quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Memórias

9
-Louhi! – era o menino Tapio, ligeiramente magro demais, o rosto de quem queria muito fazer algo, mas não tem porquê.
-O que você quer agora? – ela era o tipo de criança que assustava muitos adultos, os olhos cinzas e o jeito de animal selvagem, não parecia bem uma criança.
-Eu sou seu guardião, nós deviamos ficar juntos... – Ele falou estendendo a mão pra ela com o mesmo sorriso de sempre.
-Não. – ela falou estapeando a mão dele – A única coisa que nós devemos fazer é nossa parte.
-Mas Louhi...
-Só porque sobramos e agora você é meu guardião não quer dizer que temos que ser amigos...
-Por que não?
-Você é ingênuo mesmo...
Tapio lembrava todos os dias, de como fora assistir Louhi sair andando sozinha pela primeira vez. Cada passo silencioso o fazia imaginar que tipo de força a movia, seus olhos não demonstravam qualquer vontade de sensações vitais, qualquer emoção. Ainda podia assistir ela se afastar, sem nem dizer o motivo e fingir que nada importava, desde pequena ela delimitava a distância entre os dois. O guardião podia lembrar de olhar para o lado e ver na distância Brita e Ensio brincando entre as árvores, os mesmos sorrisos e o mesmo brilho nos olhos dos dois. Mas ele nunca esteve tão longe do olhar de Louhi, como de quando ela caminhou para longe da casa de Emma.
-Tapio? – Lahja chamou com a mão no ombro dele.
-Desculpe estava perdido em pensamento. Nos separamos aqui?
-Mestre Ukko vai avisar Emma e eu tenho que voltar ao trabalho. Vá cuidar de Louhi, espero ver vocês de novo numa situação melhor!
-Claro... – como se ela precisasse de seus cuidados, foi o que ele pensou.
-Tapio, você está bem? – Lahja segurou sua mão, sentiu uma onda de calor passando por seu braço. – Tapio?
-Lahja...
-Nem pense nisso. – Lahja falou sorrindo, tinha algo de morno nela, naturalmente vívido e caloroso. – Vá logo pra casa.
-Está bem... – ele falou recebendo um beijo no rosto da mulher.
Por algum motivo se lembrou novamente da infância, quando depois dos exercicios Louhi saía andando sozinha, se escondia em algum canto enquanto esperava o tempo passar. Lembrava que Lahja lhe fazia companhia e o mandava ir procurar Louhi, mas sempre que ele procurava não conseguia achá-la, afinal ela não fazia barulho e sumia na paisagem quando assim queria. Acabava ele próprio distante de tudo e todos, sozinho olhando o céu, talvez o mesmo céu que Louhi olhava enquanto estava cansada se escondendo.
-Louhi...
-Por que você continua me seguindo? A aula acabou... – a única vez que a encontrou ela estava sentada na sombra de uma árvore, parecia chorar, apesar dele não ver lágrimas.
-Eu sei, mas como seu guardião é meu trabalho tomar conta de você. E eu também sou mais velho. – ele falou sentando ao lado dela.
-Eu não preciso que você tome conta de mim. Não é esse o seu trabalho...
-Louhi, por que você sempre me trata assim?
-Idiota... – ela falou entre dentes se levantando, por mais que parecesse arisca, por algum motivo ele sempre achou que Louhi na verdade só era sozinha. – Seu trabalho é me matar, para de tentar ser meu amigo!
-Mas eu não vou te matar! – ele falou tentando levantar, parecia ter levado um choque.
-Quieto! – ela falou o empurrando de volta pro chão – Você ainda não entendeu? Você tem que ficar por perto, pra quando chegar a hora você me matar...
-Eu não vou te matar, Louhi... – ele falou sorrindo ao mesmo tempo que chorava – Eu prometo.
-Não adianta falar isso, é...
-É sério. Eu vou cuidar de você, aí não vou precisar te matar. Eu não vou deixar você deixar de ser humana!
Foi a única vez que ela não respondeu, também não foi embora sozinha. Ficaram sentados olhando para o céu, sem falar nada, duas crianças olhando para o futuro, tentando enxergar o que iria acontecer. De algum jeito ele sabia que ela tinha entendido, não era que ele simplesmente não queria matá-la, ele não podia... Assim como Brita não podia matar Ensio, ele entendia. Por isso que ele não podia deixar ela chegar ao ponto que Ensio chegou, não era uma opção aquilo acontecer. O que ele não percebeu é que Louhi entendeu aquilo de outro jeito, de seu próprio jeito, afinal ela sabia mais que ele.
-Louhi!? – Ele chamou ao chegar na casa, parecia abandonada. – Louhi?
