domingo, 14 de setembro de 2008

Noite de Lua: Receita


Muitas pessoas passam a vida inteira procurando algo, a receita para a riqueza, para a felicidade, para o amor, como se tudo tivesse uma fórmula mágica e que segui-la passo a passos funcionasse para todo e qualquer um. A única receita naquela casa era como fazer um sanduíche em poucos segundos para não se atrasar para a faculdade, saía antes do sol nascer e só voltava para casa depois que ele já tinha ido embora, entre estudos e trabalho não havia tempo para fazer planos ou receitas.
-Sayen! – sempre se assustava quando gritavam seu nome, era uma daquelas coisas que você ganha na infância.
-O... O que foi? – perguntava arrumando os óculos, parecia se esconder atrás deles, óculos enormes de aro preto.
-Nada, esquece... – o outro respondeu encolhendo os ombros – Eu tinha esquecido que você era uma garota.
Não era incomum ouvir aquilo, os cabelos curtos e mal cuidados, o óculos enorme que escondia seu rosto, as roupas largas e o corpo magro e sem curvas. Não que parecesse um homem, no máximo um garoto qualquer que nem tinha saído do colégio ainda. Continuou seu caminho com a pilha de livros, aquele tipo de comentário não a incomodava, tinha mais com o que se incomodar.
-Sayen... – virou seu rosto na direção da porta. – Você ainda não foi pra casa?
-Eu tenho que organizar esses na prateleira. – respondeu encolhida atrás da pilha, sentia que aquilo era o único escudo que tinha contra a humanidade, livros.
-Pequena desse jeito e carregando tanta coisa... – ele era o tipo de pessoa que não combinava, um nariz muito grande entre olhos muito pequenos, um corpo enorme e bruto e um jeito de falar gentil e educado. Julius era exatamente esse tipo de pessoa e era seu chefe – Eu te ajudo.
-Obrigada.
Ela precisava mesmo de ajuda, sua altura não chegava nem na casa dos 160 centimetros, sem uma escada ela sequer alcançava os exemplares mais altos que ficavam nas prateleiras de cima. O emprego perfeito pra ela, cercada de livros com a receita para a felicidade era um reino que tinha vários lugares altos onde ela jamais conseguia alcançar sem que lhe ajudassem, já Julius estava sempre nas alturas, não era a toa que tinha torcicolo se passava muito tempo conversando com ele, o chefe era alto.
-Por que você não sai mais cedo hoje, Sayen? A livraria está vazia... – ele sorria gentil.
-Eu não tenho nada melhor pra fazer. – era tudo que ela respondia e realmente ela não tinha nada melhor para fazer.
-Você precisava arranjar um namorado! – ele comentou bem humorado.
-Eu não preciso de namorado. – ela respondeu ajeitando os óculos e indo passear entre as prateleiras, ela sempre fazia isso quando queria evitar algum assunto.
O que ela precisava ninguém poderia lhe dar, o que ela precisava tinha se perdido anos atrás. Se sentou ao lado da prateleira dos romances de cavaleiros, rei Artur estava sobre sua cabeça, bem próximo a outros clássicos com princesas e dragões. Não queria um cavaleiro, nem um príncipe, muito menos um namorado. O ingrediente da sua receita para a felicidade havia se perdido para sempre, os óculos deslizaram, olhou por cima deles pela janela onde a lua começava a brilhar no céu.-Já é lua cheia... – apertou a camisa com as mãos na altura do coração, ele pulsava mais forte na lua cheia. Seu último dia feliz, também tinha sido numa noite de lua.

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