segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Não é nada

3
-Ukko! Cheguei... – Louhi anunciou chutando a porta, o velhinho se balançava na cadeira.
-Bem vindos de volta. – Ukko saudou. – Temos visitas...
-Muito prazer jovens mestres. – um rapaz de cabelos loiros engomados e roupas bem cortadas saudou sentado com um copo de água entre as mãos – Me chamo Aimo Caecilius, herdeiro e...
-Idiota que diminui o preço das armas de fogo, eu sei quem você é. – Louhi falou mal humorada, não que ela fosse diferente, mas odiava pessoas que lucravam com a morte dos outros.
-Perdoe a Louhi, ela sempre fica desse jeito quando não mata ninguém. – Tapio falou indo juntar-se aos dois, ela não, ficou de longe olhando de braços cruzados – A que devemos a visita?
-Tenho um problema que sei que apenas pessoas como vocês podem solucionar. Há algum tempo atrás meu pai casou-se novamente...
-Nós não lidamos com revoltas familiares. – Tapio cortou a história.
-Ela o escravizou, ele se tornou como um boneco sem vida que simplesmente faz tudo que ela diz, mas não é só isso. Eu a vi pela porta com um cara, fora tantos outros que ela sempre leva para casa.
-Infidelidade, dominação...
-Eu só os vejo uma vez, acho que ela os mata... – Aimo falou engolindo em seco. – Ela não é humana, tenho certeza.
-E você a quer morta? – Tapio perguntou só por força do hábito.
-Sim, meu pai daquele jeito...
-Burgueses... Podem morrer mil pessoas, mas só se importam consigo mesmos. – Louhi exclamou começando a subir as escadas – Eu vou me trocar...
-Ela realmente me odeia, não é? – Aimo procurou confirmação.
-É a natureza altruísta dela. – Tapio falou em tom de brincadeira – Ou talvez seja o complexo do espelho dos defeitos.
-O que?
-Vê-se e odeia-se nos outros, os defeitos que se tem. – Ukko explicou com um sorriso – Vá se preparar, Tapio... Se o que o jovem diz está certo, você vai ser a isca.
-Sim, mestre.
Aimo só entendia aquilo que se encaixava em sua realidade, compra e venda de produtos e propriedades, contratação e demissão, investimentos, não entendia nada de demônios, nada de caçadas, nada de assassinos. Pessoas como os Caecilius nunca faziam nada por si, sempre mandavam alguém fazer por eles. Louhi apenas tomou um banho rápido e engoliu uma maçã em algumas mordidas, não tinha tempo para fazer as malas. Tapio também não teve tempo de fazer muita coisa, apenas de se preparar e colocar uma roupa social.
-Meus convidados?
-É mais fácil nos aproximar-mos se formos seus convidados. – Tapio esclareceu, de dentro da mansão tudo ficaria mais fácil. – Finja que somos colegas.
-E Louhi?
-Eu sou a irmãzinha dele. – Louhi falou em tom de zombaria.
-Está bem. Meu motorista ficou na cidade, vamos...
A entrada para o mundo de Aimo Caecilius é estreita e vigiada, seguranças, jardineiros, empregados, todos para todos os lados, é um pesadelo entrar discretamente a menos que se entre ao lado dele. Quando o herdeiro chega todos baixam a cabeça ou desviam os olhos, perfeito para entrar sem ser notado pela maior parte dos empregados é vir andando atrás dele, naturalmente. Tapio estava sério, não fazia bem o papel de isca, pois não se destavaca, ele parecia parte de tudo. Mas naquele caso isso não seria problema, não com aquele tipo de demônio.
-Aimo! Aonde esteve? Fiquei preocupada! – a voz era sedosa, como uma sereia cantando para os navios afundarem. – Não vai dar um abraço na mamãe?
-Eu só fiquei fora um dia. – Aimo comentou sem chegar perto.
-Trouxe amigos?
-Deixe-me lhes apresentar. Estes são meu amigo Tapio e sua irmã Louhi, esta é minha madrasta Kielo.
-Já disse para me chamar de mãe. – Kielo falou torcendo os lábios, se aproximou – É um prazer conhecer um amigo de Aimo, ele costuma ser tão tímido.
-O prazer é meu, senhora Caecilius.
