sábado, 17 de janeiro de 2009

Sem vontade

2
Louhi guardou o baú de fragmentos de pedras preciosas, era seu adiantamento por ter ido até ali, a maioria dos habitantes de Sirpa pareciam desconfiados, estranhar aqueles jovens de roupas modernas. O moço de contas no pulso e pescoço, a garota de saia de pregas e uma luva só, chegaram até a feira no centro, dava pra ver a grande atividade de venda de matéria prima e artigos feitos de fragmentos de metais, pedras e até mesmo ossos. Tudo era fragmentado naquela cidade, até mesmo a informação, para saber de um acidente se perguntava o começo para um, o decorrer para outro e por fim como tudo acabou a um terceiro que geralmente só ouvira falar.
-Eu sinto muito... – Tapio murmurou para filhotes de raposa presos numa pequena jaula ao lado de uma barraca. – Senhor... Quanto por estes?
-Não estão a venda, não estão prontos. – o vendedor falou puxando a jaula.
-Prontos? – Louhi perguntou chegando mais perto.
-É, pegamos e esperamos crescer, depois podemos tirar os pelos, couro...
-Quieto. – Louhi falou estendendo a mão, o vendedor pareceu estranhar e levou um susto com o gesto brusco. Na verdade ela estava era mandando Tapio ficar quieto, sabia o quanto ele era apegado a animais. – Quanto ganharia por eles prontos?
-Depende do cliente, mil... dois mil... – o vendedor falou agitando as mãos.
-Mil por todos. – Louhi falou puxando a jaula com a mão da luva.
-Mil e quinhentos e você leva... – vendedor falou segurando a jaula, dava pra ver a ganância girando em seus olhos.
-Aceite os mil e se poupe do trabalho de fragmentá-los. – Louhi falou estreitando os olhos, o homem deu um passo para trás, era como ter uma besta adulta o espreitando.
-Mas eles valem mais aos pedaços...
-Mas você continuaria não valendo nada se o arrebentassem. – Louhi falou chutando a porta da jaula a deixando aberta. – Pense nisso...
Tapio se manteve calado, apenas um dos filhotes não sai correndo de volta para as florestas, ficou ali brincando entre os pés do guardião silencioso, como duas criaturas inofensivas trocando confidências com olhares. Louhi ignorou os dois, continuava conversando com as pessoas e analisando o lugar, até ver uma barraca ser jogada para o alto e cair encima de alguns compradores e um vendedor de lascas de ossos. Um micro sorriso apareceu no rosto dela que deu as costas e voltou para a floresta. Tapio a seguiu, só quebrando o silêncio quando saíram da cidade.
-Por que os comprou?
-Pra você não chorar no meu ombro pelo destino deles. – Louhi explicou olhando o bichinho entre as pernas do amigo. – Eu sei que não adianta...
-Os libertando hoje, eles serão caçados amanhã. – Tapio concluiu pegando a raposinha no colo, admirava a compaixão, mas sabia que a realidade não era tão bela. – Por isso você tem que ter muito cuidado.
-Que seja. Deve começar logo... – Louhi murmurou, não gostava daqueles assuntos.
-O que?
-Chuva de raposa... – ela falou apontando para o céu com poucas nuvens, o sol ainda brilhava quando começou a chover no céu meio azul meio nebuloso.
-Como você sabia? – Tapio perguntou largando a raposinha que ficou correndo em circulos na chuva, pulando nas pequenas poças que iam se formando.
-Eu acho que já sei o que está acontecendo aqui em Sirpa.
-Me ilumine...
-Os vendedores contratam caçadores ou saem eles mesmo para achar animais com partes valiosas, como raposas, ursos, entre outros... Os caçadores trazem os animais, os vendedores os mantém até estarem prontos para serem vendidos. O problema é vingança tardia.
-Vingança tardia?
-Alguém está se vingando pelos animais, mas ao invés de estripar os caçadores, está atacando os vendedores que os mantém presos.
-Sem os vendedores eles não seriam caçados. – Tapio comentou.
-Sem quem os caçasse os vendedores não iriam querê-los.
-Sem quem cace não há venda, sem quem venda não há quem cace. – Tapio murmurou se abaixando junto a raposinha na poça de água – Aonde a chuva de raposa entra?
-Você devia saber Tapio, um animalzinho qualquer não poderia se vingar. Temos que achar o vingador e então...
-É errado? Proteger as presas? As vítimas?
