sexta-feira, 5 de setembro de 2008

13. Sorriso

Nervosismo não combinava com ela, tanto que de tantas pessoas estressadas subindo e descendo, correndo e tremendo, ela era aquela que não se encaixava no contexto, sentada num canto relendo as letras. O mês correu e lá estava ela, algumas músicas junto com o resto do coro, um dueto e um solo. Azure também cantava, cantava com ela no dueto, não havia nada de especial na voz dele além do fato que depois de cantar ele só falava sussurrando por algum tempo. A voz dela não tinha nada de especial também, tirando o fato de que não ia matar ninguém de dor acabava por aí. Trilha sonora ao vivo, essa era a idéia do projeto da nova peça teatral, ficava pensando se daria tudo certo.
-Já fez o aquecimento, Mika? – era uma garota que tocava o violino perguntando.
-Não...
-Então é uma boa hora pra fazer, começamos em dez minutos. – ela avisou saindo correndo escada acima.
Era um teatro comum, enquanto a peça se desenvolvia no palco o instrumental ficava na frente da platéia, por fim o coro ficava no fundo, tudo com o amparo de caixas de som e outras coisas que Mika ignorava onde e como estava ligadas. Azure logo veio se juntar a ela, ficou ali com a cabeça recostada no seu ombro calado, ela já sabia que ele estava nervoso, o coração dele saltava como se ele tivesse acabado de correr uma maratona, ficou quieta também repensando nas músicas.
-Vamos então... – Azure murmurou ao ouvir a chamada pro coro antes que a platéia começasse a entrar.
-Vai dar tudo certo. – Mika falou apertando de leve o braço dele enquanto caminhavam, aquele mero toque fez o sangue dele fluir mais devagar. Como um animal sendo amansado.
Dali de cima ela podia ver as pessoas entrando, Beau e Ângelo estavam no centro da platéia, lugar bom tanto para o som quanto para a visão do palco. Esperava que Korone estivesse com eles, mas não estava. Soltou um suspiro de alivio até que seus olhos o encontraram num camarote, o alivio virou vontade de dar risada vendo que certas coisas nunca mudam. Uma loira com vestido sem alças fazia companhia para ele, muito bonita e parecia empolgada com a peça, nunca a tinha visto antes, assim como nunca vira a maioria das garotas com quem ele saía.
-O que você está olhando? – Era a voz de Azure no seu ouvido, lhe abraçando com carinho. Quase uma criança pedindo colo.
-Estava vendo quem eu conhecia na platéia.
-A Beau veio com o Ângelo, não é? Eles formam um casal bonito...
Azure comentou de maneira displicente, Mika apenas sorriu imaginando se ele diria a mesma coisa se soubesse que os dois eram demônios. O espetáculo começou com música instrumental, como muitos outros começavam, então no meio da música de abertura tudo se cala antes que a música pareça ter chego ao fim, algumas palavras são jogadas ao ar pelos atores e a cena congela. A música continua com as vozes do couro e assim acaba a abertura, todos aplaudiram quando as luzes se apagaram por alguns momentos para depois reacender, todos menos Korone. Azure o viu do lugar onde estava no balcão e não queria imaginar onde estariam as mãos dele naquele momento, virou-se para olhar Mika que sorria esperando sua vez, pedia mentalmente que tudo ficasse bem com ela havia dito.
-Venha comigo! – um personagem chamava – Você não pode dizer não...
-Não, não, não! E mais um não! – a outra respondia.
-Não importa o que fala, ou o que deixa de falar. Eu sei o que você esconde...
Nesse trecho o olhar de Mika foi até Ângelo, quase como um deja vu, depois a cena continuou e seu olhar buscou Korone no camarote, a loira estava de olhos fechados e rosto virado para o teto. Korone estava de costas para o palco, o rosto sobre o ombro dela e os olhos apontados na direção de Mika, um sorriso. Um sorriso despreocupado como só ele sabia sorrir, a garota virou o rosto até notar que a música recomeçava, era o solo dela. Deja vu mais uma vez, nunca tinha pensado muito na letra daquela música antes.
-Não diga mais nada que eu já não quero ouvir. Eu sei que essa tristeza é sua desculpa pra sorrir.
Era uma música que falava sobre mentiras, sobre enganação e fingimento. Máscaras que as pessoas colocam, sorrisos para fingir que não são tristes, lágrimas pra dizer que ainda não são felizes! Palavras cruéis tentando dizer que ama, gestos doces quando na verdade pretendia ferir. Música sobre mentirosos, uma sensação estranha de familiaridade, mas enfim era apenas uma música. Seu olhar acabou passeando enquanto cantava, foi parar no camarote. O mesmo olhar na sua direção, o mesmo rosto, mas o sorriso havia sumido. Fechou os olhos.
-Mika, todos estão aplaudindo de pé!Era a voz de Azure no final da peça, único momento em que tornou a prestar atenção nos arredores, a platéia abaixo aplaudindo os atores no palco. Seu olhar buscou por curiosidade o camarote, a loira aplaudia os artistas na frente, Korone só aplaudia olhando para trás. Sorriso de valentão que atormentava as crianças melhores, despreocupado com tudo, desinteressado com os sentimentos alheios, um sorriso egoísta que você tem vontade de odiar. Mas então por que não odiava?

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