Tapio podia entender a situação do pai de Aimo, como ele acabara daquele jeito, Kielo era uma mulher de aparência generosa, nada dela possuía um sequer defeito, desde os cabelos encaracolados até os lábios macios, os olhos evocativos de um azul luminoso a deixavam apta a derrubar o queixo de qualquer homem. Menos de Tapio. Ele já vira aquele tipo de beleza antes, conhecia bem aquelas curvas generosas e detalhes perfeitos, a beleza falsa que muitas como Kielo usavam para atrair homens.
-Sintam-se à vontade. Vou mandar preparar seus quartos.
Previsivelmente ela mordeu a isca, Tapio foi colocado no quarto logo ao lado dos donos da casa, enquanto isso Louhi ficara na extremidade da mansão, próxima ao quarto dos empregados. Mas ela não estava nem um pouco preocupada com a distância, fez-se a vontade e obrigou Aimo a lhe mostrar a mansão, quando chegaram ao escritório o dono da casa estava em sua mesa, com olhos vazios encarando um pedaço de papel em branco. A garota se sentou sobre a mesa e olhou ao redor, já havia calçado sua luva preta e analisava as coisas sobre a mesa.
-O que está fazendo?
-Dando tempo...
-Tempo? – Aimo perguntou entre o impaciente e indignado – Não vê o estado dele? O que está esperando?
-Estou esperando a Kielo tentar matar o Tapio.
-Isso é perigoso! Ela já...
-Perigoso? – Louhi sorriu – Não pro meu Guardião. Você vai ver...
Tapio não gostava daquela situação, assim que chegou no quarto que lhe encaminharam Kielo o esperava, com um sorriso convidativo. As palavras dela passavam direto por ele sem entrar em sua mente, qualquer coisa sobre estar feliz por tê-lo ali, ou algo assim. Aquele tipo de demônio era sempre igual, enquanto servia o vinho nem via as pequenas marcas de luz que ele espalhava pelo quarto. Tão ocupada vendo a si mesma no espelho, ou no reflexo dos olhos dele, sequer notava suas ações. Narcisistas são muito fáceis de serem pegos de surpresa, afinal não vêem nada além de si próprios.
-Acho que já deu tempo... – Louhi falou descendo da mesa – Eu devia te avisar agora, Aimo. Mesmo depois que a matarmos, não há garantia que seu pai volte ao normal.
-O quê?
-Alias há uma grande chance dele cometer suicidio. – Louhi falou enquanto ia até a porta, ele a agarrou pelo braço.
-Explique!
-É que quando um humano é reduzido a um escravo de um demônio, em casos como este, às vezes ele tenta seguir o mestre por amor ou lealdade, até na morte. – Louhi falou vendo o homem de olhos vazios se levantar. – Fique aí, senhor Caecilius. Não é você que eu vim matar...
-Papai...
-Venha, Aimo. Acho que vai querer ver ela morrendo...
Ele a seguiu desconfiado, a seguiu até o quarto de Tapio, ele sentado na cama com sua madrasta com um sorriso tão gentil quanto os que mostrara na cabana enquanto conversavam. Por um momento temeu que Tapio agora fosse dela também, Louhi não parecia preocupada, nem mesmo quando ambos se inclinaram sem desviar os olhos, os lábios se atraindo. Um múrmurio antes de um beijo pode ser só um múrmurio, mas às vezes pode ser bem mais. Louhi deixou escapar de seus lábios um sorriso maldoso de quem sabe algo que o outro não sabe.
-Selar...
-O que, meu querido? – Kielo perguntou com os braços ao redor do pescoço dele, só notou o que estava acontecendo quando o enorme simbolo luminoso apareceu na frente do seu rosto. – Um sacerdote! Seu desgraçado!
-Perdeu a vontade de beijar ele...? – Louhi perguntou abrindo a porta, levantou a saia para pegar seu cilindro. – Ainda bem, se ele beijasse você eu teria que arrancar a boca dele pra não infectar o corpo inteiro.
-Eu nunca beijaria um demônio, Louhi. – Tapio comentou fazendo a outra lançar um olhar um tanto quanto mortal para ele, talvez duvidasse. – Não tente correr, eu já selei as paredes e a porta.
-Aimo! O que você trouxe aqui? SEU PIRRALHO MALDITO! – Kielo gritou para o jovem que estava olhando do lado de fora do quarto.
-Co-como...isso...
-NÃO ME OLHE ASSIM SEU TRAIDOR! – ela gritou, a voz não parecia mais tão bonita.
-Eu também olharia se não estivesse acostumada com monstrengos. – Louhi falou erguendo o cilindro que virou uma pistola.
-Do que está falando?
