comentado uma coisa naaada a ver...mas sabe que eu acho que vou colocar o q eu tinha postado antes?Pq ai vc ja sabe minha reação caso pretenda matar a Louhi ahauahauahauaah =X

"A Louhi não pode morrer!O.O"""
Sempre tão invencível,forte,esperta!Ta q as vezes num caso desse,um fim que se traduz na morte seria o 'ápice' mais chocante da história,provando o contrário de tdo q foi mostrado nos capítulos anteriores mããããs não pode..simplesmente daria um vazia se ela morresse e eu imagino o estado em que Tapio iria ficar (se é q tbm não morreria de desgosto,tristeza ou sei la o q.

O mais contraditóriamente surpreendente é que após tds criaturas mais terriveis que passaram por Louhi,foi essa-que demonstrou ser dócil,pura e qq coisa do gênero por sua descrição)-que deixou Louhi numa situação não vista antes,o mais próximo do que nos daria um choque se acontecesse.

Ahhh mais uma vez a imagem mental se fez perfeita graças a essas super descrições detalhadas ;D

Next!^^

bjãoo Mo"

Ehr..torca a situ da Louhi pela da Esteri...=X
Aproveitando aquela parte q eu digo q ela é meiga,posso dizer q tbm deu uma dozinha sim.Mas nada comparado a dó que eu sentiria se fosse com a Louhi^^

Bom,tai a besteira meio q acertada xD
bjooo