sexta-feira, 5 de setembro de 2008

12. Ciúmes

Estava saindo da escola de mãos dadas com Azure, Mika já não ensaiava mais todos os dias da semana. Era o último mês antes da apresentação e acabaram chegando no consenso de que exaustão não era uma coisa boa, mas antes que pudessem ir embora, achando que eram os últimos naquele lugar a outra mão foi puxada e ela foi jogada contra a parede por Korone. Sem ‘licença’ ou ‘por favor’ mastigou o invisível no ombro dela, Azure assistiu com um misto de paralisia e surpresa até o outro se afastar passando a mão nos lábios como quem acaba de beber água.
-Você não achou que ela era a única a me usar de comida, achou? – sorriso de valentão que gosta de implicar com as outras crianças, Korone adorava aquele tom.
-Não, eu... Eu meio que esperava algo assim. – Azure respondeu dando um passo a frente. – Eu não sei exatamente como isso tudo funciona, mas não a trate com tanta violência assim...
-Violência? – Korone deu risada.
-Não é nada, Azure. – Mika falou e era sincera, mas foi ignorava pelos dois que trocavam olhares mortais. Korone parecia adorar fazer os outros se sentirem mal ou com ciúmes.
-Eu não sei como alguém que trata uma garota assim tem tantas admiradoras...
-Não sabe mesmo?
Korone sorriu, aquele sorriso lascivo que tantas garotas já viram fez Azure corar e se virar enquanto andava puxando Mika pela mão. Korone deu risada, não caminhou com eles e sim aproveitou por algum tempo o bom humor que ganhara do outro. Tantos dias se passaram e era apenas a segunda vez em que Azure presenciava o estranho acordo entre dois monstros, por um momento pensava já ter esquecido aquilo e tudo era normal. Mas toda noite ele lembrava ao olhar o sorriso pontiagudo dela, sentia um desconforto dentro de si, uma distância que ele não podia ultrapassar.
-Não deixe o Korone te irritar, no fim ele é que nem qualquer criança carente de atenção.
-Não precisa me consolar, eu não estou com ciúmes... – Azure falou, um pouco mais frio e distante do que o normal. Ela calou e em breve ele emendou – Desculpe é que na verdade eu tenho inveja do Korone.
-Inveja?
-Ele é que nem você, não é?
-Não exatamente... Eu nem tenho certeza do que ele é. – Mika respondeu com sinceridade, assim como por tanto tempo não soube o que Ângelo era, até hoje não sabia o que o Korone era.
-De qualquer jeito, ele não é humano como eu. – Azure falou soltando um longo suspiro enquanto caminhava. – E por isso mesmo, talvez ele te entenda de um jeito que eu nunca vou entender... Ele pode alcançar uma distância que eu nunca vou conseguir.
O silêncio se esticou entre os dois, apenas o som dos passos na calçada e trechos de conversas de outras pessoas que iam passando. O céu se coloria e ela apertava mais forte o braço dele, não por medo do anoitecer como costumava ter, mas uma certa ansiedade quanto àquela distância invisível que separa aqueles que são alguma coisa dos que não são, ela não era humana.
-Está com fome? – ele perguntou parando de andar, murmurou um desculpe perguntar depois de ver os olhos dela arregalados em sua direção.
-Não pense nisso... – podia enxergar os pensamentos dele claramente.
-Qual a diferença? É sangue do mesmo jeito e eu não ligo de... – ele calou a boca, não por vontade própria, mas por que a dela estava sobre a dele, os lábios dela tremiam de frio mesmo estando quente.
-Você não sabe do que está falando... Por favor, nunca mais sugira isso.
-Está bem. – Azure concordou continuando a andar, pensou ter ouvido ela murmurar algo, mas não tinha certeza. Esse algo era: eu só posso beber o sangue do Korone.
A despedida foi breve, banhos de água fria que escorriam colo gelo pelas suas costas não bastaram para fazê-la parar de sentir aquelas ondas de calor e antecipação. Cada vez mais aquilo acontecia, não era fome, era simplesmente uma vontade que a invadia de cravar as presas em alguma coisa, era como luxuria. Aos poucos entendia porque fidelidade não caminhava ao lado dos vampiros, não era apenas fome, era aquele calor e urgência de morder algo. Não era só comida, era um vicio.
-Por que você fez aquilo? – Mika perguntou do topo da escada, Korone tinha acabado de chegar e subia os degraus como quem desbrava um mistério.
-Eu estava com fome... – Ele respondeu sorridente.
-Não, não estava... – ela desceu alguns degraus ao encontro dele, sem desviar o olhar daqueles olhos – Você quase não comeu, você só queria perturbar o Azure, não é?
-Eu consegui? – ele riu.
-Não.
-Quer um gole? – Korone perguntou virando o pescoço pra ela.
-Também não... Boa noite, Korone.
Ele não respondeu, apenas sorriu e caminhou pro próprio quarto. Aquele sorriso de triunfo de alguém que rouba no jogo e sabe que vai ganhar, no meio da madrugada ele acordou com o som da porta se abrindo, mas continuou de olhos fechados. Ouviu os passos e sentiu quando a cama ganhou o peso de mais uma pessoa, um murmúrio muito baixo e ininteligível foi dito, o que era pra ser: eu odeio essas coisas que você faz. Soou apenas como respiração pesada, no fundo do coração dela, tudo que queria era matar a fome para não acabar machucando Azure, mas aquele corpo era feito mais do que de dentes e um coração.
-Mudou de idéia? – ele riu ainda deitado abrindo os olhos, sentindo a respiração sobre o seu pescoço – Toma cuidado pra não manchar a cama.

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