-Do ponto de vista de quem nos contratou é. Mas eu entendo você, também acho que os vendedores eram mereciam alguns tiros na testa.
-Respeitar o contrato... – Tapio espantou o filhote de raposa com as mãos – Ukko nos ensinou isso. Mas...
-Eu tenho uma idéia... Mas primeiros vamos caçar essa raposa. – Louhi falou sorrindo, tocou o ombro dele de leve – Confia em mim?
-Claro.
Confiança. Foi a primeira coisa que Ukko teve que ensinar a Louhi e Tapio quando ainda eram pequenos, ela simplesmente acreditava que tudo era como era e nunca iria passar disso e ele simplesmente tinha medo de tudo, pois tudo parecia tão sinistro. Até hoje não tinham lá grande confiança nas pessoas ou no mundo, mas pelo menos um no outro eles confiavam, afinal um tinha o outro e nada mais. Os antigos mestres dividiam todos em duplas e eles sobraram, os alunos do canto que não eram como os outros, só restou ficarem um com o outro, mas ainda assim ele sentia que Louhi estava a milhas de distância dele. Por que duplas?
-Ora, ora... Os aprendizes do ofício. – era uma mulher loira usando uma pele de raposa como manto, usava um vestido branco e tinha a face alongada como um animal. – Ukko, os mandou?
-Pode-se dizer que sim... – Tapio respondeu alguns passos atrás de Louhi. – Nos conhece?
-Os conheci ainda pequenos... O Guardião e o Assassino, a combinação que os antigos mestres criaram para aumentarem a eficiência. Eu os vi aprendendo e agora vejo o resultado.
-Eu lembro de você... – Louhi comentou – Você roubou o peixe que nós assamos no acampamento, não foi?
-Me reconheceu? – a mulher pareceu surpresa.
-Eu nunca esqueço um alvo. – Louhi murmurou, mas depois sorriu – Na época eu queria matá-la por me deixar sem café da manhã.
-E agora, vai me matar por atrapalhar os mercadores da morte?! NÃO VAI ACONTECER APRENDIZES!
-Selo...
A voz de Tapio ecôou como a batida de um sino, a mulher se tornara uma raposa que corria entre as árvores, o jovem ergueu a mão onde as contas tilintaram, mas a raposa foi mais rápida que ele. Louhi puxou um selo oriental dentro tantos que ficavam presos num compartimento preso ao cinto que ficava caído sobre sua saía, ergueu o pergaminho na frente do rosto murmurando: marcar. A praticidade superava a perfeição de Tapio, ela só podia usar brincadeiras de crianças como aquela, mas eram mais úteis uma vez que a precisão necessária era quase nula.
-O que você marcou?
-O lugar da onde ela sumiu... – Louhi falou pegando outro selo, podia ouvir a raposa correndo, mas era dicil acompanhar com os olhos. – Quando eu der o sinal, feche as saídas.
-Isso é uma floresta não uma casa, Louhi.
-Você entendeu!
Louhi correu entre as árvores cada vez que erguia o selo e murmurava o pergaminho se tornava cinzas e uma pequena luz em forma de X marcava algum lugar, ou alguma coisa, ou alguém. Ergueu a saia na altura da coxa esquerda, presa a sua perna ficava um pequeno cilindo de metal com os mesmos simbolos das contas de Tapio, os mesmos simbolos na barra de sua luva preta, que ficava na mão direita. Ouviu a raposa passando por trás de si e deu um salto para frente para evitar perder algum pedaço para dentes ou garras, a raposa sumiu na sua frente. Criaturas velozes, mas não era tudo, rapozas podiam criar portais que ligam um lugar ao outro.
-Nós não somos mais aprendizes. – Louhi falou erguendo o braço direito, apoiava com o esquerdo o cilindro que se transformou numa pistola. – Tapio! – um tiro luminoso para o céu.
-Aprisionar. – Tapio falou erguendo a mão com as contas, como quem empurra o ar deu um golpe para a frente, as contas ressoaram, cada marca se ligou a outra, formando uma corrente luminosa que depois começou a se estender como uma parede.
-Agora ela fica no meu campo de visão. – Louhi comentou baixando o revolver, segurou com as duas mãos e com o mínimo esforço o revolver virou uma corrente. – Dona raposa?
-Humanos sujos... – a voz da raposa ecoou, uma vez que Tapio selava um lugar, ninguém podia deixá-lo até ele desfazer o selo. – Mas ainda assim, só humanos... Posso cortá-los em dois com minhas garras.
-Tapio se proteja... – Louhi falou andando entre as árvores, como um fantasma, sem barulho.