Cada passo ao subir as escadas era como desmembrar pequenas lembranças de seu passado, sentia que algo o observava, mas não tinha certeza do que era. Quando chegou na porta do quarto e a abriu sentiu um frio anormal subir pelas suas canelas, podia ouvir o barulho de correntes se arrastando e batendo umas nas outras, não chamou o nome dela de novo, teve a impressão de que ela não iria ouvir. Nunca vira tantas correntes antes, presas as paredes, enroscadas na cabeceira e no pé da cama, espalhadas pelo chão, amarrando braços, pernas, pulsos e pescoço.
-O que é isso...?
-Hmnn...
-Louhi... – ele murmurou folgando uma corrente que estava ao redor do pescoço dela, era como se ela estivesse tendo um pesadelo, o rosto contraído numa careta. Ou era um sorriso? Não era comum ver ela sorrindo. – O que está acontecendo com você?
-Não precisa fazer uma cara tão preocupada.
Ele virou na direção da voz, podia ver claramente o homem cheio de correntes, correntes que ligavam ele a ela. Nunca o vira antes, mas ao notar a corrente no pulso dos dois soube instintivamente que era Aku. Os cabelos negros dele, os olhos vermelhos, Tapio sentiu o frio aumentar, como se não pudesse estar mais distante da vida, Aku era um monstro. Artefatos são feitos com um receptáculo e um monstro, o monstro é lacrado dentro e o objeto se torna mágico, usando as forças do monstro e o monstro usando a força de quem usa o objeto. Sabia daquilo, mas nunca imaginara Aku daquele jeito.
-O que foi? Nada a dizer guardião?
-O que você fez com ela?
-Nada, ela só está dormindo... – Aku respondeu se aproximando da cama, deixou os dedos deslizarem pelo rosto de Louhi. – Estava cansada.
-Eu não vou perguntar de novo...
-E o que você poderia fazer? Eu já estou lacrado. – Aku falou mordiscando a bochecha de Louhi que virou o rosto enquanto dormia. – Agora nós somos um...
-Um...?
-Agora ela não vai perder o controle, eu não vou deixar. Não era o que você queria?
-Eu posso cuidar dela... – Tapio falou cerrando os punhos.
-Mas ela não quis que você cuidasse dela. – Aku respondeu sorrindo – Queria tanto cuidar de si mesma, resolver tudo sozinha pra você não ter que sujar as mãos. Que acabou assim... Você é desnecessário guardião.
-Se você machucar ela...
-Não se preocupe. Ela vale muito mais pra mim viva, ainda mais com tantos monstros interessantes por dentro. – Aku sorriu, gostava de Louhi dormindo, parecia tão frágil, tão humana e delicada. – Qual a sensação de colocar todos esses monstros dentro dela? Qual a sensação de arrancar aos poucos a humanidade de alguém?
-Cala a boca!
-Pare de se iludir, ela não é mais humana, não precisa da sua proteção. – Aku falou maldosamente puxando Louhi para seu colo. – Eu vou cuidar dela de agora em diante. Entendeu?
-Eu mandei calar... Louhi?
Não era a primeira vez que ele a via acordar, mas foi a primeira vez que ela abriu os olhos de uma maneira tão vazia e sem sentido, era como ver o pai de Aimo mais uma vez, como se não restasse nada naqueles olhos. Só durou um segundo, mas ele se assustou, até que Aku e as correntes sumiram, só havia agora uma corrente e o cilindro sobre a cama, Louhi o encarava como quem espera algo. Mas ele estava congelado, não conseguia dizer, sequer pensar em dizer, nada. Os olhos aos poucos recuperando o cinza animalesco, um pequeno brilho de vida.
-Algum problema, Tapio?
-Você devia parar de usar Aku... – Tapio murmurou.
-Não fala besteira... Você sabe que eu sou a mestra dele...
-Não importa! – Tapio gritou a puxando pelos braços – Por favor, Louhi... Só dessa vez me ouve!
-Não dá. – Louhi falou levantando o braço, a corrente presa. – Por que você está tão nervoso? Já falei que não é seu trabalho se preocupar comigo...
-Eu só estrou preocupado com você, porque eu me importo... Essa coisa não é diferente dos monstros que...
-É sim. – Louhi falou se levantando – O Aku, sem esses selos, já teria tomado conta há muito tempo. Mas ele não é como os outros, Tapio, ele não quer tomar conta...
-E mesmo assim você usa ele?
-Ele está selado, Tapio. – Louhi falou como quem encerra o assunto.
-Não, não está... Pelo menos não completamente e você sabe disso. Se estivesse você não poderia usá-lo.
