quinta-feira, 16 de outubro de 2008

8- Almas Livres

Ninguém conseguia desvendar a solidão que assolava seu peito, ou então a tristeza que lhe fazia querer preencher o vazio da própria alma com almas alheias. Não podia devorá-las, não podia abrir-se para a quente sensação de vida que outros possuiam, mas podia buscar de alguma forma escapar aquele frio e achara a resposta muito cedo. Toda lenda começa de uma verdade que ninguém soube contar e agora a lenda revivia numa redoma de vidro entre o bailar das borboletas. Prender? Não se tratava de prender, se tratava de libertar.
-Somos cúmplices. O silêncio nos faz igualmente responsáveis... – Letia comentou, ambos sabiam da verdade por trás da lenda, mas nenhum deles falara nada por todos aqueles anos e o resultado era uma redoma cheia de estátuas e borboletas.
-Senhorita...
-Letia. – ela interrompeu. – Hoje me chame de Letia, Souru.
Os cabelos castanhos até a cintura e os olhos azuis brilhando na escuridão, o vestido justo lhe comprimindo o corpo como quem se encolhe tentando se esconder. Ele permanecia o mesmo apesar das marcas no rosto da passagem do tempo, os mesmos olhos e jeito reservado de quando ainda era uma criança e Parvaneh a lhe prender a garganta. Ele concordou com um aceno da cabeça sem saber dizer não para aquela mulher, a duquesa Borboun.
-Dez anos atrás você teria dito ser só meu servo, dez anos atrás eu me enfureceria sem saber que como eu você sofreu calado por tanto tempo... – ela não era mais uma criança caprichosa, era uma mulher e ainda lhe faltava o tato suave que ele tinha, mas ela tinha tanto que escapava a compreensão. Tanto por trás das borboletas que bailavam e da aura gentil de sua falecida mãe.
-Deixemos o passado no passado. – ele sugeriu desviando os olhos para a fonte, a estátua da duquesa que o criara bondosamente, mãe dela e anjo dele.
-Confessemos então o que quisemos de verdade todos esses anos! – ela falou o abraçando, o sentia nos braços como se ainda fosse uma criança para ele cuidar e proteger. – Souru...
-O monstro é dito incapaz de amar, mas não é verdade. Tudo que ele deseja é preencher o vazio que o assombra... – Souru falou tocando os cabelos dela e fechando os olhos, parecia recontar a história, mas era diferente, aquilo era viver a história – Seu amor era tão imenso, que devorava aqueles que amava impiedosamente na gana de ser preenchido.
-Souru...
-O monstro ama, mas não fala. – ele completou a encarando.
-Todos esses anos, tantas estátuas, tantas borboletas... – ela comentou com os olhos cheios de lágrimas. – Eu queria preencher esse vazio!
-Só há um jeito... Nós dois entendemos isso.
Quase vinte anos desde a duquesa repousando em sua cama, pronta para deixar sua alma alçar vôo abandonando o corpo cansado, vinte anos em que ele permaneceu calado para que ninguém soubesse. Agora ela o pedia para confessar, juntos confessarem sua cumplicidade. Um o monstro que era e outro o mero espectador que havia sido por décadas. Parvaneh lhe apertava o pescoço então ele retirou a corrente a deixando cair no chão. Ela olhou perplexa e já ia se abaixar quando ele a puxou pelos pulsos, não tinha medo...
-Mesmo que eu te devore?
-Não tenho medo...
-Anos atrás nasceu uma criança, que muitos chamariam de monstro, mas era apenas dona de um imenso vazio... Vazio que ela buscava preencher com sentimentos alheios. Buscava uma alma tão bela, tão amorosa, tão grandiosa que pudesse lhe aquecer a própria... Uma criança e nada mais...
-Buscava sua Parvaneh...
-A criança a encontrou. E seu amor e felicidade foram tão grandes que se tornou mais que um admirador e companheiro, queria possuir e proteger Parvaneh.
-Quase como um guardião...