-Claro. – Tapio falou repetindo o movimento, uma figura luminosa que lembrava um triangulo, só que curvo, apareceu na sua frente e ao seu lado e em suas costas.
-O primeiro selo está pronto... – foi só um murmúrio.
A raposa surgiu do nada ao lado de Louhi pulando para abocanhá-la, não deu tempo de segurar com cuidado, então Louhi se viu obrigada a desviar e empurrar a raposa para o chão com toda sua força, foi um estrondo. Demorou para conseguir enroscar a corrente no animal que se contorcia e retorcia. Havia marcas em seus pulsos, marcas estranhas como as dos selos de Tapio, a raposa parecia não entender como uma humana tão simples e de aparência comum podia ter força para segurá-la e prendê-la.
-Seguro. – Louhi anunciou para Tapio poder vir até elas. Depois alertou a raposa – Pare de se debater ou vai se machucar com as correntes.
-Como é possível?
-Sabe, nós não somos dois por nenhum motivo de batalha, o Tapio geralmente é bem próximo do inútil nesse tipo de coisa. – Louhi comentou, não tinha nada a ver com eficiência eles serem dois – Nós somos dois porque Lahja era a única que conseguia aprender as duas habilidades essenciais do ofício, todos os outros aprendiam apenas uma delas, então... Nos dividiram em pares, onde cada um é bom em uma delas.
-Eu não entendo... Apenas me mate logo... – a raposa falou baixando a cabeça, parara de lutar contra as correntes.
-Não entende mesmo. – Louhi falou afrouxando as correntes – Nós não viemos aqui atacar nem matar você. Viemos fazer um acordo.
-Acordo?
Louhi explicou com ajuda de Tapio sua idéia, tudo que pediram para eles era que os acidentes acabassem, desde que ela parasse com os acidentes tinham cumprido sua condição. Mas concordavam que ela devia mesmo proteger os animais que eram mais fracos que os caçadores, então ela podia matá-los se quisesse, afinal os caçadores não tinham nada a ver com eles. Ao fim da explicação o filhotinho de raposa que brincava na chuva apareceu entre eles, Tapio já tinha apagado os selos. Por mais que costumassem proteger humanos, havia humanos que não mereciam proteção.
-Como soube que era eu? – a raposa perguntou.
-Eu vi os filhotes. – Louhi falou se espreguiçando – Depois notei que ninguém se aproximou e a barraca saiu voando, o que quer dizer que alguém tinha surgido do nada e por fim... A chuva de raposa. Quando há muitos portais numa região abertos, é comum vir a chuva de raposa.
-E como me achou?
-Os filhotes que eu soltei correram todos na mesma direção e eu tinha marcado eles, não foi dificil seguir até você.
-Entendo. Você é uma boa caçadora. – a raposa comentou em sua forma de mulher, pegou o filhote no colo.
-Sorte de vocês eu não caçar animais indefesos. – Louhi falou dando as costas e indo embora, tinha que pegar seu pagamento e definitivamente aquilo estava ficando sentimental demais.
-Ela é mesmo uma boa caçadora. – Taipo comentou sorrindo bondosamente – Em outras circunstâncias, acho que ela não se importaria em caçar você...
-Circunstâncias?
-Eu gosto muito de animais e ela aparenta gostar de mim, então pegou leve com você. Mesmo você sendo exatamente o tipo de presa dela. Se ela não sente vontade, ela não caça. Mas se ela sente...
-Sim, afinal é o que vocês foram treinados para fazer não é mesmo? Assassinos de demônios. – a raposa falou com um breve sorriso – Espero não cruzar o caminho de vocês de novo.

Um comentário:

Ceci disse...

Finalmente consegui! \o/
Digamos que dessa vez a essencia da historia é completamente diferente de outras que ja li...nao que as outras sejam iguais,ao contrario,mas é que essa tem um que de "atualidades" com esse lance da caça e tdo mais.So que achei o máximo vc unir tdo ao lado mítico da coisa^^

A linha de pensamento tbm é mto boa...sabe,acebei achando que essa historia,até onde eu li poderia ser mtoo útil no tcc da minha amiga...sei la como ela encaixaria,mas daria um "quê" a mais com certeza ;D

Ahhh e pra variar a senhorita consegue escrever mto bem ekilibrando o sentimentalismo com a seriedade e a aversão a ambos em diferentes momentos...la vou eu achar q nao to conseguindo me expressar direito,mas é o q eu sempre digo,no fundo eu captei xD

treeeeeeeeeees =D

bjaoo