quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aqueles sobre a morte

1
-Beg... – a voz era forte, grave que fazia tremer os cristais finos das taças sobre a mesa, as mãos pesadas segurando as suas espalmadas na toalha, sua boca na altura de seu ouvido marcava sua presença. – Eu senti sua falta.
-Soner... – ela mal conseguia pronunciar o nome dele.
-Me diga, Beg... Qual seu desejo?
A temperatura subia a niveis alarmantes, mesmo depois dele desencostar de seu corpo e dar a volta na mesa, mesmo depois de procurar incessantemente recuperar seu fõlego com respirações fundas, ela ainda podia sentir aquele calor se espalhando por seu corpo. Debaixo daqueles olhos negros, Beg sabia que havia maravilhas luminosas, debaixo daquele rosto sério havia, muito tempo atrás, um sorriso de uma noite inteira.
-Pensei que estava ocupado demais pra mim... – ela murmurou, puxou um cigarro do centro da mesa, mas ele o tomou de suas mãos o atirando para o lixo. – Odeio quando você desperdiça tabaco.
-E eu odeio quando você desperdiça o gosto da sua boca com um cigarro. – ele retrucou de maneira séria. – Eu fui transferido para instrutor, então meu tempo se expande a medida que vou ter alguém para explorar.
-Quem é a vítima? – Beg perguntou tomando longos goles de água, ainda estava quente.
-Ainda está sendo restabelecida na realidade nova, devem estar trocando o nome dela. O antigo significava aleijado, péssimo nome para um de nós, não acha? – ele estendeu a mão segurando a dela. – Você ainda não respondeu, não me faça implorar, Beg.
-Acho que implorar, último e vontade são nomes mais condizentes... – Ela murmurou, apertou a mão dele, seus olhos faíscavam como quem planeja. – Eu desejo sua companhia. Mais nada...
-Exatamente o que eu desejo. – ele falou dando um beijo saudoso nela.
Quanto tempo passara desde que a vira pela última vez? Décadas e ela continuava linda como sempre, com os mesmos olhos verdes pecaminosos, a mesma aura de mulher do diabo, concedendo os desejos as criaturas mais vis que pisavam na terra. Mas quem podia culpá-la por fazer seu trabalho? Ele não podia, ainda mais ele que realizava desejo de almas decadentes que muitas vezes sequer era dignas de tal presente. Como escolher o menos pior para realizar um desejo? Era dificil, para eles que trabalhavam com o lado podre da humanidade.
-Como está, Will? – ele perguntou olhando pela janela do restaurante.
-A mesma lingua ferina e o mesmo jeito de trabalhar, ele não mudou nada. – Beg comentou dando risada.
-Ele tem sorte, não são todos que acabam como nós, menos ainda os que continuam com a familia. – Soner sempre parecia triste ao falar de familia, talvez por seu último desejo: um dia com sua familia. – E ainda fica com os melhores clientes.
-Inveja não cai bem em você. Por que não fica conosco? A casa é enorme, tem espaço para mais dois...
-Dividir uma casa com seu irmão, proposta pouquissimo tentadora. – Soner comentou meneando com a cabeça.
-E dividir uma cama comigo? – ela perguntou com um sorriso incitante.
-Ainda estamos falando da mesma coisa?
-Me diz você. Estamos?
Pouca gente tem direito a um último desejo, mas há uma regra quanto a desejos, se eles forem interessantes o bastante para chamar a atenção dos chefes, o dono do desejo pode ser convidado para se juntar a eles. Aqueles sobre a morte, não são mais pessoas já que não estão vivos, nem mortos. Vagam pela terra seguindo ordens de algo acima do compreensivel, escolhendo pessoas no meio da multidão, cujo tempo esta correndo, e fazendo a simples pergunta:
-Qual seu desejo?
Naquele momento era Will que perguntava para Soner, ambos partilhavam uma séria antipatia. Para Soner a situação era que aquele pirralho, era o capeta irritante que infelizmente nascera na mesma familia que a mulher a quem amava. Para Will a situação era mais simples, como um bom irmão ele simplesmente odiava o cara que dormia com a irmã dele, apenas para fingir que protegia a irmã ou que tinha ciúmes dela.
-Soner vai ficar conosco, ele acaba de virar instrutor...
-Então Soner e algum novato idiota vão ficar conosco, é isso? – Will perguntou soltando um longo suspiro – Você devia mandar eles para uma creche isso sim.
-Ironico ouvir isso do mais novo nesta sala. – Soner retrucou, ambos se encararam de maneira que pareciam voar faíscas do fuzilamento visual.
-Porque eu estava preocupada? Mesmo depois de décadas vocês ainda se adoram!
Claro que ela estava sendo sarcástica, mas por mais que ambos trocassem faíscas, farpas e o que mais estivesse disponivel do ramo do ataque verbal, nunca tivera reais motivos para se preocupar com o relacionamento dos dois. Foi direto para o quarto entrar num banho para lhe refrescar o calor e as idéias, imaginava quem seria que viria morar com eles, especialmente com Soner. Imaginava que talvez fosse uma mulher, que tipo de mulher? Podia não ter ciumes de pessoas vivas, mas pessoas como eles era outra história. Quando estendeu a mão para a toalha, era alguém que a passava.
-O que foi?
-Você se lembra da última vez?
-Lembro.
-Acha que vai acontecer de novo, Beg?
-Eu não sei, Will.
-Se acontecer, é só você desejar.
-O que?
-É só você desejar, que se acontecer de novo... – Will ajudou ela a se enrolar na toalha, os olhos pareciam meio perdidos entre passado e presente – Eu mato ele. Boa noite, Beg.
-Boa noite, Will.

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