Kielo correu até o espelho, viu a marca luminosa sobre seu rosto, o selo que a impedia de usar seus poderes, que trancafiava suas habilidades. Essa era a diferença entre um sacerdote e um guerreiro, o sacerdote podia ser quase inútil em batalhas e frágil, mas nenhum guerreiro conseguia fazer aquele tipo de selo, usar aquele tipo de magia. Kielo retornou ao que ela era de verdade, sem poder usar seus poderes para parecer a mulher jovem e bela, era apenas um monstro de escamas e chifres, nem de longe bela ou atrativa. As succubus não seduzem homens porque são bonitas, elas seduzem homens para serem bonitas.
-SEU MALDITO!
-Fútil. – Foi tudo que Louhi disse antes de disparar fazendo explodir a mão com garras que ia até Tapio, depois atirou na cabeça e corpo até só sobrar o pó. – Nem teve graça...
-Louhi! – Tapio gritou fazendo a garota se virar, um tiro veio na direção dela, com sorte o movimento o fez apenas acertar o ombro.
-Eu odeio escravos... – Louhi murmurou apertando o ferimento com a mão livre, encarando o dono da mansão com a pistola na mão. – O primeiro selo... – surgiram marcas ao redor de seus pulsos.
-Mestra Kielo... – o homem da pistola murmurou com lágrimas escorrendo de seus olhos sem vida, a pistola tremendo entre suas mãos enquanto atirava.
-E eu odeio fracotes... – Louhi murmurou, pulou para frente e com um alicate, no qual o revolver tinha se transformado, não só segurou, mas como dobrou o cano da pistola, força impossivel para uma garota como ela. – Alguém que não consegue sequer resistir a um demônio insignificante como aquele, não merece nem o trabalho de ser morto...
-Papai! – Aimo gritava segurando o homem que chorava sem fazer barulho. – Papai, acabou...
-Louhi, deixe-me ver seu ombro. – Tapio falou estendendo a mão para ela.
-Não é nada. Vamos embora daqui.
-Louhi...
Tapio assistiu as marcas nos pulsos dela sumirem, a assistiu caminhar como um fantasma que passa por pai e filho no chão, chorando como se tudo aquilo fosse uma grande tragédia. Ele afinal era o guardião, selava o mal que os assombrava, olhava por ela e tentava protegê-la sempre que podia. Mas no fim, por que sempre parecia que era ela quem o protegia? Olhou para o monte de cinzas que um dia foram o demônio que fingia ser uma bela mulher, demônios capazes de enganar mentes fracas, pessoas fracas. Entendia Louhi, era revoltante saber que as pessoas não tinham força ou vontade suficiente, para espantar seus próprios demônios. Mas se não fosse assim. Se eles fossem fortes, o significado deles, o que eles eram, não iria valer nada.
-Tapio... O que eu faço? Meu pai... Meu pai...
-Ele não vai voltar ao normal. – Tapio falou tirando o terno e jogando por cima das cinzas, ainda sentia o perfume de Kielo nele. – É tarde demais pra ele...
-O que eu vou fazer? Me ajude!
-Ajude a si mesmo, seja mais forte que o seu pai.
Ele tinha que achar a guerreira, a assassina, não foi dificil, bastava seguir o rastro de sangue que respingava do ombro dela, a encontrou na entrada para a propriedade, encostada na mureta enquanto alguns carros passavam pela rua, ignorando completamente a situação. Não era dificil entender porque coisas assim existiam e ninguém sabia, estavam todos ocupados correndo de um lado para o outro, vivendo suas vidas numa era de pressa e impaciência.
-O pai dele vai morrer logo... – Louhi comentou olhando para o céu.
-Não é culpa sua. – Tapio murmurou com um olhar bondoso.
-Não. É só a sobrevivência do mais forte. Os fracos não sobrevivem... – ela murmurou baixando o rosto com uma careta.
-O fraco estourou seu ombro, deixe-me ver esse ferimento.
-Não precisa. Não é nada.
-Você não precisa sentir dor, sabia? – Tapio murmurou se aproximando dela.
-É bom sentir dor... me lembra que eu estou viva e sou humana. – ela murmurou levantando o rosto – E para com esse ar de guardião bonzinho, preocupado e cuidadoso pra cima de mim.
-Não dá pra evitar, eu sou seu guardião.
-Nós dois sabemos o que isso realmente significa.

