sexta-feira, 12 de setembro de 2008

II - Minha sorte, Gato Preto

Já era outro dia, outro momento, outros tempos para se perder no tempo com os olhos verdes fixos em algum ponto imóvel, tudo se misturava numa onda de sonhos e realidade. Quando acordou no dia seguinte descobriu que houve sim um acidente de carro, mas tinha acabado tudo bem, já que não havia ninguém no banco do passageiro onde o outro carro bateu, achava que o gato preto era um sonho, Seth também. Provavelmente era um sonho, delírios de alguém que acumulou num só dia dezenas de anos de azar por quebrar superstições seguidas.
-Você tem muita sorte, Ce! – muitos falavam isso, mas ela não acreditava em azar, por isso tinha sorte. Era um jeito de pensar que se você não acredita não é real, ainda estava decidindo se acreditava ou não em Onni e Seth.
Era um daqueles dias longos no trabalho, o escritório parecia uma panela de pressão da onde as pessoas tentavam sair e quase sempre saiam com um impulso tão grande que atropelavam os outros, ela ficava. Até aquela última pessoa sobre pressão sair, então arrumava suas coisas e ia embora, o horário acabava ficando tardio e as ruas perigosas, mas preferia assim. O silêncio da noite e o escuro das sombras, olhos de gato brilhavam no escuro, quando deixou o escritório aquela noite achou ter visto algo brilhar, mas era apenas uma moto passando e não um gato. Caminhou calada, se perdendo em sua cabeça sem notar muito nos arredores, sua casa era apenas alguns quarteirões de caminhada, ia andando.
-AHHH! – ser puxado no escuro é assustador, é claro que as pessoas gritam.
Seus olhos foram tampados, sentiu algo na sua garganta, frio... Metal era frio e afiado, que nem aquela coisa lhe espetando no pescoço, alguém a mandou não gritar. Coisa estúpida para se dizer, é claro que ia gritar, queria gritar, devia gritar. Que tipo de idiota ficava quieto numa situação dessas? Um idiota que quer viver, mas ela não estava pensando muito nisso quando gritou de novo, o grito abafou o som de algo caindo. Por um momento a mão deixou seus olhos, depois voltou a arrastando, ia gritar de novo, mas a outra lhe tampou os lábios. Grunhia com um animal, animais tem cada qual seu som. Gatos miavam.
-Miau... – conhecia aquele som.
-Shhhh... – no seu ouvido, como que manda alguém fazer silencio ou se acalmar. – De nada de novo. – conhecia aquela voz, as mãos lhe libertaram, abriu os olhos e viu os olhos azuis do gato aos seus pés: miau.
-Onni. – se abaixou na direção do gato sorrindo.
-Dessa vez eu que te salvei, você não devia estar sorrindo pra mim? – Seth perguntou colocando as mãos nos bolsos. Ela olhou ao redor, estava numa pequena praça a meio caminho de sua casa.
-Por que você tampou meus olhos? – Célia perguntou séria, ele a tinha ajudado? Ou ele que a pegara daquele jeito. Ele não estava com uma faca, não podia ser ele, levou a mão ao pescoço por reflexo.
-Se eu não fizesse isso, você ia ver uma cena desagradável. – ele respondeu sentando num banco, Onni pulou no colo do dono e se deitando lá. Seth era grande e forte, mas tinha trajeitos delicados enquanto fazia carinho no gato.
-Por que você me ajudou? – ela não entendia aquele homem, nem aquele gato que a olhava constantemente, nem se aquilo era real. Talvez tivesse ido a festa, sofrido o acidente e estivesse em coma sonhando.
-Preferia que eu não ajudasse? – ele pareceu triste com a pergunta.
-Não, é só que... Eu não sou nada pra você e... – Onni pulou, do colo dele para os braços dela que o segurou no susto, roçava a cabeça contra seu peito como quem pedia carinho, não pode evitar de fazer o que o gato pedia.
-Não fale assim, não podia estar mais longe da verdade. – Seth falou se levantando – Se algo acontecesse com você... – ele acariciou o rosto dela, com a mesma delicadeza que fazia carinho em Onni, ela se sentiu morna. – Onni nunca me perdoaria.
O gato nunca o perdoaria? Então ele ajudou ela por causa do gato? Encarou Onni, os olhos azuis, era tudo por causa dele, ela estar bem naquele momento era por causa dele. Seth não se importava, apenas Onni, não entendia mais nada, sentiu o toque dele deixar seu rosto, o gato miou lambendo seu queixo. Célia o soltou para que ficasse a vontade, olhava do homem para o gato tentando entender tudo aquilo.
-Obrigada, Onni! Obrigada, Seth... – ela sorriu para os dois, não queria nem pensar em tentar entender. – Eu...
-O que? – ele parecia tão frio, era como se não houvesse nada dentro dele.
-Eu vou ver vocês de novo? – ela perguntou, tudo que recebeu de resposta foi ele se virando e um miau de Onni que a fez sorrir como uma criança.

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