3- Medo e Pena

Duas damas da nobreza sentadas a uma mesa de chá, uma delas ainda criança e a outra já adulta pagava visitas sempre que possivel, se chamava Adelheid e conhecera a duquesa de Borboun, mulher gentil que sempre lhe tratara bem quando criança, agora retribuía com visitas a sua filha para conversar e tomar chá. Adelheid se sentia desconfortável, mas também sempre levava pra casa um relatório da mansão Borboun, sua mãe dizia que aquele guardião era e sempre seria ralé infiltrada e que não merecia toda graça que aquela familia lhe oferecia, mas sempre era a mesma situação grandiosa da qual se lembrava quando menina. Nada faltava e nada sumia naquele lugar e Adelheid se sentia culpada por acabar como cumplice dos preconceitos da mãe.
-Algo a perturba, Adelheid? – Letia perguntou baixando sua xícara – Parece que seus pensamentos fogem...
-Não, não é nada. – a outra respondeu consternada, via na garotinha a mãe, os mesmos cabelos e os mesmos olhos, a mesma graça e leveza. – Souru saiu? – perguntou procurando ao redor.
Adelheid conhecera Souru ainda pequeno, sempre pareceu uma sombra no canto das salas e jardins, observava todos com uma frieza vitrea e vazia como se fosse de outro mundo isolado e distante. Por horas tinha pena do garoto que nunca demonstrou nada menos que gentileza e respeito com todos, por outro temia aquele jeito frio e impessoal que ele demonstrava em publico. Tão diferente dos olhares amorosos e cheios de turna que ela enxergava nas duquesas Borboun.
-Preocupada que ele esteja planejando algum atentado enquanto conversamos distraídas, Adelheid? – Letia perguntou rindo.
-Longe de mim tal disparate! – Adelheid exclamou surpresa e ao mesmo tempo encabulada, a face ficou rubra.
-Alegra-me saber que não pensa como sua mãe, então. – Letia falou servindo-se de mais chá de maneira natural – Souru costumava me contar ainda pequena antes de dormir, que aqueles que espetam a alma alheia com palavras cruéis, terão as próprias almas perfuradas.
-Que coisa medonha para se dizer a uma criança. – Adelheid falou levando a mão aos lábios.
-Você discorda?
-Não, mas... Às vezes tenho medo de Souru.
-É natural, a maioria tem medo daquilo que desconhece. – Letia respondeu com um sorriso e ergueu o bule – Mais chá?
-Não, obrigada. – Adelheid tentou se conter, mas a pergunta escapou – Ele é muito diferente quando estão apenas vocês dois?
-Não, não muito... – ela confessou e se levantou – Mas se você o olha mais de perto vai notar que os olhos vazios são na verdade um desejo silencioso de ser preenchido, o sorriso sem alegria é na verdade um desconcerto e o modo como se afasta é seu temor...
-Temor?
-Todos temos medo de algo Adelheid. – Letia falou fazendo sinal para que a outra a acompanhasse até o jardim – Enquanto você tem medo de Souru, ele tem medo de você...
-Por que ele teria medo de mim?
-Você sabe o que dizem sobre as almas assumirem a forma de borboletas? – Letia perguntou enquanto entravam no jardim, Adelheid sempre ficava aboboda com o bailar dos insetos alados.
-Claro.
-Imagine Souru como uma borboleta, frágil ao ponto de que qualquer toque mais rude lhe machuque as asas. Ele tem tanto medo quanto qualquer um de ser machucado ou rejeitado, mal entendido ou perseguido. Mas enquanto algumas pessoas são cruéis na face do medo...
-Ele se afasta... – Adelheid entendeu, admirou por um momento o jardim – Você acredita mesmo que borboletas são almas, Letia?
-Por que?
-Não tem pena de prendê-las nessa redoma de vidro?