-Mas pessoas vinham, de todos os tipos e com todas as intenções. Ficavam no caminho e aumentavam a distância entre o monstro e Parvaneh. E o monstro sentia um vazio insuportável quando estava distante! Então ele buscou companhia...
-Transformou as pessoas em pedras e as almas em mascotes para lhe consolar o vazio e a ausência. O enciumado monstro em sua gana de companhia afogou Parvaneh em solidão...
-O monstro se arrepende e pede perdão... – Letia falou finalmente com lágrimas escorrendo de seus olhos – Tudo que eu queria era você ao meu lado, Souru! Só isso! Só você! Parvaneh... A alma mais linda...
Ela chorava e ele guardava sua tristeza, durante vinte anos Letia havia transformado em pedra todos que adentraram aquela casa com exceção da baronesa que caira na loucura e morrera em casa. Professores, instrutores, serviçais e até mesmo a única amiga que tivera, Adelheid, fora vitima do ciúmes do monstro devorador de almas. Até mesmo a duquesa Borboun, mãe de Letia tinha perdido a alma para a filha que convocou a borboleta para lhe fazer companhia no berço, o monstro tinha a face da serenidade e inocência, tinha a face bela de uma dama. Uma dama que chorava numa redoma de vidro.
-Se você quiser eu posso te libertar... – ele falou a abraçando com ternura.
-Tudo que eu sempre quis foi você, Souru... Só isso...
-Se é a minha alma que você quer, ela é sua para devorar. – ele falou fechando os olhos e dando um beijo de leve na testa dela.
-Souru. Parvaneh... – ela murmurou aproximando os lábios dos dele, sentiu os braços dele deixarem sua cintura, o toque leve se tornou pesado, quando se distânciou uma estátua de pedra fria a encarava de maneira obstinada e servil. – Meu amor... – uma borboleta vermelha relampejou na escuridão, pousando em sua mão estendida para o ar ela ainda chorava sentindo um calor se alastrar pelo seu corpo – Como todas as almas o monstro deseja. E deseja acima de tudo companhia e liberdade...
Ela levou a borboleta com as duas mãos até os lábios, pronta para engoli-la para sanar o vazio dolorido que a corrompia. Mas seus lábios se fecharam, dando um beijo suave na borboleta e depois a soltando com as duas mãos para um vôo livre, um barulho crescente de rachaduras se espalhou até que o vidro da redoma se esmigalhou, com as mãos estendidas para o alto sentiu todo o corpo pesado e endurecido.
-Eu a perdôo... – Podia ouvir ele murmurar ao seu ouvido sob a chuva de vidro, borboletas que voavam para a liberdade.
-Cercada de almas belas e corpos frios, estou eu. A dama na redoma de vidro... – recitou entre lágrimas vendo o vôo de Parvaneh – O monstro na prisão de vidro... Um vazio insaciável, que apenas a alma mais bela do mundo pode preencher.

Um comentário:

Ceci disse...

E vc hein dona Mo?Sempre me surpreendendo com esses finais nada previsíveis e me fazendo...baah,deixa pra la x}

...

Tdo sempre tem MTA lógica,e no final tdo se liga mais ainda nos trazendo um final surpreendente e comovente tbm.Essa história representa mto pelo que mtas pessoas passam em suas vidas...esse vazio,solidão dps de um forte impacto de liberdade,é Mo,digamos que vc conseguiu com essa história me fazer refletir a respeito da liberdade em si.Aliás,ainda to refletindo,mas por enqto prefiro me ater ao comentario x)

Peço desculpas oficiais aqui por ter pensado que o pobre coitado do Souru uqe era o culpado pelas estátuas =X
Tadinho meu...ele so tinha prometido cuidar da pekena Letia monstrinho =´(

ela parecia tão...tão...delicada,meiga e mto solitária tbm...nunca me passou pela cabeça q fosse ela...nhaa mas que final triste! =/

Bom,mas não nego que sua capacidade de escrever e criar cresce a cada história e sei que mtas outras tão boas qnto ou até melhores vem por ai *-*

aguardo ansiosa!

ameeei essa história Mo!

parabéns e bjããoo
;**