-Tapio... Eu já não tenho muita humanidade em mim, tirando partes desse corpo e às vezes a minha própria mente. – Louhi falou soltando um longo suspiro – Você não precisa se preocupar comigo, porque já não tem com o quê se preocupar. Um demônio a mais ou um a menos já não importa, é só um detalhe.
-Louhi, não fala isso.
-Tapio... Para de se iludir... – ela estava soando como Aku – Você sabe que já faz anos que eu não sou mais humana. Eu vou dar uma volta...
-Louhi!
Por que ele não conseguia enxergar? A compreensão de tudo escapava entre suas mãos e rodava em sua mente, memórias despedaçadas de tempos passados. Queria que tudo fizesse sentido, acabou rezando em voz baixa e quando deu por si estava em mais uma lembrança, sua casa em chamas, sua familia morta, fora assim que fora parar com os antigos mestres. Diferente de Louhi, diziam que ela não tinha pais, os alunos zombavam da garota falando que ela era filha de animais, por isso a acharam perdida na floresta. Talvez fosse isso o que Tapio sempre gostou nela, ela não era como os outros, parecia um animal. A casa pegando fogo, sempre tinha pesadelos com isso quando garoto.
-Tapio se acalme. – os mestres mandavam – Você não deve atacar todos os demônios desse jeito...
-DEVO SIM! ELES SÃO MONSTROS! – ele criança gritava antes de compreender o que estava acontecendo. – EU ODEIO TODOS ELES!
-Tapio...
-Eu odeio todos os demônios... Todos... – Tapio murmurava em lágrimas – E eu vou proteger todos os humanos e animais, matando todos os demônios...
-E se for um humano possuído por um demônio? Já pensou nisso?
-Então não é mais humano!
Agora fazia sentido. Lembrou também do primeiro dia de aula, depois de feitas as duplas, lembrava de um dos mestres ter explicado que os assassinos se tornavam monstros para poder matarem monstros. Era um sacrificio que eles tinham que fazer, uma batalha para continuarem humanos, mesmo depois de criar demônios dentro de si. Louhi fingia que não prestava atenção de longe, em todas as aulas, mas ele sabia que ela ouvia tudo com aquele jeito animal que espreita sem ser notado. Ele dissera que odiava demônios e ia matar todos, ela sabia que um dia seria um... Todo aquele tempo. Mas ele não a odiava, muito menos a queria morta. Queria que ela fosse...
-Pare de pensar essas coisas Tapio... – era Ukko chegando em casa.
-Mestre?
-Louhi nunca mais vai ser humana. – Ukko falou jogando suas coisas sobre a cadeira de balanço. – E mesmo que você fosse pequeno quando gritou daquele jeito. Você realmente foi sincero ao dizer que odiava todos os demônios e iria matá-los.
-Eu não odeio ela, ela é diferente! Ela é só uma caçadora...
-Não, Tapio. Ela nunca foi humana.
-Do que está falando?
-Nenhum outro aluno gostava dela, porque eles sabiam. Eu achei que você já teria percebido, mas parece que estava muito ocupado preocupado com ela...
-Louhi é...?
-Você lembra do sétimo demônio que você selou dentro dela? – Ukko perguntou.
-Aquela pantera de olhos prateados?
-Sim. Aquela pantera era o pai de Louhi, alguns demônios se misturam entre os humanos para se esconder por algum tempo. – Ukko falou pegando um pouco de água para refrescar a garganta – Quando Louhi nasceu, a mãe dela se assustou e a abandonou depois de algum tempo na floresta. Ela nunca foi humana... Mas também nunca foi outra coisa.
-Isso quer dizer que...
-Que ela nunca se aproximou de você, por saber o quanto você odiava demônios. Por saber que você inevitávelmente um dia iria matá-la.
-Irônico, transformar a garota que você gosta naquilo que você mais odeia... – Tapio e Ukko tiveram que sair da casa para avistar a fonte da voz.

Um comentário:

Ceci disse...

ahh mo...:}
Se o anterior foi o de melhor ação e movimento,esse foi o melhor sentimental.Por mais que a intenção não fosse deixa-lo sentimental,ele ficou,mas sem ficar grudento.

Aos pouquinhos Louhi vai sendo desvendada e tda essa introspecção dela vai podendo ser explicada e a cada pedaço de sua história,podemos sentir como se fosse conosco até o.O" uma bebzinha abandonada na floresta...dps seu guardião selou o q não gostava...mas ai vem a questao d q ele não vai deixa-la se tornar um demonio!Ele vai protege-la...nhaaa confesso q derreteu aki *atake polistico =x*

Mtoo lindo viu Mo?
quero so ver c no final d tdo o q deveria acontecer vai msm..=X

bjaoo!proximoo \o/