Um comentário:

Ceci disse...

Não aguentei e tive que parar com a louça e vir aqui terminar de ler...Tava mto empolgante pra eu só ficar imaginando como seria realizada a Missão de Tapio e Louhi e continuar em meio apratos e copos =X

Vc perguntou se eu gostei né?Pois é...não gostei...adorei!Sabe que acho que to descobrindo que essa coisa de Succubus me atrai?Por sua causa!xD
Na verdade a primeira vez que tive contato com uma história que tinha uma Succubus,se não me engano,foi na da Mika^^ A partir daí achei tão "encantador" esse universo,que toda vez que uma aparecia em suas histórias,me achamava a atenção.
Não que eu seja a favor delas e que elas sejam as criaturas mais bondosas do planeta,mas é o mesmo que acontece com vampiros,por mais "malvados" que sejam ou por mais longe que estejam de um ato d ebondado,é fato que são belos clássicos a ponto de serem atraentes com seu charme diabólico muitas vezes.
Bom...capaz que vc esteja me chamando de doida agora ne?aheuahauahau =X
Mas a forma como vc escreve,define e caracteriza cada personagem desse universo é o sufciente pra nos levar pra dentro desse mundo e -pelo menos no meu caso- não ver só o que aparentam mesmo,mas também um lado (dentre vários que devem existir)"diferente",ou melhor,visto por um outro ângulo.

A descrição da morte da Kielo foi tão top que mais uma vez era como se estivesse passando um filme de ação/suspense/terror/e pq não um pouco de drama tbm? ;) na minha cabeça,tava tdo lá!Em frente aos meus olhos,com tds os detalhes,desde o olhar avocativo,até a forma de se movimentar e manipular os homens que se tornavam suas vítimas.
Mostrou bem tbm a função de um guardião,por mais óbvio que possa parecer,mas foi mostrada de forma a não ficar algo meloso (como eu sei que vc quer fugir disso em seus textos ne? xD)mas que trazia uma ponta de sentimento sim,como se Louhi tivesse muito mais dentro daquele corpo,aliás daquela alma só que por algum motivo ainda não revelou,e esse motivo nem precisa ser algo tão surpreendente,pode ser algo da personalidade dela mesmo,o que não tiraria o mérito de importante.
Acho que vou ficando por aqui e vou terminar aquela cozinha pra dps voltar e quem sabe já ler o 4 com novas missões?heheheh =D

bjão Mo!
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