sexta-feira, 5 de setembro de 2008

9. Parabéns

Quantas semanas se passaram? Quantos litros de sangue correram, notas tocadas no piano, energia mastigada e engolida, abraços compartilhados. Algumas semanas e antes que notasse já estava sendo espremida por Beau como se aquele dia fosse diferente de todos os outros que passaram, a verdade é que nem sabia quando era o próprio aniversário, então Beau inventara um para ela ainda no primeiro ano e chegara o dia mais uma vez.
-Parabéns! Hoje você está proibida de ir ensaiar! – Beua gritou a arrastando pelo pescoço.
-Mas...
-Eu já falei com o Azure, o Korone e o Ani também vão pular as atividades da tarde e vamos todos pra sua casa ficar gordos! – Ani era como Beau chamava o Ângelo nos últimos tempos.
-Feliz aniversário, Rinmotoki. – Ani desejou a vendo ser arrastada colégio a fora. – Não vá matar a aniversariante sufocada, Beau.
-Claro, claro... – Beau falou empurrando a amiga de encontrou ao Azure que estava chegando até eles – Leva ela pra casa, eu vou com o Ani buscar o bolo.
-Mas eu...
-MAS NADA! – Beau gritou dando uma mochilada no braço da amiga. – Eu não quero saber se você não gosta de festas ou não precisa de um aniversário, eu gosto então você vai ter que aturar... Até mais tarde! Vem, Ani.
O caminho foi mais longo do que jamais fora, na metade cruzaram com Korone que trazia segura pela cintura uma ruiva que nunca tinham visto antes, parecia mais velha, provavelmente aluna de alguma faculdade próxima. Ele ficara sem opções novas dentro do colégio, foram conversando, trocando risadas e mais cedo do que um piscar de olhos a tarde já corria com bolo de morangos e risadas longas. Os copos de vidro já tinham sido esvaziados e enchidos várias vezes, quando o barulho dos cacos se fez presente.
-Desculpe, eu pego... – Azure falou depois de topar por acidente na ruiva derrubando o copo dela.
-Não precisa, você pode se... – antes que Mika acabasse de falar o cheiro, sangue escorrendo pelo indicador de Azure. A tarde tinha corrido e em breve seria anoitecer.
-É só um arranhão não tem problema. – Ele falou levando o dedo a boca pra parar o sangue.
De alguma forma o momento tinha passado e seu coração aos poucos iam retomando o ritmo normal, por mais que com o passar do tempo as vezes sentisse uma certa tentação ao ver as veias dele ou ouvir as batidas de seu coração, nunca sentira um ímpeto tão forte de simplesmente estraçalhar a pele dele. Mika se esgueirou até a cozinha, se escondendo das suas próprias vontades e jogando água na louça escondendo o som de seu próprio sangue correndo.
-Melhor guardar o bolo... – era Azure abrindo a geladeira e guardando o que sobrara do bolo de aniversário numa das prateleiras vazias.
-Não precisava trazer, podia ter ficado com os outros... – Mika respondeu depressa secando as mãos e desviando o olhar para o pano de prato.
-Konore falou que voltava mais tarde e saiu com aquela garota e a Beau e o Ângelo subiram as escadas acho melhor não ir atrapalhar eles. – Azure respondeu, colocou as mãos nos bolsos procurando algo, mas não estava lá, devia ter esquecido em casa ainda de manhã.
-Entendi... – Mika falou e só depois de respirar fundo conseguiu olhar na direção dele, dando graças que faltava ainda tempo pro anoitecer e que até lá poderia simplesmente dizer tchau e se veriam amanhã.
-Eu preciso fazer uma coisa agora... – ela sentiu um alivio enorme e já ia dizer até amanhã quando ele completou – Posso voltar mais tarde? Ou você vai sair?
-Não vou pra lugar nenhum... – ela não conseguiu acabar a frase, ele a beijou por cima daquela afirmativa.
-Até mais tarde então.
O alivio virou apreensão, por mais que estivesse saindo com ele fazia algum tempo, sempre conseguia estar em casa antes da escuridão, não precisava ficar de boca fechada se preocupando com seus dentes. Mas agora ele ia e talvez voltasse depois que o sol fosse embora, talvez fosse inevitável. Mais cedo ou mais tarde ele ia acabar descobrindo, mas precisava ser tão cedo assim? Ficou sentada na sala abraçando as próprias pernas, não ousava subir as escadas e ouvir qualquer som que Beau e Ani podiam estar fazendo, ficou ali calada olhando pro nada, tentando ter pensamentos positivos e não se preocupar.
-Pode ser pior...
Pode. Talvez Korone só voltasse tarde da noite e ela estaria morrendo de fome, podia acabar machucando Azure no surto da fome. A maçaneta girou e seus olhos âmbar ficaram vidrados nela, a noite já tinha caído enquanto se preocupava e das sombras do lado de fora os cabelos negros de Korone anunciaram que estava de volta, olhou pra ela com um misto de curiosidade e surpresa.
-O que você está fazendo sozinha no seu aniversário?
-O Azure tinha algo pra resolver falou que voltava depois... A Beau e o Ani estão lá encima, então achei melhor ficar por aqui. – Mika respondeu com o queixo apoiado no joelho, os olhos âmbar mareados.
-Você está com uma cara horrível... – Ele falou desabotoando a camisa e sentando na frente dela no sofá. – Anda logo antes que o namorado volte...
Nem falou nada, simplesmente se ajoelhou sobre o sofá cravando os dentes entre o ombro e o pescoço de Korone, saciando a fome com uma mistura de ansiedade e gula. Não conseguiu evitar uma lágrima perdida escorrer sem motivo, como que preocupada com alguma coisa, piscou por apenas alguns segundos e ouviu a porta girar mais uma vez. Se inclinou pra trás, ali, ajoelhada no sofá. A camisa de Korone com manchas de sangue, ela com os lábios vermelhos e os dentes manchados e Azure de pé na entrada.
-Parabéns, sua namorada não é humana. – Korone resmungou se levantando. – Eu vou deixar vocês sozinhos...
-O Ângelo...
-Se você não falar nada, eu não falo... – Korone a tranqüilizou subindo as escadas, a verdade era que Korone só falava o necessário com Ângelo.
-Azure eu... – Mika começou a falar vendo ele se aproximar com passos lentos, a reação comum seria sair correndo, mas ao invés disso ele estendeu a mão em sua direção, uma pequena caixinha preta.
-Feliz aniversário.

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